Friday, February 10, 2006

Aê, ô ô

Caros e Caras,

Paz e saúde!

Escreve-se calcio, mas lê-se “caltchio” com o “L” torcendo a língua e o “CI” como em tchau (ciao). Trata-se do esporte nacional, desbancando até o ciclismo. Suscita paixões, ódios e muito pouca indiferença. São cinquenta e oito milhões de técnicos. Brigas nos estádios, calendário apertado, federação desacreditada e desorganizada, árbitros e técnicos pagando o pato e a imprensa criticando enquanto aproveita para vender jornais e espaços publicitários. Assim como o nosso, o futebol italiano está em crise. Muitas são as teorias, inclusive as minhas.

Futebol de salão é uma novidade pouco apreciada por aqui. Quadras onde se possa praticá-lo, idem. Isso apesar de todo vilarejo ter o próprio ginásio coberto e aquecido, para basket e vôlei. É no futebol de salão que a molecada brasileira se desenvolve e aprende os dribles que enlouquecem a Europa. Outra coisa: jogar bola na hora do almoço ou pelas ruas, nem pensar. O pior é a tática dominante no futebol italiano que inverteu a filosofia do esporte: aqui não vence quem faz mais gol, mas quem toma menos.

Conclusão da minha teoria: Com tão pouco investimento nas categorias de base, com os poucos espaços para uma pelada espontânea (baba, em baianês) e com a definitiva invasão de profissionais estrangeiros, fica quase impossível formar uma nova geração de jogadores italianos. Nos grandes times a maioria dos atletas titulares são estrangeiros. O resultado é uma enorme dificuldade em formar uma seleção italiana com jogadores de qualidade e que sejam titulares em seus clubes.

Por falta de opções, vez ou outra utiliza-se a colaboração de oriundos de outras plagas, como é o caso atual do argentino Camoranesi. Mas esse é um hábito antigo, da época do nosso Mazzola, campeão em 1958 com Pelé e Cia., mas que aqui utilizou seu próprio nome, José Altafini, em respeito a um seu contemporâneo, o verdadeiro Mazzola.

Outra coisa que o diferencia do nosso futebol é a inexistência de campeonatos regionais. Com uma área menor que muitos estados brasileiros, não faria sentido promover um campeonato com times de qualidade técnica tão heterogênea apenas para economizar viagens. A quantidade de times, como se pode imaginar, também é muito inferior.

Os jogadores de futebol são seguidos, perseguidos, sondados, entrevistados, vasculhados nas suas intimidades; flagrados, fotografados e vítimas de fofocas nem sempre infundadas. São, também, mercadoria para inflar os preços das ações dos times que os negociam. Em uma semana, um jogador pode ser comprado e vendido por três, quatro times, dando-se o tempo necessário para que a imprensa divulgue a transação e ser vendido novamente. Muitos times possuem até quarenta jogadores, que emprestam a outros times, livrando-se do salário mas mantendo o investimento.

Os técnicos são tratados como VIPs dentro do campo. Os jogadores se referem a eles comoMister”. Assim, em inglês. Montam o time segundo o esquema tático desenhado por eles e pouco se importam se aquele jogador famoso custa um salário absurdo ao clube: se não se enquadrar no esquema do técnico, fica no banco. Por contrato, todo técnico e jogador são obrigados a participar de uma coletiva de imprensa, que ocorre logo após o final da partida (e do banho dos atletas, é óbvio!). O presidente do clube, ou um seu representante escolhe um ou dois jogadores e se apresenta na sala de imprensa com a equipe técnica. Os jogadores evitam sorrir, mas é compreensível: os mesmos jornalistas que fazem perguntas técnicas naquele momento, os perseguem e importunam durante as tão esperadas férias de verão.

As transmissões são um caso de polícia. As distâncias são relativamente curtas e a possibilidade de assistir um jogo ao vivo é muito maior que no Brasil, mas a comodidade de assisti-lo pela Tv, com replay em câmera lenta, cerveja e tira-gosto certamente esvaziaria os estádios. Principalmente no inverno. Para preservar a venda de ingressos, os jogos do campeonato nacional não são transmitidas pela Tv. Quer dizer, são, mas você não . Os canais que os transmitem convidam um punhado de comentaristas que assiste o jogo ao vivo nos estúdios e comenta o desenrolar da partida. E você ali, assistindo os comentaristas que assistem o jogo. Ou pode assistir pela Tv paga. Ou sair para jantar.

