Thursday, April 28, 2005

A Agressão Das Tulipas

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Salvador, Bahia. Uma noite qualquer de Agosto. Dois amigos conversam:
- Rapaz, tá frio…
- E mesmo! E aí...?
- Uma cervejinha…?
- Vamonessa meu rei! Mas, gelada, hein…?

Meus amigos italianos sempre dizem: “o bom de viver num país tropical é poder imaginar a neve como uma coisa romântica”. Uma estação de esqui é produzida para receber hóspedes e provocar neles aquela sensação de conforto que só o cinema consegue transmitir. Fora dali e com exceção dos esquiadores na “semana branca” (semana de férias nas montanhas, na neve) e de nós, estrangeiros, será difícil encontrar algum italiano que realmente goste de neve. Quer dizer, sabemos de quinze pessoas, mas estão sob tratamento e os médicos têm esperanças. Os outros, não se cansam de afirmar que a neve provoca uma forte emoção em dois momentos: quando chega e quando vai embora. Ou, como se diz por essas bandas, deveria ser uma visita (“visita é como morto: no terceiro dia começa a feder”). O único lado positivo que conseguem enxergar é o renascimento das coisas com o fim do inverno.

Como me falta a endocultura da neve, me divirto e observo as mutações. Nas ruas, as roupas começam a ganhar novas cores. Os casacos pesados e escuros voltam para o fundo dos armários e as lojas exibem nas vitrines a moda que as pessoas começam freneticamente a comprar. A Caritas (lê-se Cáritas) fica entupida com a roupa de inverno doada. Até o humor das pessoas se transforma e o bom-dia da balconista do café já me parece ser espontâneo. As pessoas já se aventuram, timidamente, a retirar as bicicletas do porão.

A maior mudança está no ar. Sente-se a nova estação como uma sensação qualquer (frio ou fome, por exemplo) e os olhos captam todos os sinais do novo clima. A árvore seca começa a dar sinais do verde que em breve a cobrirá; o que era um pedaço de terra cinza já está coberto por uma grama verde nova e pequenas flores brancas ou amarelas, formando verdadeiros tapetes coloridos. As tulipas, com suas cores em tons idênticos que chegam a parecer sintéticas, tomam conta dos jardins e praças públicas, reinando ainda sozinhas num anúncio do que está por vir. São iguais na forma, cor e tamanho e invadem também os pequenos quintais das casas, onde antes tinha a neve.

Pieguices à parte, é realmente impressionante o espetáculo! As tulipas só florescem uma vez por ano, por poucos dias e todas ao mesmo tempo (ainda faz frio!). O resto do ano o bulbo descansa e economiza as forças sob a sombra de alguma outra planta, que neste período ainda não saiu da letargia invernal e permite que a tulipa capte todas as atenções. A mesma letargia que atinge o ânimo das pessoas. Mas um frenesí já ameaça despontar...

Com a chegada da primavera começa-se a pensar no verão. E nas férias de verão, que não duram mais de quinze dias, pois o verão é curto e as férias são divididas em semanas. Um trabalhador acumula 2,6 dias de férias por mês e, no momento em que completa uma semana de férias, pode gozá-la. Como a prioridade das férias de verão vai para os que possuem mais férias acumuladas e os mais antigos na empresa, ninguém espera muito para fazer uma semana no Caribe ou em algum lugar quente durante o inverno. Basta planejar e reservar antes. E eles são bons nisso também (planejar e reservar férias).

Eles sonham tanto com um país tropical que perdem a oportunidade de sentir prazer com o próprio clima. Não tenham dúvidas de que eu morro de saudades daquele inverno quente de Salvador, regado a cervejinha gelada e acarajé quente. Mas a Primavera aqui tem algo de especial, além das alergias provocadas pelas toneladas de pólen despejadas no ar. As Noites frescas e curtas, os dias ensolarados sem serem exatamente quentes e o festival de cores provocado por todas as plantas que devem, desesperadamente, reproduzir-se num curtíssimo período. Pássaros e milhões de borboletas por todo lado e flores, muitas flores. O perfume delas chega a ser agressivo nos campos.

