Não sei de ninguém que goste de burocracia, e eu não sou exceção. Pego o trem e vou resignado para Milão fazer o novo passaporte. Vou de trem e depois de metrô, que aproveito para ler, não me incomodo com o tráfego nem me preocupo com o estacionamento. Início de Primavera atípico, com calor e sol forte brilhando sobre a “Madonnina”, no alto da Duomo. Sim, eu sei que poderia descer na estação do metrô San Babila, mas prefiro descer na Duomo e caminhar. Gente, movimento, ruído de cidade grande, vida sorrindo pelas calçadas.
Noto um cidadão desorientado, numa mímica teatral abanando a cabeça num visível “não acredito”. Observo bem e me parece familiar [justo eu, que sou capaz de cumprimentar o espelho]. Me aproximo… É o Cecil! É meu irmão Cecil!!!
▬ Cecil, o que você faz aqui?
▬ Ô, até que enfim. Meu, onde é que eu tô? Que sonho mais maluco, cara!
▬ Cecil, isso não é um sonho e nós estamos em Milão. Como é que você veio parar aqui?
▬ Que Milão, cara! Eu só posso estar sonhando; mesmo assim é bom ver você. ‘Cê envelheceu, hein cara?
▬ Cecil, eu tenho certeza de estar acordado e, sim, nós estamos em Milão. Me conta, como veio parar aqui, quando chegou, porque não me ligou antes?
▬ Bom, vou começar devagar pra ver se você me entende: cheguei em casa cansado e dormi sentado na poltrona. De repente a poltrona começou a balançar e acordei assustado; quando abri os olhos, ‘tava sentado dentro dum bonde; desci na primeira parada e comecei a caminhar sem entender nada do que as pessoas falam e de repente encontrei você. Viu? Só pode ser um sonho.
▬ Bom, vem comigo. Tenho que ir ao consulado e depois resolvemos essa situação maluca. Tá com fome?
▬ Não, eu já jantei, apesar de ser estranho falar em jantar com esse Sol. Que horas são?
▬ Nove e meia da manhã. Não adianta nem tentar ligar pra ninguém no Brasil que o fuso horário agora é de cinco horas. Vem, vamos tomar um café.
***
▬ Cara, como é que você consegue se entender com essa gente? Eu não entendo bulhufas do que eles falam. Eu não sabia que ainda existiam bondes na Itália.
▬ Tram, se chama tram. Faz mais de doze anos que moro aqui e cedo ou tarde tinha que aprender a língua. O que você acha de comer alguma coisa quando sairmos do consulado?
▬ Sei lá, você decide. Tô ficando meio tonto com essa história, sonho, ou seja lá que confusão de dia estou vivendo.
▬ Você já me repetiu a mesma história três vezes e eu ainda não consigo entender como é possível que isso esteja acontecendo. Estou feliz por rever você, mas é uma situação muito estranha; parece coisa de cinema. Quem iria acreditar numa história dessa? Espera aqui que é a minha vez.
***
▬ Vamos comer uma massa ou você prefere outra coisa?
▬ Tanto faz, mas você paga. Acabei de lembrar que a minha carteira ficou em cima do criado mudo.
▬ É? E você acha que eles aceitam reais aqui?
▬ Putz! Que história estranha. Vamos comer logo que eu quero chegar na sua casa e ver as meninas e a Eloá antes que eu acorde.
▬ …! Acho que a essa hora o pessoal já acordou. Vamos ligar pro Brasil. …Alô, mãe? …Tudo bem? …Você sabe do Cecil? …Não, não aconteceu nada, eu só queria saber se está tudo bem e se você tem notícias do Cecil. Ahn, sim… Ok, eu ligo pra casa dele. …Beijos. …Sim, sim, aqui está tudo bem. Quer dizer, caminhando. …Vamos ver. Beijão.
▬ Alô, Graça? Sou eu, Allan. …Te acordei, tudo bem? …Como assim, “o Cecil sumiu”? Sumiu quando? …A que horas ele dormiu na poltrona? Ahn, sim… Já ligou pro Dawidson e pro Bruce? …Eles não sabem onde está o Cecil? …Se tiver alguma notícia dele, me liga. Lembra de verificar se os documentos dele estão por aí. Se sim, significa que ele está por perto, talvez tenha ido ao mercado. …Ah, ok, ok! Beijos, tchau.
▬ E aí…?
▬ Aí que você não está na sua casa; aí que a Graça acordou de madrugada e não sabe aonde você foi parar; aí que a sua carteira está em cima do criado mudo; aí que essa história começa a parecer um sonho e eu não sei o que fazer. Vamos pra casa e tentamos pensar com calma. Hoje é sexta-feira, 30 de Março de 2012; tenho certeza de que não estou sonhando e que ninguém vai acreditar que essas coisas podem acontecer na vida real.
▬ Claro que eu não estou em casa: estou aqui pô!
***
▬ Oi, Cecil!!! Quando você chegou? Porque não ligou pra gente antes?
▬ Oi, anjo. ‘Cê tá sempre bonitona, hein? Dá um abraço apertado que estava morrendo de saudades. As perguntas você faz pro Allan, que eu não vou aguentar explicar tudo de novo. Oi, meninas. Nossa, que sobrinhas lindas eu tenho!
