Diário do futuro – dia 32
A partir de hoje quase toda a Itália volta a ser zona amarela. O que significa isso? Significa que boa parte da população vai se sentir autorizada a fazer merda.
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Ainda não tivemos dias com temperaturas realmente frias. Fico apreensivo com a mudança do clima, lembro dos dezessete graus negativos de uns anos, não esqueço os vinte e um negativos logo no primeiro inverno. Nos últimos anos a temperatura mal chegava a menos zero e acho que este ano não vai ser diferente. Apesar da lenda dos dias da melra, fevereiro costuma ser o mês mais frio do ano. Prefiro o calor, praia e cerveja gelada, não fico triste pela temperatura menos fria, mas preocupado com a mudança do clima.
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Dia de trabalho intenso. Ainda bem.
Diário do futuro – dia 33
— Estou mais informado sobre a política brasileira que a italiana.
— Eu também não entendo nada da política italiana, Allan.
— Como assim? Você é italiano e político.
— E faz mais de trinta anos.
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Não assista aquele filme do casal com filho pequeno que tem que fugir por causa da catástrofe. A mulher, desesperançada, acaba saindo de casa e não volta mais. O cara vai com o filho tentando escapar da situação, mas não tem rumo, guarda a última bala do revólver para matar o filho, evitando que o pequeno sofra nas mãos dos algozes e no último minuto conseguem fugir. Perdem tudo, deixam um ladrão pelado e o protagonista – vai ser azarado assim nos quintos do inferno! – leva uma flechada. Pelo menos o menino se salva. Tem aquela atriz bonitona e o ator é o de sempre. Eu nem sabia que era um filme de terror, ou não teria assistido. Fiquei preso pela trama e tive pesadelos à noite. Não assista. Eu até gostava de filme de terror. Devo ter assistido todos os filmes do Boris Karloff e do Bela Lugosi, mais um monte de dráculas, lobisomens e companhia bela, mas deixei. Pra falar a verdade, até acho o Frankenstein do cinema simpaticão. Muito mais agradável que os muitos frankensteins que encontro no dia a dia. Tipo o cara de hoje que é sectário do livre mercado, da meritocracia, da lei do mais forte, contra qualquer amortecedor social para quem perde o emprego e defensor ferrenho da estabilidade para servidor público. Um cuspe na cara de quem não adivinhar que ele é servidor público.
Diário do futuro – dia 34
“Na Brastel tudo a preço de banana/Brastel é legal/pam-pararam-pam, Brastel!”
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Com a demissão do Primeiro-ministro Giuseppe Conte, Mario Draghi foi escolhido pelo Presidente italiano Sergio Matarella para tentar formar um novo governo. Draghi aceitou “com reserva”, o que significa que ele vai tentar. Caso não consiga, devolve o encargo ao presidente e vai para casa bolar um modo de gastar um pouco do muito dinheiro que ganhou na vida. Mario Draghi foi, entre outras ocupações no mundo das finança$, presidente da Banca D’Italia, o banco central italiano e presidente do Banco Central Europeu. Já tivemos um governo técnico e a parte assalariada da população não aprovou. Dessa vez corremos o risco de nos tornarmos a filial de um pool obscuro de grandes bancos. E 2021 mal começou.
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“Mariola-la/mariola-la/mariola lula”
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Estou com a boca santa; tudo o que eu falo, acontece. Falei de mim pra comigo mesmo mais eu que um novo cliente iria aparecer. Apareceu. Falei de um amigo e ele veio me visitar. Falei em tomar creme de abóbora com gengibre e adivinhem o que jantei hoje?
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“Tá na hora de dormir/não espero mamãe mandar/um bom sono pra você/e um alegre despertar”
Diário do futuro – dia 35
A carreira da esquiadora italiana Sofia Goggia é feita de pódios e camas. Leitos hospitalares, para ser mais preciso. Dona de um otimismo incansável, volta sempre dos acidentes já pensando no próximo desafio. Dessa vez vai ficar de fora do campeonato mundial de esqui, que começa nesse fim de semana, por uma fratura em alguma parte da tíbia (tenho agonia só de pensar. Procura lá pra saber exatamente que parte ela fraturou). Isso depois de vencer algumas etapas nos últimos vinte dias. Mas pode apostar, ela volta. E sorrindo.
