Diário do futuro – dia 18
Dirigir na neve tem seus riscos. Por outro lado, a simples presença da neve impede as imprudências mais comuns. O risco maior durante o inverno europeu é a baixa temperatura. O asfalto limpo ilude, é escorregadio, duro e congelado.
Ter uma garagem no subsolo é a melhor opção. Mantém o veículo mais quente no inverno e mais fresco no verão. Só não esqueça de aquecer o motor fora da garagem. Ligue, saia e deixe aquecer fora, ou o ar vai ficar irrespirável para os vizinhos. Se a garagem for individual no térreo, estacione de frente e saia de marcha a ré, contrariando a regra correta de estacionamento. Desse modo o escapamento ficará para o lado de fora e você pode aquecer o motor no estacionamento. Caso haja uma rampa para sair da garagem, mantenha uma aceleração constante para evitar que as rodas patinem. Ou seja, não aumente a aceleração durante a subida.
Outro fator muito importante é o freio. Lembre-se de que ele também precisa ser aquecido. Frio, ele não vai funcionar em caso de necessidade. Já com o carro em movimento, mas em velocidade baixa, vá freando devagar, controlando o trânsito atrás.
E se for sair a pé, o aquecimento vale também para o seu corpo. Melhor não correr o risco de não conseguir parar para o café ao bar.
Diário do futuro – dia 19
A prefeitura decidiu, ela mesma, administrar as vagas de estacionamento a pagamento. Substituiu os parquímetros da empresa que explorava o serviço por equipamentos próprios. A cidade virou um festival de multas.
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Até o momento em que escrevo esse diário não há nenhuma informação sobre o futuro desse Governo italiano. Um conhecido oportunista – mais oportunista que a média política – excluiu-se da base aliada, criando uma crise institucional. Ontem, na Câmara dos Deputados, o Primeiro-Ministro obteve o voto de confiança para permanecer à frente do Conselho de Ministros. Agora o Senado deve concluir a sessão. Vou dormir preocupado com essa luta de poderes num momento delicado como o que estamos vivendo. A robusta ajuda econômica da União Europeia corre o risco de virar pizza. Bando de irresponsáveis.
Diário do futuro – dia 20
O dia de hoje já entrou para a história. O novo presidente dos Estados Unidos deu uma curiosada nesse “Diário do futuro”, se inspirou naquilo que escrevi no dia 11 e tascou a frase “precisamos enfrentar a pandemia como uma única nação”. Bom saber que alguém dá importância ao que escrevo.
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Brincadeiras à parte, continuo achando utópico, mas sonhar é de graça.
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Bem-vindo, Joe! Continue me seguindo para outras dicas.
Diário do futuro – dia 21
Ter opinião não é fundamental para viver. Não ter, também não. Tenho umas poucas certezas e algumas opiniões que, como todos, são frutos da minha experiência de vida. Uma das certezas que possuo é que existem tantas opiniões quanto as diferentes experiências pessoais. Ou, como disse o grande filósofo Clint Eastwood, “opinião é como bunda. Cada um tem a sua”. Pois considero como qualidade uma minha característica: mudo de opinião sem traumas, quando me informo melhor.
Até uns meses, avaliava mais seguro aguardar um tempo antes de me vacinar. Mas comecei a ler sobre vacinas, a ponderar a minha experiência (quantas vacinas tomei na vida, o que eu sabia sobre elas, os casos de doenças que poderiam ser evitadas se a pessoa – no caso, conhecidos – tivesse tomado vacina e essas coisas) e resolvi estudar mais sobre mais sobre o assunto. Descobri que a vacina para a Covid19 começou a ser preparada com os primeiros casos de Sars anos atrás, fiquei impressionado com o funcionamento dessa nova tecnologia e a perspectiva de novas curas. Outra coisa que aprendi é que a vacina pode ajudar em novas epidemias de outras doenças. A rede está aí, cheia de informações. Dá para estudar tudo de graça, desde que a fornecer a informação seja uma instituição idônea. Informe-se.
