Wednesday, June 15, 2005

Queijos E Vinhos

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Quem nunca comeu queijo com goiabada levante o dedo lambuzado. Carlo Petrini, fundador e presidente da entidade Slow Food, é uma daquelas pessoas que acreditamos só existir nos filmes. Para defender tradições culinárias, conversa com pessoas tão diversas quanto o príncipe da Inglaterra em seu castelo e pastores no interior da China, produtores de queijo de leite de iaque. Trata-se de um progressista que acredita num estilo de vida menos estressante, mas nem por isso passiva ou somente contemplativa, onde a importância não está apenas no resultado final do que se põe à mesa, mas no ritual das tradições encontradas em todo o percurso, do campo ao prato.

Aluno aplicado, por obrigação do ofício e prazer, vou desenvolvendo uma afinada capacidade como provador de queijos italianos. Não apenas os produtos DOP (Denominação de Origem Protegida), mas também os queijos regionais, de produção artesanal e consumo restrito a pequenas localidades. E, acreditem, existem muitos tesouros a serem garimpados por toda a península italiana. De nada adiantaria citar nomes de produtos que jamais serão encontrados no mercado brasileiro, mas a idéia do queijo com goiabada mostra um caminho a ser percorrido.

Quando no Brasil, participei de algumas noites de queijos e vinhos, onde todos se empanturravam de dezenas de queijos diferentes e se embriagavam de vinhos nem sempre de qualidade. Meus professores e tutores provavelmente teriam uma crise histérica digestiva, caso se deparassem com uma daquelas mesas. Eles aconselham, enfaticamente, um máximo de quatro tipos de queijos. O que não encurta o programa entre amigos.

Escolha quatro tipos de queijos com características muito diferentes, como uma mozzarella de búfala, um queijo de cabra suave, um pecorino maturado e um último queijo com sabor decididamente mais forte, como um Bito. Na impossibilidade do pecorino e do Bito, substitua-os por um queijo de Minas bem curado e um pedaço de Grana Padano. Mas não restrinja a lista, o importante é a seqüência. Não encontra a mozzarella de búfala? Substitua-a por algo muito suave. Torce o nariz para queijos de cabra? Experimente com camembert ou brie. Também não tenha medo de incluir um Stilton, um Roquefort ou um Gorgonzola, mas tenha o cuidado de deixá-los por último. Ou seja, os de sabor mais delicado devem ser servidos primeiro e os mais marcantes, por último. E não me perguntem sobre vinhos. Estou me tornando conhecedor de queijos, o vinho fica por conta dos amigos enólogos. Que alguém se faça presente.

Um queijo pode e deve ser degustado como se degusta um vinho, desde que ambos sejam de qualidade. Aliás, o processo de degustação aproveita as mesmas expressões em ambos os produtos. O ideal seria ter a forma inteira do queijo, mas se você não estiver interessado em tornar-se um provador de queijos, pode contentar-se com apenas um pedaço dele. Caso esse pedaço se encontre em uma embalagem a vácuo, retire-o da embalagem original, enrole-o em uma folha de papel manteiga ou papel forno e deixe-o na parte menos fria da geladeira por pelo menos um dia, para perder o cheiro e sabor do plástico. Da mesma forma, deve ser retirado da geladeira uma hora antes de ser consumido.

Prove o queijo servido em fatias que contenham todas as informações, com um pedaço da crosta (caso haja), para realçar as diferenças entre as diversas partes do produto. Antes de levá-lo à boca, procure descrevê-lo através dos aspectos visíveis, descobrir perfumes que serão confirmados – ou não – e discuta-os com os amigos. Uma vez saboreado, analise a textura, consistência, as referências gustativas iniciais que desaparecem e o sabor residual uma vez deglutido. Reconhecida a qualidade e analisadas as características, insista no queijo, dessa vez com o vinho. Tenha um pequeno arsenal de geleias, mel de diversas flores e até uma garrafa de Sambuca ou Arak.

Com exceção da mozzarella de búfala, que tem um sabor extremamente delicado (ou de uma burrata pugliese, por exemplo), não tenha receio de ousar e, por exemplo, servir-se de uma fatia daquele queijo de cabra com um anel de mofo cremoso, com uma colher de geleia de laranja e um fio de Sambuca por cima. Mas lembre-se de parar antes de se empanturrar: os outros estarão olhando. E é claro que se o queijo levar um pouco de geleia ou mel, o vinho também muda. Um Passito ou um outro vinho licoroso é ideal nessas situações. Repita a operação degustativa com cada queijo e você verá que a noite pode tornar-se traiçoeiramente curta.

Mas você estava esperando uma lista definitiva? Desculpe. Não existe. Poderia sugerir algumas seqüências extremamente pessoais, mas seria difícil achar, no Brasil, produtos como o Caccicavallo Silano DOP, produzido na Calábria, um Pecorino della Garfagnanna (Toscana), um Caprino di Cavalese (Trentino Alto Adige), uma Paglierina (Piemonte), um Ragusano DOP (Sicília) que está entre os meus preferidos, ou mesmo o famoso Bra d’alpeggio DOP, produzido na região de montanha da província de Cuneo, em Piemonte. Uma noite de queijos e vinhos deve servir para descobrir novos sabores. Portanto, não deve existir uma lista fixa. Apenas o prazer da busca. E não tenha dúvida: uma fatia de queijo Minas meia-cura com goiabada é muito chique. Carlo Petrini um dia descobrirá essa nossa tradição e irá lutar pela sua preservação.

Ciao.

8 comments:

Lucia Malla said...

Hmmmm... esse post me deu uma vontade danada de comer um desses queijos de vilinha pequenininhas da Itália... hmmm....

Nora Borges said...

Salivei...queijo de cabra com geleia de laranja amarga...Aff!

Claudio Costa said...

Allan, seja benvindo ao Brasil, apesar dos Jeffersons, Mensalões e quejandos... por falar nisso, ah! tô aqui sonhando com queijos e goiabadas cascão. Venha a Belo Horizonte que te levaremos ao Mercado Central, onde há os melhores queijos da Serra da Canastra (queijo canastra) e as melhores goiabadas... tem também cerveja gelada com carne acebolada na chapa + jiló grelhado (o que, prá mim, deveria ser patrimônio cultural da humanidade!

Anonymous said...

Adorei as informações. Estou enviando o texto para meus amigos enófilos.
Realmente aqui no Rio houve uma época em que era moda fazer uma noite de queijos e vinhos. E a quantidade sempre ganhava da qualidade.

Luiz Afonso Alencastre Escosteguy said...

Trabalhei três anos em uma indústria de laticínios. Aqui no RS (na serra) temos bons queijos, mas pelo jeito nada comparável aos que descreves, abs.

Golb said...

Mas que baita vontade me deu de provar esses queijos...

Até o momento meus queijos preferidos são o gorgonzola dolce (que é DOP, se não me engano) e o português Serra da Estrela.

Golb said...

Ah, e tomara que o Carlos Petrini não seja apresentado ao Catupiry. Pra mim, nada substitui o queijo minas no casamento com a goiabada...

Anonymous said...

oie!!! mto legal esse texto....recentemente estive na Italia para realizar um estagio na area de alticínios e o seu texto me levou de volta aqueles lugares lindos e únicos....estou montando um seminario sobre a viajem e gostei de mtas coisas que vc esccreveu....