Diário do futuro – dia 11
A solução utópica para sairmos dessa pandemia e evitar que ela se transforme em outra mais resistente, seria disponibilizar gratuitamente os recursos (água, alimento, energia, saúde...) a todos os seres humanos e fazer uma quarentena coletiva de uns três, quatro meses. Nesse período somente os serviços essenciais funcionariam e todos permaneceriam em casa.
Temos tudo: bens de primeira necessidade, experiência sanitária, mão de obra, capacidade logística e o conhecimento necessário. Só não acontece porque o individualismo impede enxergar que, pelo menos dessa vez, somos um único organismo. Bons propósitos não bastam, são apenas utopia.
Diário do futuro – dia 12
Da neve que dificultou a vida da cidade uns dias atrás, só ficaram restos, não mais rastros. Com o Sol titubeante entre as sombras da cidade, algumas ruas ainda exibem pequenos montes, vagas de estacionamento ocupadas pela alva massa acumulada por algum trator e temperatura mais fresca. Aqui na rua de casa apenas dois ou três amontoados de neve suja nalgum canto sombreado. E uma pilha disforme dela ainda branca no jardinzinho do dólmen.
A vida vai escoando pelas calçadas, sem medo das avalanches que despencavam dos telhados altos de prédios e igrejas. Algumas árvores sucumbiram, bombeiros são testemunhas. Há manhãs de asfalto coberto pelo sal que a prefeitura joga com medo da chuva; noutras vezes, um fino emboço de sereno congelado se deposita no chão e sobre os carros. Caminhar com as mãos nos bolsos e orelhas cobertas. O inverno brilha alto no calendário e não podemos tomar chocolate quente nos bares.
Ah, mas a neve. Ela vai derretendo devagar nesse vento frio, ardilosa. Sabe que o frio não some tão cedo e fica vigilante. Uma hora a chuva volta, vingativa. E a neve cobrirá a cidade novamente.
Diário do futuro – dia 13
Estamos numa zona colorida aí qualquer, nem lembro mais qual. E não sou o único, ninguém sabe. Quarta-feira, 13 de janeiro desse 2021 que ainda é uma incógnita (vide 31 de dezembro próximo futuro para saber mais). É possível entrar num bar e pedir um café. Ou quase. Entrar, entrar mesmo, não pode. A porta do bar vai estar sempre fechada por causa do frio, mas pode abrir a porta e parar diante da barreira de mesas que impede adentrar no salão. Pode pedir um café, receber um copo descartável, pagar e sair para tomar o café do lado de fora, longe da porta. Sanduíches, doces, brioches e tudo o que o bar serve deve ser consumido do lado de fora, respeitando a distância dos outros clientes friorentos.
E sem máscara, é claro. Até o cigarrinho é tolerado, mas nada de aglomerar. Não vai faltar aquele grupinho de frequentadores batendo papo. Se conviventes, estarão próximos; caso contrário, uns dois metros uns dos outros. E nunca, mas nunca mesmo, se permita ouvir a conversa do grupinho. Estarão reclamando e isso pode arruinar o seu dia. Reclamam do clima, da pandemia, das regras de prevenção, de quem as inventou, dos jovens, dos velhos e, é claro, do governo. Assobie bem alto uma música alegre vá caminhando sem olhar para trás. Fique longe.
Diário do futuro – dia 14
Toda cidade é uma ilha
Cercada de horizontes por todos os lados
Diário do futuro – dia 15
Quem poderia imaginar que em pleno…
O que eu gostaria mesmo de…
E agora, como eu faço para…
Quando tudo isso passar…
Já pensou como seria se…
Sabe o que eu pensei…
Estou achando que…
Deixa eu contar…
Quem sabe se…
Talvez eu…
Um dia…
Ai…
Diário do futuro – dia 16
Números da pandemia na Itália nas últimas 24 horas:
Vítimas – 475
Novos casos – 16.310
Testes – 260.000
Os testes são fundamentais para rastrear os contaminados. Encontrou um com o vírus? Faz um mapeamento das pessoas que tiveram contato e aplica o teste nelas. Testou positivo? Avalia a necessidade de internação e isola todo mundo. Quanto mais testes, maior o número de contagiados. Ciência e organização. Endurecimento das regras e multa salgada para quem desobedece às normas. Claro que tem sempre um punhado que faz pouco caso e acaba ajudando o bichinho a se multiplicar. Me dói pensar no jovem que foi pra balada e contaminou a avó, tia, irmã, pai. Que carga pesada vai carregar pro resto da vida.
A Lu voltou – de novo – para a Itália. Está trancada na casa do Nick, fez dois testes e aguarda a liberação para vir abraçar o Shiva. Talvez até sobre um beijinho pra nós. Não vemos a hora.
Diário do futuro – dia 17
No diário de hoje eu gostaria de transmitir a sensação que estou sentindo. Como acho difícil colocar numa prosa, vou deixar umas linhas que escrevi em 1979 e que publiquei em 1986.
O avião que pousa
A mão que acena
A lágrima que rola
O homem que ri
Ri da volta
Ri da ida
Ri de si
Ri por todos
E eu que não fui
Tive vontade de voltar
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