Ele avisava que estava levando uns amigos pra almoçar
em casa. Acontecia vez ou outra e ela até que gostava. Tinha tempo para
preparar algo diferente, até que o grupo chegasse do Rio a Petrópolis. Sempre
no sábado, depois que ele fechava o escritório em Copacabana(?) e encontrasse
alguém pra dividir o primeiro drink. Ele sempre gostou de companhia e o que era
ocasional virou rotina. Todos os sábados ela tinha que cozinhar para um pequeno
grupo de amigos que passava a tarde no clima agradável de Petrópolis. O que era
divertimento tornou-se obrigação.
Ela nunca foi do tipo que aceita tudo. Isso não.
Cansada de ter que bolar pratos diferentes, de passar horas na cozinha – é
verdade, com ajuda da senhora que cuidava da casa, mas a responsabilidade e o
grosso do trabalho era dela – se encheu. Decidiu que passaria a fazer uma
macarronada, quem sabe o pessoal se tocasse e desse uma folga. Acontece que a
macarronada dela fez um sucesso tremendo, e aquilo se espalhou como farofa no
ventilador. A caravana nem esperava mais por ele. Chegava antes pra aguardar a
macarronada da Lurdinha. Claro, os amigos de sempre, boêmios, músicos e
picaretas divertidos, mas já não apareciam sós. Era tudo uma questão de tempo
pra bomba estourar.
Itália, 2019.
Temos uns amigos aqui em Piacenza que todos os anos
nos convidam para uma polenta. Sempre no início de novembro, usam uma imensa
garagem/cantina/depósito de um dos vizinhos e tome polenta. Com javali, com
funghi, com funghi e molho de tomate, com gorgonzola... Um dos vizinhos faz um
delicioso pão caseiro, acompanhado de garrafões de limoncino e cada um
aparece com muito vinho, salame ou coppa e alguma torta. A cada ano o
número de participantes aumenta. Esse ano a Bianca ainda resolveu fazer vin
brulè [vinho quente com especiarias] com um dos amigos. Não sobrou nem pra
remédio.
Como sempre, numa turma numerosa tem sempre alguém
menos simpático (aliás, mesmo nas turmas menos numerosas, devo confessar),
alguém mais simpático, os extrovertidos, quem passa só para um alô, quem vai
embora antes. Uns dois anos atrás descobri que a polenta tem um motivo: o
aniversário de um daqueles, da turma dos menos simpáticos e que não é nem o
dono do espaço onde rola a comilança e bebelança. Mas a polenta virou tradição
e os estranhos só aumentam. Alguém levado por alguém, que foi levado por outro
alguém. Verdade seja dita, comida e bebida não faltam e todo mundo procura
ajudar. Muito vinho, doces que precisam ser consumidos até o anoitecer, um
almoço que se estende até o jantar.
Com o fim da polenta, os salames, coppa e
gorgonzola podem voltar pra mesa com o pão. Vinho, muito vinho. E licores
vários e grappa. Misericórdia que o mundo vai acabar hoje. Já pensou o
médico vendo aquela orgia de colesterol, álcool, açúcar, triglicérides e demais
acompanhantes? Mas somos um grupo de glutões profissionais e esses são os
riscos da profissão.
A polenta deve durar por mais um século, imagino. E
ninguém vai lembrar quando começou nem o que comemoram. O importante é não
perder uma. E levar vinho.
Como terminou a história do macarrão da Lurdinha? Não
lembro, mas acho que ela deve ter rodado a baiana e acabado com a festa. Uma
festa da qual ela não participava mais. Que fossem comer na praia, longe de
Petrópolis. E ai de quem a chamar de Lurdinha hoje!
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