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O pateta do ex, ex, ex primeiro-ministro italiano Matteo Renzi faz de tudo para se manter sob os holofotes. Depois de abrir a crise de governo – do qual ele fazia parte – deu uma entrevista à CNBC com um inglês vergonhoso e a falta de simancol de sempre. A um certo ponto a jornalista fez uma tremenda ginástica facial para não rir. De todas as promessas de Renzi, a única que realmente esperava que ele cumprisse foi prometer que deixaria a política se fosse derrotado no referendo popular para modificar a constituição ,em 2016. E ele perdeu.
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Pena mesmo eu tenho do futuro ministro da economia italiano, caso Mario Draghi consiga formar um novo governo. Draghi é ex-presidente do Banco Central da Itália e do Banco Central Europeu. Já pensou?
Diário do futuro – dia 36
Queijo com goiabada funciona de qualquer maneira. Com queijo fresco funciona mais. Acho que é invenção de algum mineiro genial. A Itália é a terra dos queijos e eu saí para comprar um pedaço de Quartirolo Lombardo DOP, muito comum nessa região. Trata-se de um queijo fresco de breve ou média maturação, como o nosso queijo Minas. O fresco combina melhor com goiabada, o meia cura só comprei duas vezes. Comi e me lambuzei.
Posso dizer que sou fã de queijos. Prefiro fã que viciado, que soa marginal. E já que o assunto é queijo, acho incrível como o grana faz parte de qualquer dieta, nessa terra. O termo “grana”, dentro da União Europeia, é legalmente protegido pela denominação Grana Padano, o que não muda o fato de outras marcas que não podem mais usar o termo continuam sendo queijos do tipo grana. Parmigiano Reggiano, Trentingrana e Granone Lodigiano são outras marcas de queijo grana. Voltando às dietas (fuja delas!), o grana é aconselhado por cem de cada cem médicos, nutricionistas e pediatras. Sabe a papinha do bebê feita em casa? Aqui vai um pouco de grana ralado na hora. E essa é uma coisa importante: ralar o queijo na hora. Mesmo os já ralados com a marca do consórcio não têm a mesma qualidade. Ralar o queijo sobre o prato faz uma diferença enorme. No sabor, no aroma e na qualidade.
Peraí que vou fazer outro sanduíche como eu gosto: duas fatias de queijo e recheio de goiabada.
Diário do futuro – dia 37
Em todos esses anos de Itália, nunca vi um fevereiro tão quente assim. Temperatura de nove graus às dez da noite chega a ser assustador nesse período. Para piorar, acabei de assistir um programa de pesca que mostrou como a temperatura da água na região sul-ocidental do Alaska vem aumentando, desde 2016. A fauna adulta desapareceu – o que coloca em risco a economia local que vive da pesca – ao mesmo tempo de espécies desconhecidas começam a tomar conta daquelas águas.
Me preocupa como estamos extinguindo a vida no planeta. É possível, como no filme The Road, que, para sobreviver, o canibalismo vire moda. Tô aqui torcendo para os ursos polares migrarem e se adaptarem à vida nas megalópoles.
Eu sei, não deveria ter visto aquele filme.
Diário do futuro – dia 38
Domingo de expectativas. Se, por um lado, um falcão da economia na poltrona de primeiro-ministro está longe do que o povo italiano merece, por outro lado, o aborto de um novo governo guiado por Mario Draghi faria muito mal à imagem do país. A projeção externa tem impacto nas relações de mercado e políticas. Draghi é respeitado e admirado não só na Europa. Obama certa vez disse: “quando tenho dúvidas sobre economia, ligo para Mario Draghi”. O nosso provável próximo chefe de governo tem excelentes relações. Por via das dúvidas, vou mudar meu cofrinho de esconderijo.
Regiões da faixa laranja passam à amarela a partir de amanhã. Restarão poucas na laranja. Ao mesmo tempo, há províncias que entrarão em lockdown por três semanas. Humanos que agem como humanos irão se comportar como se a pandemia tivesse acabado. Faixa amarela não é a normalidade. Em breve, teremos atualizações cromáticas.
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