Wednesday, January 28, 2009

O Caso Battisti

Levantar vagarosamente as sobrancelhas e os ombros, desviando o olhar para baixo. Assumir momentaneamente uma expressão idiota e deixar escapar – quase um sussurro – um “sei lá!” (em italiano seria “Bôh!”). Essa é uma estratégia para evitar polêmicas, quando percebo que uma se aproxima. Serve, também, para fugir de constrangimentos e longas discussões com que não deseja opiniões alheias, mas apenas encontrar alguém que avalize as suas.

A imprensa italiana tem nos bombardeado diariamente com opiniões sobre o caso Battisti. Políticos, jornalistas, artistas e as pessoas comuns: todos têm algo a dizer sobre como o governo brasileiro se equivocou ao conceder a Cesare Battisti o status de refugiado político. O ministro italiano das Relações Exteriores convocou o embaixador italiano no Brasil para consulta, o que equivale à suspensão, ainda que temporária, das relações diplomáticas entre os dois países.

Quando, em 2007, a Itália negou a extradição de Salvatore Cacciola, condenado no Brasil pelas estripulias financeiras do Banco Marka, um dos argumentos usados foi o desrespeito aos direitos humanos dos cárceres brasileiros. Alguns amigos advogados italianos me garantiram que as penitenciárias brasileiras não podem ser piores que as italianas. À época, o embaixador brasileiro na Itália permaneceu em Roma e as autoridades brasileiras engoliram o sapo caladas. Com Cacciola preso em solo monegasco e sucessivamente deportado, o governo italiano suspirou aliviado, mas tudo indica que o Itamaraty ficou à espera de uma oportunidade para retribuir a cortesia. Chumbo trocado não dói, diz-se. O que teria acontecido se Cacciola fosse disposto a viver sossegado em uma área que corresponde à metade do estado da Bahia, como é a Itália? Curioso como não ouvi ou li qualquer comentário à negada extradição de Cacciola na imprensa italiana.

O jornal local informou que o curriculum criminal de Cesare Battisti antecede a sua militância política e que teria sido na cadeia, onde cumpria pena de seis anos por roubo, que Battisti teria conhecido aqueles que seriam os mentores da sua conversão à esquerda extremista italiana. Foi um dos ex-companheiros, arrependido – por que se “arrepender” promove um enorme desconto de pena – quem denunciou Battisti, foragido da justiça, como sendo o autor de quatro homicídios. Cesare Battisti sempre negou, mas as cadeias abrigam mais pessoas que se declaram inocentes que réus confessos.

O Brasil sabia muito bem o quanto fosse importante para a Itália deixar Cesare Battisti apodrecer em uma cadeia italiana. Na melhor das hipóteses, creio que as autoridades brasileiras irão esperar que os crimes pelos quais Battisti foi condenado à prisão perpétua caduquem, o que, segundo as leias brasileiras, deve acontecer em abril deste ano, quando o último homicídio completará 30 anos. Naquele momento, Tarso Genro poderá declarar-se arrependido e negar a Battisti o asilo político, mas ele já não seria deportado, como aconteceu com Ronald Biggs. Inútil considerar a incoerência da diplomacia brasileira, que negou o mesmo asilo político aos atletas cubanos que abandonaram a delegação de Havana durante os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio. Ao contrário, agiram rapidamente na deportação dos mesmos, quando qualquer um teria concordado em asilar os cubanos. Faltou o mesmo rigor na hora de conceder o benefício a Battisti, ou houve apenas um gesto de cortesia extrema ao camarada Fidel?

Por outro lado, me incomoda a pressão italiana para reaver Cesare Battisti. Onde estavam essas autoridades durante os 14 anos em que Battisti viveu na França sob a tutela da Doutrina Mitterrand? Sequer é uma lei, a tal doutrina. Trata-se de uma praxe das autoridades francesas após uma declaração do presidente francês em 1985. A partir de então, a França negou a extradição de qualquer pessoa condenada, em especial italianos, procurados por “atos de natureza violenta, mas de inspiração política.” Ou seja, a França acreditava que também a Itália não era um país sério. Somente em 2004, após uma série de tratados europeus e sob pressão de Bruxelas, a França informou que avaliava uma possível extradição de Battisti. Tal declaração, diante de jornalistas, foi expressa com Cesare Battisti circulando livremente pelos cafés franceses. Os entrevistados de hoje afirmam que a França facilitou a fuga de Battisti para o Brasil. No entanto, o embaixador italiano na França permaneceu sempre em Paris, mesmo durante o período em que Battisti viveu e se transformou em escritor de sucesso por lá.