Outra coisa que achava estranho é a quantidade de pessoas que postam fotos sendo vacinadas. Pois eu descobri que isso serve para incentivar outras pessoas e a combater o negacionismo.
A conclusão é que mudei de ideia. Vou me vacinar assim que for chamado. E pode até ser que faça uma foto e poste nas redes sociais.
E você, o que pretende fazer? Xiiiis!
Diário do futuro – dia 22
2020 foi um ano terrível, abarrotado de eventos terríveis e muita tristeza. Envelhecemos uns dez anos em doze meses, nem quisemos retrospectiva. Esse tremendo marco temporal nos fez esquecer alguns fatos e ampliar outros. Teve coisa acontecendo que sequer ficamos sabendo. Apenas resistimos e sobrevivemos. Ou quase.
Uma lição triste foi ensinada: quando nos transformamos em párias, ficamos sós. Foi assim com a Itália no início da pandemia. Apesar dos pedidos, a Europa virou as costas. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Não havia luvas, máscaras, equipamentos suficientes e os vizinhos se preocuparam em estocar tudo para consumo próprio. Foi um verdadeiro alívio quando a missão chinesa aterrou em solo italiano com uma equipe de médicos, enfermeiros, infectologistas, 31 toneladas de equipamentos (entre eles, mil ventiladores), protocolos e estudos sobre a doença. Morta de vergonha, a Europa se desculpou pelo abandono e começou a colaborar. Outros países também ajudaram; a chegada da equipe médica de Cuba foi tão festejada quanto a da Albânia.
A tristeza maior é ter vivido a situação de excluídos por um evento natural. Claro que quem se torna um marginalizado por suas ações merece ser excluído, mas quando não existe culpa, dói pra cacete.
Minha admiração pelos chineses aumentou muito. A gratidão vai durar para sempre.
Diário do futuro – dia 23
Hoje, sábado, 23 de janeiro de 2021, vim aqui só para informar que não vou escrever a edição diária do diário (ficou esquisito, né?). Não vou contar da semana fraca no trabalho e da semana cheia que começa depois de amanhã. Não vou deixar escapar nada nada nada de hoje. Nem dos passeios com o Shiva, nem da Neve, a husky velhinha amiga dele (só que ela ainda não sabe que é amiga dele. Tem medo) e nem das nossas brincadeiras. Do calor estranho que fez? Necas de pitibiribas. Nada, nadica de nada. Não insista.
Diário do futuro – dia 24
Curioso que no período mais quente do ano a chuva escolhe cair justo no fim de semana. Isso sempre estraga nossos planos de nos refrescarmos nos rios da província. Agora que estamos no inverno, a situação mudou. Choveu três dias ininterruptamente, mais a segunda e terça de frio e neblina, para fazer sol ontem e hoje (sábado e domingo, respectivamente falando, para evitar confusões vai que alguém pensa que por aqui o domingo vem antes...). Podia ser pior, podia ter nevado de quarta à sexta, é claro. Só não precisa jogar praga. Então. Fazer sol e um pouco de calor – nada de excepcional, chegamos a oito graus – deveria ser notícia boa, se a vida estivesse normal. Quer dizer, normal está, mas esse normal que já vai fazer um ano. E, nesse caso, sair não é uma opção saudável, mesmo de máscara, álcool gel e distância social. E Shiva a tiracolo. Se pelo menos chovesse e fizesse um friozão, não me sentiria mal em ficar em casa.
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“Il futuro è passato e non ci siamo nemmeno accorto” [o futuro é passado e nem nos demos conta – a frase em italiano tem um duplo sentido: “è passato” significa “passou” e “virou passado”. Mantive uma tradução mais literal para não perder o sentido].
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O Maluquinho do Pedaço parece ter dado uma trégua aos melros. Os encontramos cedinho nos jardins e ele apenas observa. Os pobrezinhos não têm a vivacidade da primavera, movem-se com lentidão, quando conseguem. Gaivotas parecem não sofrer tanto o frio, mas com menos caça, não permanecem. Passam fazendo algazarra. Já os pombos... Cadê os pombos?
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