▬ Oi, tio…
▬ Oi, tio…
▬ Allan, você vai contar pra gente essa surpresa ou vai ficar fazendo suspense?
▬ Acho melhor escrever; tudo isso é muito estranho. Hoje é sexta-feira, 30 de Março de 2012…
***
▬ Realmente é muito estranha, essa história. É melhor ligar pra Graça e pro pessoal avisando que o Cecil está aqui. Assim eles ficam mais tranquilos…
▬ E você acha que eles ficariam mais tranquilos sabendo que o Cecil desapareceu no Brasil e apareceu aqui, assim, sem explicação? Tem alguma câmara escondida? É alguma pegadinha…?
▬ Bom, pelo menos vão saber que ele está bem. Depois a gente descobre como o Cecil volta sem passaporte. Meninas, levem seu tio pra conhecer Piacenza, tomar um aperitivo. Mas antes é melhor deixar ele falar com a Graça pessoalmente. Dá o telefone aqui…
▬ Já estou ligando, ou tentando. É a terceira tentativa e os telefones só dão sinal de ocupado. Devem estar se telefonando.
▬ Todo mundo ao mesmo tempo? Melhor sairmos todos pra dar uma volta, esfriar a cabeça e tentar sair desse sonho coletivo. Vamos, a gente liga do celular.
***
▬ …Não precisa se incomodar, não, eu durmo no sofá.
▬ Espera aí que tem uns colchões no quarto das meninas…
▬ Ô meu, não adianta continuar tentando ligar. Amanhã a gente liga bem cedo, antes que o povo acorde e comece a telefonar.
▬ Boa noite!
***
▬ …Allan? O que você está fazendo aqui na sala com esse colchão? Vai dormir aqui?
▬ Cadê o Cecil?
▬ Deve estar na casa dele, ué! ‘Ce virou sonâmbulo?
▬ Que dia é hoje?
▬ Sábado, 31 de Março. Vem, tá muito tarde pra ficar batendo papo.
***
▬ Alô, Graça? Tudo bem? O Cecil ‘tá aí?
▬ …Cecil? Tudo bem? …Desculpa te acordar assim tão cedo. Me conta como foi seu dia ontem. O meu foi muito estranho e ninguém vai acreditar se eu contar.
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11 comments:
Adorei! Acho que vc ta precisando ir visitar o Cecil la no Brasil. mas "pelamor", leva o passaporte e a carteira.
Hehehe, que loucura! Até comecei a ficar preocupado na metade do post!!!
Todo mundo tem um dia de sonambulismo - hehehehe!
Um abraço
Léia
Ah..ele estava aí !!
ele sumiu a uns dois anos atrás....passamos 3 dias procurando dia e noite (hospitais, necrotério, etc..), sem achar, até que ele apareceu.
Disse que esteve internado no Hospital e se internou com outro nome, para não ser achado e não PREOCUPAR a todos.
MAIOR que o alívio, só a vontade de bater nele !!!
Temos que dar um jeito de ir para o Brasil, a coisa esta ficando estranha!!!!!!!! ^___^
tio, quantos irmãos vc tem? pq esses nomes estranhos, tio? onde eles moram? quando eles visitam vc? quantos anos eles tem? vcs brigam muito? que carta longa, tio.
pedroluis
Oi Allan, tudo bem?
Aqui qdo preciso fazer um novo passaporte,posso mandar tudo pelo correio para Frankfurt, pago a taxa no banco envio o recibo, preencho o formulário que pego na página do Consulado Brasileiro, assino e eles me mandam tudo pelo correio sem nenhum problema.
Confesso que estes é um dos teus contos mais confuso.
Nao deu pra saber se foi sonho, se o tal Cecil morreu no dia 30 e ai te baixou a saudade, se ele apareceu depois de muitos anos, se ele chegou e vc foi buscá-lo em Milao, essas coisas.
Contudo, contudo, espero que você e sua família estejam bem.
Abracos
Allan, fiquei feliz em saber que tudo está bem. Confesso que fiquei com um gosto meio amargo na boca com este teu texto.
Os ovos nao sao de chocolates, nao. Sao ovos cozidos e pintados depois.
O Daniel nao vai estar na Páscoa por aqui. Vai estar num Musical por lá, rs.
Menino só chega dia 14. Tantos dias sem vê-lo nós nunca ficamos. É a vida qdo eles crescem. Vc mais do que ninguém sabe disso.
Um grande abraco e um bela Páscoa.
Penso que talvez seria a hora de vc ir ao Brasil ver o teu irmao e outros parentes...
Abracos
Genial! Dalinianamente genial! Ou seria Felinianamente?...
Parceirinho, você deu um show!
O que?... Quer mandar um abraço pro Allan?... Desculpe, Allan, mas, o Cecil tá aqui do lado e não me deixa escrever com calma. Rssss
Meu carinho,
Anderson Fabiano
Pois é o trem e o metrô ajudam muito mesmo. Aqui nós não temos carro, o bonde pára em frente de casa e assim nos acomodamos. No Brasil tínhamos 2 carros. Feliz páscoa!
Faça desta páscoa, a tua páscoa. Faça desta ressurreição, tua ressurreição. Nunca se entregue, pois é somente a cada adversidade que poderemos vislumbrar uma nova oportunidade. (Ivan Teorilang)
BEIJOS
GENIAL!!!!!!!
abraçosssssssssssssss
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