Tudo muito confuso e infantil. Difícil conhecer toda a verdade por trás das verdades e a expressão de idiota dos muitos “sei lás!” e “Bôhs!” corre o risco de se tornar permanente.


Post Scriptum

1) O leitor Helion fez a seguinte observação:
"Só quero fazer uma observação: não é verdade que a diplomacia brasileira tenha negado asilo político aos atletas cubanos (pugilistas) que abandonaram a delegação de Havana durante os Jogos Pan-Americanos de 2007. Não negou porque eles jamais chegaram a pedir asilo. Caso tivessem pedido formalmente, o seu caso teria de ter sido analisado pelo governo brasileiro, já que o país é signatário da Convenção de Genebra, que garante esse direito ao requerente de asilo.

Outros dois atletas cubanos, um jogador de handebol e mais outro, pediram asilo e o obtiveram.
Imagina-se que os dois primeiros, os deportados, devem ter sofrido pressões do governo cubano. É bem provável. Também existe a história do envolvimento da polícia brasileira, mal contada, como mal contada foi igualmente a história do empresário alemão, conhecido negociador internacional de passes de atletas, que os incentivou a desertar a delegação cubana no PAN, ao que parece prometendo mundos e fundos e levando-os para uma casa na praia, enchendo-os de bebida e mulheres. Foi aí que os policiais apareceram.

Talvez nunca se saiba exatamente o que aconteceu com os dois cubanos deportados. Eles declararam que desejavam voltar para Cuba, e não permitir que voltassem geraria um incidente diplomático internacional, tipo Elian González, o garoto cubano retido na Flórida. Talvez tenha faltado orientação aos cubanos, e condições de tranqüilidade para que pudessem optar pelo pedido de asilo, sem pressões. Porém, o que eles declaravam era que tinham uma oferta de emprego pelo tal alemão, e isso não justificaria um pedido de asilo. Nem nos EUA eles seriam aceitos como refugiados com esse argumento."

2) Acontece, às vezes, de um leitor deixar um comentário que deve receber uma resposta mas o seu perfil não é acessível. Alguém aí saberia me ensinar como verificar o e-mail dos leitores que comentam? Grazie. :)

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Correção

Informa o Dr. Dawidson P. J., um dos meus irmãos, advogado.:
"A- O prazo de prescrição no Brasil é de 20 anos e não 30. Portanto, em tese, os crimes cometidos por Battisti estariam prescritos pelas leis brasileiras.

B - O Brasil, assim como vários outros países, não aceita deportar alguém para cumprir pena inexistente aqui. E não existe prisão perpétua no Brasil. A pena deve ser comutata."

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Atualização

O argumento deste post foi atualizado em 11 de Janeiro de 2011.

Clique AQUI.

17 comments:

Anonymous said...

Bon giorno caríssimo, confesso que esse assunto não me agrada. Mas não gostei da atitude do Brasil, justamente por perceber que se tratou de um troco. É que eu acho que são nessas horas que se deve aparecer a superioridade. Fica aquela sensação de você fez, eu também faço. Doeu aqui, dói aí.
Prisão no Brasil é coisa apenas para quem não tem dinheiro e na Itália não é assim tão diferente. Sabemos disso...
Bem, enfim, esse assunto precisa de pizza, como tantos outros. E acho que os dois lados conhecem bem os seus sabores...
Abraços meus

Unknown said...

