1) Alle (nome fictício)
Aqui na cidade existem três oficinas de estofadores de automóveis. A mais antiga foi quem pariu as outras duas (e uma outra cujo dono faleceu em 2008). O velho estofador aposentou-se há dois anos, depois de mais de sessenta anos de profissão, deixando de herança à filha mais velha a oficina. Ela nasceu e cresceu ali dentro, andava em todos os encontros de carros antigos com o pai, pegou na tesoura aos três anos e nunca mais largou. Conhece tudo sobre carros, estofamento, couro, linha, medida do ponto da máquina de costura, tipo de tecido para cada modelo de carro e mais um universo de informações acumuladas em mais de cinquenta anos. Antes mesmo do velho sair da sociedade (ele e ela, que a irmã caçula pulou fora anos atrás), ela era a pessoa à frente da atividade. Sempre foi, a partir dos 25 anos. “A senhora tem certeza do que está falando?” e “e o que você sabe disso?” são as frases que mais ouve de novos clientes, de todas as idades. Os outros dois estofadores (que saíram dali, repito) não são questionados nunca.
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2) Virna (nome fictício) é uma profissional que trabalha com diversos concessionários e comerciantes de carros na região. Ela chega no furgão superequipado para limpar o interno dos carros como poucos. Usar produtos ecológicos e biodegradáveis é uma das muitas exigências da licença para trabalhar em domicílio. Limpeza a vapor, ozônio e o tradicional “óleo de cotovelo”. Em duas horas, duas horas e meia, o carro da loja está pronto para a exposição. Quatro horas, se for um cliente particular, com uma limpeza mais profunda e um preço um pouquinho superior.
— Virna, pelamor, fia! Cê num pode trabalhar de graça. Aumenta seus preços.
— Aumento não, Allan. Mais caro ninguém me chama.
— Mas qualquer outro lavador cobra mais caro. E você vem em domicílio...
— Eu sei, mas ainda não consegui entender por que os clientes insistem em não querer pagar o que eu peço. E, se não aceito o que querem pagar, perco o cliente.
— Sabe sim. E vou te lembrar: é porque eles sabem que se insistirem, você cede; porque você é estrangeira e porque você é mulher. Seja firme. SE eu devo dar um desconto a um cliente, primeiro eu falo o preço cheio e depois explico o motivo do desconto. Uma vez feito o orçamento, cabô desconto.
— Imagina que as empresas de caminhões querem que eu faça a limpeza por cem euros...
— Tá doida? Os outros pedem duzentos e cinquenta.
— Pois é. E se fizer dez caminhões por mês, só pagam oitenta cada um.
— Para no nono e diz pra fazer o resto nos concorrentes.
— Foi o que eu fiz. Eles deixaram de me chamar e levam pro concorrente. O concorrente me chama, eu limpo por cem e ele cobra duzentos e cinquenta dos clientes.
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3) A multinacional em que a Eloá trabalha não tem coragem de pedir aos Chefs homens para trabalharem sozinhos. Um Chef não lava louça e ganha mais que Uma Chef. Quem lava louça é ajudante de cozinha. Para a Eloá – carinhosamente conhecida como “boca de bomba” – também lhes falta coragem.
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