Sunday, October 18, 2020

Diário deum mundo novo - parte 22

Diário de um mundo novo – dia 148

Tenho uma dúvida com respeito ao contágio do Covid: Quer dizer que o vírus morre aos trinta e sei graus centígrados – 36 ºC? E por que na Europa tivemos tantas vítimas e contagiados durante o verão de mais de quarenta graus – 40 ºC? Se realmente fosse verdade que ele, o bichinho, morre aos 36 graus, então o melhor seria contagiar todo mundo e esperar pela febre de 39/40 graus. É assim, né? Como é que ninguém pensou nisso antes, né?

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Quer dizer que tem um monte de coreaninho ganhando uma grana preta compartilhando filmes deles comendo como bichos pra quem janta sozinho? Gente, se eu soubesse disso teria ficado milionário a décadas! Sabe o que é mukbang não? Em que mundo cê vive?

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Nunca tinha tomado vacina contra a gripe. Sô superomão, aquele forte. Trabalho mesmo com 39,5, 40 graus de febre. Sempre fui, mesmo quando não tinha boletos pra pagar. Hoje, tomei. O governo disse que ajuda nesse período, principalmente para os diversamente jovens como eu. Exatamente por isso baixou a idade para a gratuidade da vacina antigripal. Tá bom, economizei uns dez, vinte pilas.

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Shivinha Paz e Amor tá todo amoroso. Até me fez companhia pro charuto no balcão, com um friozinho chato. Colchão e cobertinha de mimo. Só estou torcendo pros ossos que ele roubou da lixeira – desgraçado-filho-da-mãe! – não deem trabalho.

 

Diário de um mundo novo – dia 149

Terça-feira normal. Outono esfriando, máscaras economizando maquiagem, vestuário à cebola, governo aproveitando da sindemia (aprendi hoje, tinha que usar) pra esconder os equívocos e as lutas internas, solzão ao meio dia, noites mais longas e sopa de abóbora com gengibre.

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Caroço de azeitona

Casca de tartaruga

Quem fizer cirurgia plástica

Não vai ter nenhuma ruga

 

Diário de um mundo novo – dia 150

Lembro que, durante o governo Sarney, anunciava-se um aumento da gasolina em 32%, a turba gritava e o aumento chegava “só” a 18%, para alívio geral e paz na nação. Uma velha estratégia de marketing que... ‘Xa pra lá. Pois aqui começaram a falar em uma nova quarentena no período das festas de fim de ano. Calma, gente.

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Sim, o número oficial de contágios nas últimas vinte e quatro horas ultrapassou os 7,5 mil. A diferença deste número e os do início da pandemia é que o volume de pessoas testadas é muito, mais muito mais alto. Lembro que em março, abril, as estimativas eram de mais de 60 mil novos contágios diários. Portanto, a Itália não está pior que naquela época, está apenas mais controlada. E se os testes aumentam, aumenta o número de contágio oficial.

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O nosso querido Garcia era um doce. O amamos de maneira desmedida. Quando ele se foi, o vazio era imenso. Adotamos o Shiva conscientes de que ele não ocuparia o lugar do Garci (modo carinhoso que usávamos, sem o último A), assim como o Garci não ocupou o lugar das meninas. Mas esperávamos que a presença dele amenizasse a falta. Jamais imaginaria que o Shiva iria preencher o espaço das meninas, do Garci e o nosso. O mundo é dele, o mundo é ele. Com ele ninguém fica entediado.

Con Shiva non ci si annoia mai.

 

Diário de um mundo novo – dia 151

Na eventualidade de uma nova quarentena – ainda que por poucos dias, se vier – quem vai gostar muito é o pilantra safado e bagunceiro da casa. Não, eu não. O outro pilantra. É que durante a quarentena havia pouquíssimos carros na rua e só nos horários de ida e volta do trabalho dos poucos que saíam para trabalhar.

 

Ele definitivamente não gosta do movimento do centro da cidade. Carros, ônibus, caminhões de lixo, carros de entrega, motos e bicicletas o deixam agitado. O aviso sonoro do semáforo o incomoda e ele prefere entrar nas transversais da rua onde moramos (quase uma avenida), no início do centro histórico da cidade e a mais movimentada do centro. Em dias normais, saímos no final do dia para o último ou penúltimo passeio do dia. É a hora de maior movimento e ele costuma querer voltar pra casa logo. Se o passeio é depois das dez, podemos amanhecer na rua. Por ele, que não trabalha.

 

Mas hoje foi diferente. Como sempre faz, foi pedir comida pra Eloá. Funciona assim: se ele estiver dormindo, ela espera que acorde para dar comida. Se, ao contrário, ele estiver acordado e ela cochilando, ele vai até o sofá e dá uma lambida-zinha no nariz dela, apoia a cabeça no sofá e espera que ela se levante para lhe dar comida. Hoje foi dia de lambida. E sempre às cinco da tarde. Pois voltando ao nosso passeio, fomos no final do dia entre o trânsito que tanto o incomoda. Vira nessa rua, vira na outra, vamos ao parque atrás da Eataly, cheira pra lá e pra cá, faz uns duzentos pipis – onde ele arranja tanto pipi? – e ele decide ir láááá longe. ‘Vambora. Chegando lá, finalmente entendo o que nos levou. Tem o muro de uma casa, alto uns cinco metros e, do outro lado, o de dentro, dois cães que ele deve ter ouvido latir quando ainda estávamos perto de casa. Discutem através do portão de madeira e voltamos para casa. Molhados de chuva e cansados. Cansado e feliz, ele.

