Sunday, November 21, 2004

Luz d'Oeste

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Outono. Essa é a estação dos mais belos pores-do-sol. Não que eu sofra da síndrome de Poliana, apenas gosto de aproveitar os momentos poéticos que a vida oferece de modo democrático e grátis. Pode parecer pieguice, mas sou capaz de parar em meio ao trânsito mais caótico, estacionar e admirar um pôr-do-sol que julgue especial. As cores e os efeitos cromáticos provocados nas nuvens me fascinam. Mas não o suficiente para descuidar-me da carteira.

Ainda garoto, gostava de ir à Pedra do Arpoador observar o pôr-do-sol. O Mexicano sempre me encontrava por lá para explicar a movimentação das ondas e ensinar técnicas de mergulho. Ele não era exatamente um experiente mergulhador, era até um ano mais jovem que eu, mas seu pai participava de campeonatos mergulhando dos mais altos rochedos do México. Com ele aprendi a identificar o momento justo de mergulhar da Pedra, quando o volume da onda provocava o aumento do nível d’água no ponto de contato, amenizando a entrada na água e diminuindo o risco de esfarelar-se nas pedras. Tudo aquilo era uma desculpa para ficarmos sentados observando o sol desaparecer aos poucos, colorindo o céu, as nuvens, a água, e os prédios. Nunca tínhamos mergulhado.

Segundo uma minha teoria, ainda a espera de ser comprovada, acredito que quanto mais velha é a sociedade, mais distante das coisas simples e da natureza ela será. Nós, no Brasil damos muita importância a coisas simples e gratuitas, como observar a lua, o pôr-do-sol, ou caminhar pela manhã somente pelo prazer. Percebo um certo pouco caso nos meus amigos italianos com qualquer coisa que não necessite de pagamento ou de fila. Além dos astrônomos, ninguém por aqui sabe quando é lua cheia ou minguante. E me olham com um ar condescendente se comento a beleza do dia ou do poente. Aqui é “tá chovendo” ou “tá fazendo so!”. E chega! Algumas propagandas até exploram esse lado frio do europeu. Numa propaganda do Mini, (aquele…) tinha um rapaz com cara de idiota que levava a namorada em um parque para observarem juntos o pôr-do-sol. Ela mostrava-se impaciente e levantava-se tão logo o sol se punha: “Acabou?” e caminhava decidida para o carro. O rapaz mantinha a cara de idiota, só que decepcionado, enquanto a garota dirigia o carro toda ontente.

Sempre preferi viver perto do mar, e quando isso não foi possível, sempre dava um jeito de viajar para a praia. Meu pai foi obrigado a providenciar autorização permanente de viagem para mim e meus irmãos, tão logo completávamos quatorze anos. Em São Paulo sabia de cor os horários de ônibus para o Rio. Viajar de carona era uma opção somente nos feriados prolongados ou nas férias. Na estrada vi muito pôr-do-sol inesquecível. Em Rio das Ostras, Ubatuba e Ilha Bela. Aliás, quando tínhamos casa em Ilha Bela, conhecia os melhores pontos para observar o pôr-do-sol em cada estação. Isso apesar dos borrachudos. Na Macaé de hoje deve ser mais arriscado sair para observar o que quer que seja, mas na pacata cidade do início dos anos setenta em que moravam meus avós (e onde metade da cidade eram primos meus, e a outra metade, tios), vi um dos mais belos poentes da minha vida.

Falar do pôr-do-sol do Farol da Barra, em Salvador, é um exercício auto-destrutivo para alguém tão distante como eu. O cheiro convidativo do acarajé, o burburinho da cidade que começa a despertar para a noite, a presença às vezes exagerada de casais, nada disso consegue interferir no êxtase solitário de observar o espetáculo, que termina sempre com uma vigorosa salva de palmas.

Apesar do gosto pelo mar e pelo clima quente de cidades como Rio e Salvador, devo confessar que o pôr-do-sol que mais me impressionou foi em São Paulo. Atravessava a passarela sobre a Rubem Berta, indo em direção ao aeroporto de Congonhas e parei (é uma passarela, não um viaduto. Eu estava a pé). Fiquei ali até que o céu começasse a recuperar um azul-escuro e as primeiras luzes se acenderam. Era outono de oitenta e um, oitenta e dois, e começava a fazer frio.

Nesse outono frio de Piacenza, voltava para casa quando, do alto do viaduto que atravessa a linha do trem, reencontrei o mesmo pôr-do-sol de vinte anos atrás. Para minha sorte o trânsito parou quando eu estava no ponto mais alto (é um viaduto, não uma passarela. Eu estava de carro). Durante curtíssimos dois minutos pude rever os mesmos tons de roxo, verde, amarelo, colorindo a silhueta escura da cidade. As únicas construções altas que se vêem daquele ponto são as torres das igrejas. E o excesso de cruzes me lembrou um passeio ao cemitério da Consolação, em São Paulo, para algumas fotos para o curso de fotografia.

O único problema com o pôr-do-sol não é o fato de ser efêmero, pois basta aguardar o dia seguinte que ele estará lá de novo. O verdadeiro problema, pra mim, é que me faz recordar de um daqueles pores-do-sol na Pedra do Arpoador. O último. O Mexicano, como fazia sempre, levantou-se e disse: “Olha, está vindo uma das grandes. Se eu pular você pula?” E eu, repetindo o ritual, levantei-me, observei a onda que se formava e se aproximava da rocha e respondi (como sempre): “Claro! Se você pular, eu pulo.” O filho-da-puta mergulhou como um profissional, como o pai dele. Antes que ele tocasse a água entendi que teria que mergulhar e que aquele era o momento. Mergulhei. Nadamos até a praia e o Mexicano dava gargalhadas enquanto fugia do jovem capoeirista enfurecido. E era outono.

