Monday, January 18, 2021

Diário do futuro - 3

 Diário do futuro – dia 11

A solução utópica para sairmos dessa pandemia e evitar que ela se transforme em outra mais resistente, seria disponibilizar gratuitamente os recursos (água, alimento, energia, saúde...) a todos os seres humanos e fazer uma quarentena coletiva de uns três, quatro meses. Nesse período somente os serviços essenciais funcionariam e todos permaneceriam em casa.

 

Temos tudo: bens de primeira necessidade, experiência sanitária, mão de obra, capacidade logística e o conhecimento necessário. Só não acontece porque o individualismo impede enxergar que, pelo menos dessa vez, somos um único organismo. Bons propósitos não bastam, são apenas utopia.

 

Diário do futuro – dia 12

Da neve que dificultou a vida da cidade uns dias atrás, só ficaram restos, não mais rastros. Com o Sol titubeante entre as sombras da cidade, algumas ruas ainda exibem pequenos montes, vagas de estacionamento ocupadas pela alva massa acumulada por algum trator e temperatura mais fresca. Aqui na rua de casa apenas dois ou três amontoados de neve suja nalgum canto sombreado. E uma pilha disforme dela ainda branca no jardinzinho do dólmen.

 

A vida vai escoando pelas calçadas, sem medo das avalanches que despencavam dos telhados altos de prédios e igrejas. Algumas árvores sucumbiram, bombeiros são testemunhas. Há manhãs de asfalto coberto pelo sal que a prefeitura joga com medo da chuva; noutras vezes, um fino emboço de sereno congelado se deposita no chão e sobre os carros. Caminhar com as mãos nos bolsos e orelhas cobertas. O inverno brilha alto no calendário e não podemos tomar chocolate quente nos bares.

 

Ah, mas a neve. Ela vai derretendo devagar nesse vento frio, ardilosa. Sabe que o frio não some tão cedo e fica vigilante. Uma hora a chuva volta, vingativa. E a neve cobrirá a cidade novamente.

 

Diário do futuro – dia 13

Estamos numa zona colorida aí qualquer, nem lembro mais qual. E não sou o único, ninguém sabe. Quarta-feira, 13 de janeiro desse 2021 que ainda é uma incógnita (vide 31 de dezembro próximo futuro para saber mais). É possível entrar num bar e pedir um café. Ou quase. Entrar, entrar mesmo, não pode. A porta do bar vai estar sempre fechada por causa do frio, mas pode abrir a porta e parar diante da barreira de mesas que impede adentrar no salão. Pode pedir um café, receber um copo descartável, pagar e sair para tomar o café do lado de fora, longe da porta. Sanduíches, doces, brioches e tudo o que o bar serve deve ser consumido do lado de fora, respeitando a distância dos outros clientes friorentos.

 

E sem máscara, é claro. Até o cigarrinho é tolerado, mas nada de aglomerar. Não vai faltar aquele grupinho de frequentadores batendo papo. Se conviventes, estarão próximos; caso contrário, uns dois metros uns dos outros. E nunca, mas nunca mesmo, se permita ouvir a conversa do grupinho. Estarão reclamando e isso pode arruinar o seu dia. Reclamam do clima, da pandemia, das regras de prevenção, de quem as inventou, dos jovens, dos velhos e, é claro, do governo. Assobie bem alto uma música alegre vá caminhando sem olhar para trás. Fique longe.

 

Diário do futuro – dia 14

Toda cidade é uma ilha

Cercada de horizontes por todos os lados

 

Diário do futuro – dia 15

Quem poderia imaginar que em pleno…

O que eu gostaria mesmo de…

E agora, como eu faço para…

Quando tudo isso passar…

Já pensou como seria se…

Sabe o que eu pensei…

Estou achando que…

Deixa eu contar…

Quem sabe se…

Talvez eu…

Um dia…

Ai…

 

Diário do futuro – dia 16

Números da pandemia na Itália nas últimas 24 horas:

Vítimas – 475

Novos casos – 16.310

Testes – 260.000

Os testes são fundamentais para rastrear os contaminados. Encontrou um com o vírus? Faz um mapeamento das pessoas que tiveram contato e aplica o teste nelas. Testou positivo? Avalia a necessidade de internação e isola todo mundo. Quanto mais testes, maior o número de contagiados. Ciência e organização. Endurecimento das regras e multa salgada para quem desobedece às normas. Claro que tem sempre um punhado que faz pouco caso e acaba ajudando o bichinho a se multiplicar. Me dói pensar no jovem que foi pra balada e contaminou a avó, tia, irmã, pai. Que carga pesada vai carregar pro resto da vida.

 

A Lu voltou – de novo – para a Itália. Está trancada na casa do Nick, fez dois testes e aguarda a liberação para vir abraçar o Shiva. Talvez até sobre um beijinho pra nós. Não vemos a hora.

 

Diário do futuro – dia 17

No diário de hoje eu gostaria de transmitir a sensação que estou sentindo. Como acho difícil colocar numa prosa, vou deixar umas linhas que escrevi em 1979 e que publiquei em 1986.

 

O avião que pousa

A mão que acena

A lágrima que rola

O homem que ri

Ri da volta

Ri da ida

Ri de si

Ri por todos

E eu que não fui

Tive vontade de voltar

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