Um capítulo extra são os torcedores. Vão para a frente do clube e param os jogadores para interpelar-lhes sobre um comportamento que consideram inadequado, como não comemorar espalhafatosamente um gol. Interferem na vida do time sem que o clube se oponha e demonstram suas opiniões através de faixas exibidas no estádio durante os jogos. Algumas com expressões racistas.

Meu primeiro contato com uma operação de guerra: a Juventus veio jogar com o Piacenza. No dia do jogo, a polícia tomou conta do estádio e da estação de trem. A praça da estação foi bloqueada e havia quatro ônibus estacionados. Os ônibus tinham grades no lugar das janelas. Paro para olhar sem lembrar do jogo e fico aguardando o que imagino ser o transferimento de prisioneiros de algum campo de concentração. O trem chegou com um vagão também com grades, escoltado por um exército de policiais que conduziram os passageiros daquele vagão até os ônibus. Pára o tráfego. Sirenes ligadas, motos, viaturas, cães e policiais com bombas de gás formavam o cortejo. No meio, os quatro ônibus. Os torcedores lançavam pelas grades algumas bandeiras, copos descartáveis, isqueiros, bitucas de cigarro, papel higiênico, cuspe e gestos obscenos. Caso ficassem descontentes com o resultado da partida, teriam agredido até os policiais.

Quer saber, no fundo a tv a cabo nem custa tão caro assim. Me passa a pipoca.

Ciao.

8 comments:

Anonymous said...

Lembro das partidas Roma X Lazio e os torcedores fanáticos... Nunca liguei muito, mas de vez em quando jogava o totocalcio mesmo sem entender nada, rs. Uma vez fizemos 12 pontos e ganhamos um dinheirinho. Nem preciso dizer que chutava todos os resultados, né? Obrigada pela visita, Bjos. Pat

Anonymous said...

Lembro das partidas Roma X Lazio e os torcedores fanáticos... Nunca liguei muito, mas de vez em quando jogava o totocalcio mesmo sem entender nada, rs. Uma vez fizemos 12 pontos e ganhamos um dinheirinho. Nem preciso dizer que chutava todos os resultados, né? Obrigada pela visita, Bjos. Pat

Anonymous said...

Allan, que post gostoso de ler..E sabe de uma coisa, via o Josè Altafine la no Quello che il calcio e dizia a meu amrido, quem è este? Agora voce me esclareceu ele è o Mazzola..
hehhe

Anonymous said...

Não sei se estou certo, mas penso que, na "tradução" para o português do Brasil, os nomes de clubes italianos deveriam - todos ou quase todos - ser antecedidos do artigo "o" e não de "a". O gênero é preponderantemente feminino na Itália, mas no Brasil ocorre o contrário. Acho estranho quando leio ou ouço "a Roma", "a Juventus", "a Lazio" etc., quando no Brasil, salvo poucas exceções, o que dizemos é "o Fortaleza", "o Santa Cruz", "o América", "o Friburguense", "o Olaria", "o Fluminense", "o Juventude", "o Vitória" etc.

José Luiz C. Fernandes

Anonymous said...

Os italianos conseguem ser muito mais exagerados que nós! Essa operação de guerra na chegada do time. Seus posts vão revelando, aos poucos, a alma do país e é isso que me atrai mais aqui.
Muito engraçado o comentário da Denise. Superbowl é a final desse futebol americano. Tudo pára, a cidade morre, como nos nossos jogos da Copa. Os homens aqui da minha família assistem TODOS os jogos da temporada, alguns vestidos com o uniforme do RedSkins. Yea, paciência. :)

Luiz Afonso Alencastre Escosteguy said...

E mesmo assim eles ainda conseguem incomodar nas copas. Vá entender... abração

Luiz Afonso Alencastre Escosteguy said...

E mesmo assim eles ainda conseguem incomodar nas copas. Vá entender... abração

Leila Silva said...

Sem dúvida muito melhor na tv...Bom, minha paciência com esporte na verdade é curtíssima, até mesmo na tv.
Beijos
Leila