Ciao.

11 comments:

Anonymous said...

Allan, me fez lembrar não exatamente de um por de sol mas de um nascer de lua. No mar. Em Natal. Nós sabíamos que era lindo, amigos haviam recomendado. Nos postamos na amurada da praia, defronte a um quartel, para ver a lua nascer. Ficamos um bom par de horas até que ela apareceu no mar. Menino! Melhor que isso só o por de sol do Guaíba!
O bizarro da história é que os soldados de plantão na guarita do quartel vieram nos interpelar, já achando decerto que estávamos vigiando o quartel...Quando contamos do que se tratava e provamos - a lua estava lá, nascendo linda no mar - pareceram se aquietar um pouco. Mas deram assim mesmo a ordem de sempre: " circulando, circulando" !
ciao!

maray do checaribe

Anonymous said...

Vc. sempre escreve textos interessantes.
O de hoje foi tão poético...
Abraços de uma fã incondicional do teu blog.

Anonymous said...

Allan,
Suas alquimias literárias produzem resultados inesperados. O texto abaixo está uma delícia. E não só pela receita!
Luis Becker

marcelo said...

Tenho acompanhado com interesse os teus textos. Tens um estilo de escrita que prova o prazer que uma leitura pode nos proporcionar. Parabéns.

Anonymous said...

Eu concordo inteiramente com quem elogia seus textos. Realmente, são muito bons. Sobre esse pedaço do começo: "... aproveitar os momentos poéticos que a vida nos oferece de modo democrático e grátis? Pode parecer pieguice, mas sou capaz de parar em meio ao trânsito mais caótico, estacionar e admirar um pôr-do-sol que julgue especial.", fico pensando que poesia é justamente isso, o jeito de ver as coisas. Os fatos por si só não são necessariamente poéticos. Quem os transforma em poesia são as pessoas, pelo modo de ver e de falar o que sentem. E acho que nisso você é muito bem sucedido. :)

Abraços da Mônica (do Monicômio)

Rafael Galvão said...

Post belíssimo, baiano. :)

Agora, quando você falava do Farol eu ficava lembrando de um que acho ainda mais bonito: qualquer um visto do alto da Ladeira da Barra. Porque além de tudo aquilo - o sol se pondo atrás de Itaparica e atrás da Baía - há o fato de se estar no alto da escarpa. Não sei o Mordomia ainda existe, mas era o lugar ideal para ver o pôr do sol.

Acho que é uma das razões pelas quais Salvador é única: você pode ir ver o nascer do sol em Itapuã e o poente na Barra, ou na Ponta do Humaitá.

E que belo título.

Anonymous said...

O belo só existe prá quem sabe ver. O interessante é que a beleza não é um prazer isolado, ela se faz acompanhar de outros, um momento, uma companhia. Um pôr de sol inesquecível? Em uma viagem no alto sertão, um poente seco, vermelho e desolado. Marcante.
Reginaldo Siqueira

Mineiras, Uai! said...

Olá, Allan!
Adoro o pôr-do-sol... Aqui em BH, que é uma cidade muito montanhosa, cada dia que termina é uma alegria prá nós daqui de casa. É porque moramos no 8o. andar de um edifício que fica num dos morros mais altos da cidade, e a nossa vista é fenomenal, mesmo! Nos meses de Maio e Junho (outono-inverno), temos o céu muito límpido, geralmente sem nuvens, e os pores-do-sol são indescritíveis! Quase sempre tiramos fotos, mas a máquina não consegue captar toda aquela beleza.
Tenho ido muito à Macaé, realmente a cidade que agora tem prá lá de 100 mil habitantes, mudou muito de uns tempos prá cá, e infelizmente a violência já chegou lá. Mas ver o pôr-do-sol na Praia de Cavalheiros, do bar do Durval, é um espetáculo! Rio das Ostras então, Praia da Costa Azul, está irreconhecível, mas o pôr-do-sol continua inesquecível, pode crer!

Um grande abraço,

Ana Letícia
(http://mineirasuai.blogspot.com)_

Felicia said...

Allan,
Acabei de ler sobre um terremoto aí pelos seus lados (apesar de nao saber em que regiao voce mora). Tudo bem por aí?

Anonymous said...

Ola,

que texto lindo, acho que a Italia te faz muito bem, caro.
aqui, estou eu lendo tudo isso: as decrições gastronomicas, geograficas, voce escre muito, muito bem..
passo aqui pela primeira vez, já estou anexando aos meus favoritos, posso?
um abraço a voce, boa semana.
sua nova leitora,
Maria Cristina, 28/11/04

Anonymous said...

Ola,

que texto lindo, acho que a Italia te faz muito bem, caro.
aqui, estou eu lendo tudo isso: as decrições gastronomicas, geograficas, voce escre muito, muito bem..
passo aqui pela primeira vez, já estou anexando aos meus favoritos, posso?
um abraço a voce, boa semana.
sua nova leitora,
Maria Cristina,mcristinaff@yahoo.com.br, 28/11/04