Olá, Allan Robert
estive procurando sobre "direitos autorais na Itália" e vim parar no seu blog. Até onde li percebi que você possui algumas informações sobre esse tema, e essas informações podem ser muito úteis para mim. Trabalho com roteiro para cinema e quero adaptar para longa-metragem o conto de um escritor italiano pouco conhecido aqui no Brasil, morreu em 1956. Você poderia me dizer um e-mail para eu entrar em contato contigo?
Obrigada! Grande abraço,
Narjara

Allan Robert P. J. said...

Narjara,
Infelizmente o seu perfil está bloqueado e não tive acesso ao seu e-mail. Terei prazer em responder às suas perguntas. Meu e-mail é:
allanrpjARROBAgmail.com

Anonymous said...

O Brasil está correto em manter suas decisões, tem que impor respeito mesmo! pq não mexeram com a França? quanto aos crimes cometidos por Battisti é um caso complicado mas, pq não nos mandaram o Cacciola? Chumbo trocado não dói mesmo. E em caso de leis racistas contra brasileiros na Itália podemos aqui no Brasil fazer o mesmo também com os Italianos.

Anonymous said...

Allna gostei do teu post, vou mandar o link para meu marido refrescar a memoria.
Bjs

Anonymous said...

Excelente o post sobre esse caso "incomodo" rsrsrs Foi muito elucidativo pra clarear minhas idéias a respeito, que estavam um pouco confusas. Eu nao 'tava entendendo direito as posiçoes de cada pais, na verdade 'tava achando essa historia meio surreal, parecendo briguinha de comadres (ou compadres rsrsrs). E nao é que nao seja, no fundo no fundo as coisas no "macro" funcionam de modo muito parecido ao "micro". Ainda nao sei dizer a quem pertence a razao. Mas minha intuiçao me diz que nao existe razao nesse caso, e que tudo se resolvera por si. Sei la. Bohhh!

Lilica said...

Allan!

Eu também respondo com um "Boh" quando as linguas agressivas me interpelam para perguntar porque o Lula fez isso.
No inicio eu citava o caso Cacciola (quem? ai eu explicava e tal. Dai diziam que o Cacciola nao tinha matado ninguém!!!!), agora eu so respondo Boh.
Acho que houve sim uma retaliaçao por conta do Cacciola, mas acho tb que tem a ver com o fato da esquerda no poder no Brasil. Pega muito mal pra esquerda mandar refugiados politicos pra prisao perpetua.
Tb achei exagerado demais a retirado do embaixador italiano do Brasil. Contra a França, o que foi feito? Niente...
Enfim.
Um beijo e a espera do nosso famoso café qdo vc vier pra estas bandas de ca!

Helion said...

Caro Allan, gostei da forma ponderada como abordou o tema. Aliás, acompanho atentamente o seu blog.

Só quero fazer uma observação: não é verdade que a diplomacia brasileira tenha negado asilo político aos atletas cubanos (pugilistas) que abandonaram a delegação de Havana durante os Jogos Pan-Americanos de 2007. Não negou porque eles jamais chegaram a pedir asilo. Caso tivessem pedido formalmente, o seu caso teria de ter sido analisado pelo governo brasileiro, já que o país é signatário da Convenção de Genebra, que garante esse direito ao requerente de asilo.

Outros dois atletas cubanos, um jogador de handebol e mais outro, pediram asilo e o obtiveram.
Imagina-se que os dois primeiros, os deportados, devem ter sofrido pressões do governo cubano. É bem provável. Também existe a história do envolvimento da polícia brasileira, mal contada, como mal contada foi igualmente a história do empresário alemão, conhecido negociador internacional de passes de atletas, que os incentivou a desertar a delegação cubana no PAN, ao que parece prometendo mundos e fundos e levando-os para uma casa na praia, enchendo-os de bebida e mulheres. Foi aí que os policiais apareceram.

Talvez nunca se saiba exatamente o que aconteceu com os dois cubanos deportados. Eles declararam que desejavam voltar para Cuba, e não permitir que voltassem geraria um incidente diplomático internacional, tipo Elian González, o garoto cubano retido na Flórida. Talvez tenha faltado orientação aos cubanos, e condições de tranqüilidade para que pudessem optar pelo pedido de asilo, sem pressões. Porém, o que eles declaravam era que tinham uma oferta de emprego pelo tal alemão, e isso não justificaria um pedido de asilo. Nem nos EUA eles seriam aceitos como refugiados com esse argumento.

