Sunday, October 11, 2020

Diário de um mundo novo - parte 21

 Diário de um mundo novo – dia 141

E hoje foi... Bem, hoje foi segunda-feira. Tá quase acabando, não tem como recomeçar. Mas nem queria, a semana começou bem e promete melhorar muito. Vou cobrar, hein! Sol, temperatura que começou na média da estação (ou mais ou menos por aí. Por aí não? Por aqui, então) com doze graus e chegou a vinte e dois. O Shiva – ah, o Shiva! – me mordeu como não mordia tinha um tempo. E agora à noite rosnou pra Eloá, incomodado com o barulho que ela fazia na gaveta. Ah, o Shiva!

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Como tem gente legal nesse mundo, não? Se tiver sobrando por aí, manda pra cá.

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E a história do jogo entre Juventus e Napoli vai render. A Liga de Futebol estaria inclinada a dar a vitória à Juve, que se apresentou em campo como o regulamento manda. O Napoli foi proibido de viajar pela vigilância sanitária de Nápoles, que ainda colocou todos os jogadores em isolamento. Regras, argumentos, reclamações e o capim da igreja. Tomara que o jogo acabe sendo marcado para outro dia, não gosto de situações em que uma das partes é impossibilitada de jogar por autoridades.

 

A parte mais inútil foi o comentário do ministro da saúde, que disse estar chateado por ouvir mais de futebol que de escola, que os professores, que os pais, que a Itália, que blá blá blá. Claro que a escola e a saúde são imensamente mais importantes que futebol. Claro. Acontece que são argumentos tão diferentes quanto um copo d’água e uma roda de bicicleta. Achei demagogia barata, vontade de ser aplaudido por uma comparação capaz de arrecadar uma avalanche de consenso.

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Ah, o Shiva!

 

Diário de um mundo novo – dia 142

Ontem foi tudo ótimo. Daqueles dias que precisam de repeteco e bis. Hoje comecei o dia com dor de cabeça. Antes, tinha sempre, com meu antigos hábitos ogro-gastronômicos, mas agora tenho andado nos eixos e elas sumiram – por que será, não? E passei o dia com ela, fiel companheira. Não gosto de tomar remédios e acho que a antipatia é recíproca. Não teve jeito. O primeiro comprimido, de manhã, adiantou nadica de nada. Sim, eu só tomo remédio com o estômago cheio, não tenho dificuldade nisso e raramente ele está vazio. No final do dia, outro. Também não resolveu. Melhorou um pouco, mas nada de passar. Chazinho, massagem, cochilo. Nem consegui sair para trabalhar à tarde.

 

Como se não bastasse, quando tenho episódios assim, minha percepção cromática fica afetada. E de um modo seletivo. Tenho uma brusa verde que uso pra trabalhar (é brusa com R mesmo. Era um agasalho verde, nascido em Houston, na Dinamarca, fabricada por marinheiros coreanos de um navio com bandeira Suíça que navegava os fiordes holandeses. Quando envelheceu, perdeu o cargo de agasalho e virou uma blusa, com L. Hoje é só uma brusa mesmo, sem glamour nenhum) que quando fico com dor de cabeça, passa a um roxo desbotado, às vezes marrom. Comparo com objetos de diversas cores e confirmo que somente ela, a brusa, muda de cor.

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Quem disse que sopa não é janta?

É janta sim!

Mas só quando eu peço e ela faz sopa de ervilha com pancetta pra mim.

E nada de liofilizados.

 

Diário de um mundo novo – dia 143

Quem decide a sua vida é você. E aí, você acredita nessa frase? Acredita que não basta desejar, é preciso decidir – decidir, essa é a palavra – para que algo que você espera realmente aconteça? Sim, porque a decisão demanda uma ação e cada ação gera movimento. Se, por exemplo, você decide que vai viajar para tal lugar no fim de ano, logo começa a se informar sobre custos da viagem, onde se hospedar, o que fazer, se vai com ou sem companhia e já começa a organizar o orçamento, datas e todos os detalhes. Ou seja, a decisão de viajar impõe um emprego de tempo e energia e você acaba se comprometendo com a viagem de um modo material e emocional. Logo as passagens estarão compradas, ou o carro terá passado por uma revisão, a casa da vó terá sido informada da sua chegada ou o hotel reservado e chega uma hora que a viagem é inevitável. Concorda com isso? É assim que funciona? Pois eu acredito, tenho até um exemplo prático de hoje: acordei às 4h20 e resolvi que era muito cedo pra levantar. Olhei pro relógio e decidi que iria dormir mais uma hora, hora e meia e só depois levantaria. Dormi e acordei às 5h25, levantei e fui passear com o Shiva. Viu? Funciona.

