Thursday, June 11, 2009

Aquela besta

Ele sai do banheiro com as mãos ainda úmidas, pega o controle remoto da tv, tira o som e se coloca entre a tv e os dois sofás. Com ar calmo – coisa incomum – olha a família que o aguarda para o almoço na mesa atrás do sofá e começa:

- Cena um: alguém vai ao banheiro e descobre que a tampa do vaso sanitário se soltou. “Eca!, que nojo! Agora vou ter que arrumar. Como será que se conserta isso? Ah…! Parece que é só desatarraxar esses parafusos de plástico, encaixar a tampa no vaso – Eca!, que nojo! – e atarraxar tudo no lugar. Nem é tão complicado assim. Eca!, que nojo! Vou aproveitar que está tudo desmontado e limpar o vaso e a tampa. Pronto! Ficou tudo limpo e no lugar. O próximo que entrar não terá que passar pela mesma experiência. Agora é só lavar as mãos e ir almoçar.”

Ele gesticula, faz mímica imitando a pessoa arrumando a tampa do vaso sanitário, faz cara de nojo – Eca! – e a família ri do teatro dele. O cunhado, fingindo estar concentrado no que lê no jornal, permanece imóvel no sofá [por que é que cunhado sempre combina com sofá?]. Ele segue em frente, ignorando o fato de eu estar em pé no meio da sala à espera de alguém que me tire dessa cena constrangedora. Divertida, mas constrangedora.

– Cena dois: alguém vai ao banheiro e descobre que a tampa do vaso sanitário se soltou. “Eca!, que nojo! Droga!, tinha que acontecer justo comigo?! Vou deixar tudo como estava e torcer pra que ninguém entre no banheiro agora. Daqui a pouco aquela besta vai chegar e cair na mesma armadilha que eu. Ele que conserte.”

A família dá gargalhadas, apesar dele não parecer estar se divertindo. O cunhado, uma estátua. Ele vai adiante no monólogo dele:

– …Aí, ‘aquela besta’ – e aponta para o peito – chega suado e correndo para almoçar. Vai ao banheiro fazer xixi e descobre que a tampa do vaso sanitário está solta, arrumadinha sobre o vaso como se estivesse tudo bem. ‘Aquela besta’ – e aponta novamente para o próprio peito – conformada, desatarraxa os parafusos de plástico, lava a tampa e o vaso, encaixa tudo no lugar, atarraxa os parafusos e deixa a tampa do vaso consertada. Lava as mãos e vai, puto da vida, almoçar com a família que já está na mesa. Que versão vocês acham que corresponde à realidade?

A família se contorce de rir. Todos me ignoram, como se eu não estivesse ali. O problema é que eu estou ali, no centro da sala e da cena, parado como um poste ou um dois de paus. Ele dá um tapa no jornal dele que o cunhado está lendo. O cunhado, sem mover a cabeça, levanta os olhos sem nenhuma reação; o jornal vai parar do outro lado do sofá. Sem alterar a voz, ele olha para mim e diz:

– Vam’bora almoçar na trattoria. Eu pago. Se quiser, pode fazer xixi e lavar as mãos aqui, que eu já consertei a tampa do vaso sanitário.

12 comments:

RaiMara said...

mto boa ! adorei...

maray said...

noto uma certa picuinha com cunhados...espero que a sra. carta de itália não tenha irmãos, ou vc vai ter que dar algumas explicações :)

Julio Cesar Corrêa said...

kkkkkk. Tem UM GRANDE AMIGO MEU que passou por situação semelhante. Juro que não fui eu. Imagine! Eu arregaçaria as mangas e daria um jeito na tampa com o peito estufado. Sou corajoso. Só mingo um pouco.
gd abraço

Marco Antônio said...

Eu ficaria "puto" por ninguém ter me avisado do problema antes. Lavaria minha mão, almoçaria, descansaria um pouco e depois iria lá arrumar... Mas em se tratando de realidade, acho que infelizmente o segundo combina mais com a realidade. Grande abraço

Anonymous said...

Humor italiano? Bom, muito bom, como sempre.
Manoel Carlos

Anonymous said...

Cunhados ...

Bjs.
Elvira

Segunda impressão said...

Ih, sobrou para o cunhado, literalmente! Rs. A segunda versão combina mais com a realidade. Hora do almoço, né!;-)

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ said...

Ninguém merece, eu teria ficado "p" da vida.

Boa semana Allan

Yvonne said...

Oi querido, tudo bem? Passei por aqui para matar as saudades. Eu também teria ficado muito fula da vida. Essa foi phodástica mesmo.
Mil beijocas

Leonardo Schabbach said...

Muito bom o texto. Boas pitadas de humor jogadas dentro da narração. Acompanharei o blog!

E só para avisar, para evitar qualquer problema, coloquei um link do seu blog lá no meu. Se quiser que eu retire é só avisar.

Leonardo Schabbach said...

Muito bom o texto. Boas pitadas de humor jogadas dentro da narração. Acompanharei o blog!

E só para avisar, para evitar qualquer problema, coloquei um link do seu blog lá no meu. Se quiser que eu retire é só avisar.

Claudio Costa said...

Será que você instalou uma câmera secreta aqui em casa e agora espalha essa história pelo mundo? heeheheh