 

O passeio para um cão deve ser o momento dele. Eu já passo o dia inteiro na rua, leio jornais, escuto rádio, falo ao telefone, uso o pc, tenho redes sociais e tudo o que essa sociedade me impôs. Ele, o cão, tem somente o passeio como forma de se comunicar com o resto do mundo. Cheirar, latir, correr, brincar, fazer duzentos pipis, são as redes sociais, jornais e tvs dele. Quando ele cheira os sinais deixados por outros animais, está fazendo tudo o que eu faço para me informar, só que de maneira natural. Quando levo o Shiva para passear, deixo a ser ele quem determina o ritmo e o que fazer. E ele agradece.

 

Diário de um mundo novo – dia 152

Estava lendo por aí sobre o Picasso... Não, o “por aí” não se referia a aí onde você está. É por aí interneticamente falando. Então, que o Picasso tinha fobia de ficar pobre. Talvez por isso ele trabalhou até os últimos dias. Daí que pensei: se você tiver fobia de ficar rico, talvez eu possa te ajudar.

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Com todo o aumento de casos de Covid na Itália, uma coisa ficou clara, segundo as estatísticas: pais, professores, outros profissionais de ensino e estudantes são mais eficientes que o resto todo do povo. Poucos casos de contágio nas escolas. Claro que tem aluno contagiado, mas o contágio não está acontecendo dentro das escolas. Quando alguém que frequenta a escola (alunos, professores...) é detectado com o vírus, toda a classe faz o exame e o resultado é sempre o mesmo. Negativo. O mais comum é ser contagiado no transporte público. O controle do respeito às medidas e o controle constante tem demonstrado que é possível, sim, aulas presenciais com pouquíssimo risco.

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Local de trabalho, aglomerações recreativas (festas, discotecas...) e, principalmente, transporte público, são as situações de maior risco. E daí lembro do transporte público no Brasil...

 

Diário de um mundo novo – dia 153

Sábado, sol, Shiva, sossego, sharuto (o charuto é meu!). Entro no bar pra tomar um café antes de fumar. Das duas pessoas do lado de dentro, uma sai para que eu possa entrar. Do lado de fora, outros três conversam, máscaras bem posicionadas e distância respeitada. A conversa rola solta.

— Eu acho que uma quarentena no Natal seria uma boa.

— Tá maluco?

— Eu num guento mais quarentena.

— E quem aguenta?

— Cê acha mesmo que seria uma boa?

Ô! É a melhor coisa.

— Que isso, cara! E a reunião da família?

— Isso mesmo, cumé que fica? Ninguém vai poder visitar ninguém...

— É, e também não vai ter almoço de Natal. Já pensou?

— E a troca dos presentes? Vai ser impossível trocar presentes...

— Até porque, não teria graça nenhuma trocar presentes de Natal depois do Natal.

— Natal é coisa séria. Tradição não se joga no buraco.

— Pensem bem, é a melhor coisa. Vocês...

— Vocês o escambau! Me dê uma única razão pra achar que seria legal.

— Vocês já deram: sem parentes, sem comilança, nada de presentes...

— ...

— ...

— ...

— ...

— Onde é que assina pra quarentena de Natal?

 

Diário de um mundo novo – dia 154

A partir de hoje fica terminantemente proibido a invenção, produção, o comércio, empréstimo, doar, receber, herdar, roubar, usar ou usufruir de qualquer forma qualquer coisa que não seja biodegradável. Tudo o que fizemos até agora, tornou o planeta extremamente biodesagradável.

 

Inventamos o plástico sem nos preocuparmos com o que faríamos com lixo. O resultado é que na periferia do mundo as ruas são de terra e plástico. Lixo plástico.

 

Inventamos os satélites sem pensar no que fazer quando se quebram ou se tornam obsoletos. Hoje os raios do Sol precisam pedir licença para passar entre as toneladas de lixo orbital.

 

Inventamos eletrodomésticos com gases que ninguém se importava onde iriam parar. Pararam na atmosfera, reduziram a camada protetiva de ozônio e o clima piorou. O clima que precisamos para viver.

 

Inventamos as fraldas descartáveis sem considerar que a merda é degradável, as fraldas, não. Os desertos começam a ter mais fraldas descartáveis que areia. Tomara que ventos e chuvas façam cair fraldas sujas nas cabeças dos fabricantes e consumidores de fraldas descartáveis.

 

Inventamos o café em cápsula sem pensar nas cápsulas vazias. A montanha de cápsulas descartadas já é três vezes mais alta que o Monte Everest, o Monte Chimborazo, o monte Dhaulagiri e o Mauna Kea juntos.

 

Inventaram as máscaras antivírus considerando só o vírus. Os peixes, javalis e camelos estão tentando digerir as máscaras usadas sem se contaminar.

 

Pneus, amianto, detergentes, desengordurantes, desincrustantes, conservantes, colorantes, estabilizantes, filtro de cigarro, jeans elásticos, herbicidas, inseticidas e mais um mundo de ideia idiota que tem como objetivo vender sempre mais, sem se importar com o que somos e onde deveríamos viver.

 

Com tanta porcaria inventada, continuamos a ser o que sempre fomos: biodegradáveis. Extremamente biodegradáveis. Só que agora numa velocidade maior.

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