Os agricultores trabalham dia e noite e fazem, na nossa região – produtora dos queijos Grana Padano e Parmigiano Reggiano e, portanto, de muito leite – enormes rolos de feno (e bota enorme nisso!). Os mercados ganham o cheiro das frutas frescas e legumes de todos os tipos e cores enriquecem as mesas, tornando os pratos mais leves. Massas com legumes na manteiga e o inconfundível perfume do manjericão tornam-se obrigatórios no almoço, trocando de lugar com os pratos à base de molhos e carnes. Aprendemos a comer legumes de maneira como jamais havíamos pensado. E gostamos!

Como já deixei claro, a nossa cultura e hábitos antigos nos fazem falta. Tomar cerveja estupidamente gelada no inverno é perigoso por essas bandas, mas vamos nos deliciando com as novidades. Minha filha reclama que aqui não existe xuxu, mas as opções entre legumes e verduras desconhecidos no Brasil, não justifica esse tipo de cobrança, até porque, xuxu… Mas ela tem apenas dez anos e devora toneladas de vegetais por semana (o que é impensável no Brasil). Assim, decidimos não levar a sério as reclamações dela.

Para onde quer que andemos, sentiremos saudade daquilo que deixamos para trás. De qualquer modo, a grama do vizinho é sempre mais verde, mas nessa época do ano, a grama daqui é mais verde e nova que em qualquer outro lugar.

Ciao.

5 comments:

Rafael Galvão said...

Depois do verão miserável que se passou por aqui este ano, eu poderia dizer aos italianos que o verão aqui só tem dois momentos,etc. Mas não; vou deixar elees acreditando que o calor e o sol inclemente são uma maravilha eterna. :)

Anonymous said...

Sabe o que me matou de inveja mesmo? É isso do italiano médio poder planejar e ( e aí é que a inveja chega a doer!) fazer sua viagem ao caribe ou a Salvador! Nisso de planejar eu ( brasileira, classe média, universitária) sou ótima, agora grana pra realizar...

Se não é você com suas maravilhosas descrições, que me enchem os olhos e às vezes a boca também de água...

abraço grandão

Anonymous said...

Pois é, eu não nego meu sangue italiano... E, nossa, como odeio calor! Se pudesse eu excluiria o Verão das estações do ano, acredite. :0) Bacio.

Anonymous said...

Uma coisa que passei a perceber quando morei em Treviso, em 2003, e agora pelos seus textos,conclui ser real, é que a vida/cultura italiana é muito ligada a pequenas coisas, que nós, de Sampa, não nos damos conta. Tanto no seu blog como em tantos outros de italianos que residem na Italia, vcs detalham determinadas situações que jamais eu pararia para analisar. São as flores, os legumes, a forma de cozinhar, o frio, o calor, a chuva, enfim, há uma espécie de ritual para cada uma das coisas mais simples que a Natureza nos proporciona....
Sabe, fico deprimida, qdo leio em seus textos, a importância que vc dá a uma abobrinha, e, ao mesmo tempo, fico mais deprimida ainda, pois jamais me importei, por falta de tempo, em analisar uma abobrinha....
Quem será que está perdendo com isso? Eu ou vc ?
Aí, me reporto a cerimônia do chá, dos japoneses !
A falta de não ter o que fazer (estudar, trabalhar, viajar, etc...) nós leva a valorizar o que jamais percebemos que existia.

Mineiras, Uai! said...

Oi Allan! Vc falando da sua filha ("que come toneladas de vegetais por semana") reclamando que aí na Itália não tem xuxu fez-me lembrar de uma propaganda que a Sustagem colocou na mídia e está fazendo um sucesso danado por aqui: um menino e sua mãe fazem compras no supermercado, na seção de vegetais. O menino esperneia p/a mãe comprar brócolis, que ele quer brócolis, etc. A mãe responde q em casa já têm brócolis e dá um rabanete ao filho prá ele calar a boca. O menino aceita o rabanete com uma cara de quem está olhando pra um bombom sonho de valsa! Minutos depois, novo "escândalo" do filho, querendo xicória. Moral da história: já que vc nunca vai ver uma cena destas acontecendo na realidade, dê Sustagem pro seu filho, pq Sustagem tem todas as vitaminas e minerais q ele precisa, e etc, etc.
Ai...ai... é propaganda, mas q é engraçada, é!
Bjos
Ana Letícia
http://mineirasuai.blogspot.com