Finalizando: não tem como comparar com o Battisti, que pediu asilo, formalmente, alegando perseguição política e risco de vida. Ainda que consideremos que a alegação não se sustenta, o fato de ele ter pedido asilo o coloca numa situação muito diferente da dos dois cubanos.

Abraço,

Helion

e. s. said...

O ministro Tarso Genro respondeu ao blog do Merval Pereira comentando o caso dos boxeadores cubanos e de outros refugiados políticos no Brasil (inclusive os músicos que se apresentam regularmente aqui em Recife), desmontando algumas "versões" desencontradas.

No "blog do Mello", trechos e comentários:

http://blogdomello.blogspot.com/2009/01/tarso-genro-corrige-merval-boxeadores.html

Unknown said...

Gostei, comecei a entender melhor esse caso...já vi na tv, mas ainda não tinha compreendido muito bem. Sobre Bragança estive apenas uma vez. Bjks

Anonymous said...

O Tarso abrigou um condenado internacional sob a alegação de falha processual, tecnicamente o ato está correto, só que fico imaginando quantos estão presos no Brasil por falhas processuais grosseiras, ou que já cumpriram suas penas, mas também de forma falha, não foram postos em liberdade. Mas há quem diga que o ato foi para agradar sua filha que é 'miguxa' do terrorista.
É um caso para questionamentos, já que os mesmos que querem a extradição de Battisti para que pague por seus possíveis crimes políticos e não comum, são os mesmos que não querem nem pensar que os militares que mataram e sumiram com os corpos de muitos militantes durante a ditadura militar sejam julgados e condenados, não é mesmo?

Allan, o sistema de comentários do blogger é ruim por causa disso, permite que os que possuem perfil no blogger comentem como anônimos. Também não deixa visível endereço de e-mail e ip dos comentaristas, coisa que o haloscan faz perfeitamente.

Beijus

Dentro da Bota said...

Espero que se resolve da melhor maneira para as duas naçoes....
Com certeza é um assunto muito polemico e dificil...
otimo texto...
Abraços,
Gi

Leila Silva said...

Allan,
Aqui também tem se falado muito no caso (acho que vc sabe que estou no Brasil) e seu post até que foi esclarecedor. Eu já tinha mesmo me perguntado pq não fizeram tanto alarde na época do Miterrand...
Gostei também da explicação do seu leitor sobre os atletas cubanos.
Abraço

celecelestino said...

Ciao ,secondo me dovresti comunque cercare di dire le cose come le hai scritte qui sul blog ,chiaro , prima tentando di capire con chi hai a che afre , se é come tu dici " voglion solo sentir confermare la propria tesi " allora , meglio lasciar perdere.
Peró prova a chiedere : " se un cittadino Usa o China ( 2 paesi a caso dove si applica la pena di morte )ricercato per omicidio fosse arrestato in Italia , non credo lo estraderebbero , che da noi la pena di morte non esiste , in Brasil , l' ergastolo non c' é

.../.. said...

Ultimamente é melhor mesmo dizer "boh" prá tudo.
B(oh)eijos

Anonymous said...

Allan

02 (duas) correções: A- O prazo de Prescrição no Brasil é de 20 anos; e não 30. Portanto, os crimes, em tese, cometidos por Battisti, estariam prescritos pelas leis Brasileiras.

B - O Brasil, (assim como varios outros Países), não aceita deportar alguem para cumprir Pena Inexistente aqui. E, não existe Prisão Perpétua no Brasil.

Agora, o fato de Battisti ter como advogado o (Petista) Luis Eduardo Greenhalgh, tenha pesado na celere "Decisão Politica" de conceder Asilo, é inquestionável.

Segunda impressão said...

Excelente post! Muito interessante mesmo...Tive uma visão mais ampliada do caso. Bem lembrado o caso Salvatore Cacciola e o refúgiu anterior ao Brasil de Cesare Battisti.