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Saí com o Shiva e estava onze graus. Lá pelas três da tarde, a temperatura estava na casa dos vinte e três graus. No fim de tarde, todos os pernilongos da cidade marcaram um encontro no cliente onde eu estava. Sem saber, estava eu no meio da confraternização dos pernilongos. A festa era eu.

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Achei essa letra tão atual...

“Urubu tá com raiva do boi
E eu já sei que ele tem razão
É que o urubu tá querendo comer
Mais o boi não quer morrer
Não tem alimentação”

 

Diário de um mundo novo – dia 144

O número de contágios vem subindo. O de vítimas, idem. Tudo efeito da volta às aulas e do retorno das férias irresponsáveis. Nada que não fosse esperado. Os testes estão próximos dos cento e trinta mil por dia, é preciso detectar os “super transmissores” da pandemia. A esmagadora maioria dos contagiados são assintomáticos e pouco transmitem. Um número realmente pequeno de portadores é responsável pela maior parte da transmissão. É mais importante descobrir como as pessoas se contaminaram para localizar esses super transmissores e isolá-los.

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Manhãs geladas, agasalho, lenço de papel no bolso e máscara protegendo o rosto do vento gelado. Dias quentes, camisa polo, duas gotas de suor e pernilongos por todo canto. Fins do dia frescos-quase-frios, charuto, disputa ao piano entre a escola de música do lado de casa e o conservatório de música pouco mais distante e céus limpos. Outono.

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A esfiha da Mary não é ruim, mas a massa da coxinha é a melhor que já comi e o kibe é uma delícia.

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O cão resmunga e rosna pros ursos e dragões que só ele ouve. Me olha com o olhar suplicante, me aproximo para uma carícia e ele me lambe o nariz. E rosna.

 

Diário de um mundo novo – dia 145

E o vírus volta a ser o assunto do momento. Quando algo interfere com o futebol, aí a coisa fica importante. “Ibra está curado. O vírus continua em estado grave” pode até fazer rir – e dar um certo alívio, confesso. Gosto do Ibrahimovic e conto com ele no jogo contra a Inter – e mostrar bem como o povo leva o argumento na piada, mas a situação muda quando o contagiado é da família.

 

O rastreamento serve, entre outras coisas, para direcionar as medidas do governo. Os números mostram que a maior parte da disseminação acontece nos meios de transporte e no que aqui chama-se “movida”. Ou seja, o movimento em bares restaurantes e principalmente em discotecas. O sentimento de culpa de alguém que descobre ser o agente transmissor que contaminou a família toda por ter ido à balada será um fado eterno (vírgulas por conta de vocês). Melhor não ter que passar por isso.

 

Mais de 75% das transmissões estão acontecendo dentro de casa. Fazer de conta que tudo tinha passado e baixar a guarda vai cobrar um preço salgado, os números ainda vão aumentar muito. Esse foi o motivo que levou o governo a obrigar o uso de máscaras de forma geral e irrestrita. Ao ar livre, só quando não houver ninguém por perto. Em ambientes fechados, sempre. Inclusive dentro de casa.

 

Beijar na boca vai ser complicado. Emagrecer, bem mais fácil.

 

Diário de um mundo novo – dia 146

O dia hoje foi legal pra caramba. Conta aí como foi o seu.

 

Diário de um mundo novo – dia 147

Domingo de chuva, friozinho, coisa e tal.

Descansamos.

Ontem fomos a Bérgamo assistir o primeiro jogo do campeonato feminino de futebol amador. Calcinate contra como-é-que-se-chama-mesmo? Calcinate venceu por três gols a um. A Bia quase fez um, mas teve que se contentar da vitória sem o dela.

O Shiva não gosta quando saímos e não o levamos. Também não gosta do estresse de viajar, ficar longe de casa, ter que encontrar com outros cães e não suporta, mas não suporta mesmo, ver outros cães pela rua enquanto ele está dentro do carro. Sofre menos ficando em casa. Hoje ele aproveitou muito mais a nossa companhia, dormindo na nossa cama durante o dia (quando saímos temos que trancar o corredor que leva aos quartos, como medida de segurança de ter onde dormir) e me fazendo companhia no balcão, deitado no colchãozinho dele, coberto, enquanto eu fumo um charuto.

Descansamos o dia inteiro em casa. Dentro de casa. As únicas saídas foram com o Shiva.

Descansamos.

Agora à noite fiz uma torta de frango pra acompanhar a cerveja.

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