Sunday, July 21, 2013

Nação versus Estado

A Folha de São Paulo publicou essa semana uma reflexão ponderada sobre as manifestações no Brasil, do experiente jornalista Aldo Pereira, um caro amigo:

Nação versus Estado
Aldo Pereira

Chame de Junho o primeiro surto de manifestações; chame de Julho o segundo. Junho exibiu, na cacofonia de cartazes desfilados, sinceridade, espontaneidade, vibração juvenil — e muita ingenuidade. Julho tirou da naftalina mofadas bandeiras e slogans para tentar, com histórica truculência e intimidação, reclamar as ruas para si.

Sem foco nem liderança, Junho pareceu inconscientemente anarquista. Contrastante, Julho exibiu relíquias que ainda inspiram fé nos órfãos do comunismo. Junho manifestou descontentamentos pontuais, gemidos sintomáticos de dorzinhas agudas, e pediu para elas paliativos como reversão de aumento de tarifas.

Julho também ficou em queixas pontuais, que no conjunto correspondem a explícita carência, a serem tratadas com mais dinheiro menos trabalho para assalariados. Surpreendeu-se em não achar adesão comparável à de Junho. A decepção talvez o leve a ponderar certa medida de evolução sociológica no Brasil: não apenas a proporção de assalariados tende a diminuir, como também o antagonismo de classes.

Em greve de operários contra os donos duma fábrica o conflito de interesses se dá entre partes mutuamente dependentes. Mas gestores de sindicatos fósseis tomem nota: greves em transporte, escolas e centros de saúde se inspiram na tática terrorista de ameaçar com as consequências reféns inocentes. Como esperar simpatia dessas vítimas?

Junho e Julho, contudo, configuram juntos o descontentamento da Nação com seu Estado patrimonialista. Nação? Estado? Patrimonialismo? Para ganhar foco e eficácia, os dois movimentos carecem de melhor percepção da estrutura e da conjuntura política do Brasil. Reabrir cartilhas para atualizar conceitos como os referidos, afora os de soberania (que a classe política nos usurpa), ação direta e também iniciativa.

Sem visão e organização política, a Nação se expõe a ser engabelada com paliativos e engodos diversionistas. Plebiscito de cima para baixo é drible para reter a bola. Em jogos assim, ganhará sempre quem ditar as regras. A tal “Constituinte específica” que o governo chegou a cogitar para reforma política não daria a você, por exemplo, chance alguma de propor extinção do Senado (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1012200909.htm). (Essa lânguida tertúlia desperdiçará neste ano uns 3,5 bilhões, com os quais se poderia, digamos, dobrar o orçamento de proteção do meio ambiente: pense em rios-esgotos, sufocação urbana, desmatamento etc. Noutras palavras, a múmia institucional do Senado polui em mais de um sentido.)

O governo não perguntará tampouco se você concorda em barrar acesso de corruptos a cargos públicos mediante voto negativo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2908200510.htm), nem de se desfazer deles por “recall” (cassação de mandato por iniciativa do eleitorado). Não consultará você quanto a reformas que confiram ao Judiciário mais probidade e eficiência, nem aos impostos mais racionalidade e justiça.

Sopra a favor dos reformistas sinceros o vento novo da Internet, poderoso instrumento de arregimentação. Para o bem ou para o mal, ela dinamiza a mobilização das massas no mundo informatizado.

Incerto prever até que ponto as redes sociais poderiam contribuir para consultas e decisões políticas. Mas se pela Internet o Estado apura a vida contábil de milhões de contribuintes para tosquiá-los com admirável eficiência, por que não admitir essa tecnologia para exercício de outros deveres e direitos de cidadania?

Aldo Pereira, 80
é ex-editorialista e colaborador especial da Folha.

4 comments:

myra said...

muito complicado...nao somente no Brasil, mas acho os governos de quasi todos os paises deveriam ir pr,o diabo:(
abraco querido Allan!

Bah said...

Sei lá se o nosso Brasil tem jeito, mas a intenção da manifestação foi boa. Aliás, mesmo que não dê em nada (como está parecendo) ao menos o povo foi pras ruas, sabe? Melhor do que ficar sentado com a bunda no sofá e continuar reclamando.

Thais Miguele said...

Taí uma opinião realista e atual. Tão melhor do que as críticas ou elogios exagerados aos "manifestantes virtuais". Acho que já há a possibilidade de analisar o que aconteceu no Brasil. Mas isso quer dizer que já acabou?

Anonymous said...

tio,

esse troço é muito longo de ler, tio

pedro luis