Wednesday, September 29, 2004

O rosa choca

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Amélia não é um nome que se encontra fácil por estas bandas. Eu não conheci nenhuma, até agora. Abnegação e cumplicidade? Não diria. A mulher italiana está mais para Nelson Rodrigues que para Vinícius de Moraes.

No bar da via del Capitolo, onde costumo tomar o café depois do almoço, as duas balconistas são mulheres, hábito comum na pacata Piacenza. Entre meio-dia e meia e as duas da tarde o bar fica inacessível. Entra-se, pede-se um café (que pode ser acompanhado de uma grappa) e dois minutos depois cede-se o lugar a um dos muitos que aguardam pacientemente a vez. São operários, motoristas e funcionários dos escritórios das diversas empresas vizinhas. Homens e mulheres que dividem não apenas o mesmo balcão, mas também um salário e emprego iguais, pesado ou não. Muitas vezes entram no bar sem os trajes do trabalho, mas basta uma olhada para baixo para descobrir os inconfundíveis sapatos anti-infortúnio de uso obrigatório aos operários.

Falar palavrão e contar detalhes, numa roda de amigos, sobre uma noite quente entre lençóis, não é prerrogativa masculina. O discurso feminista seguiu um rumo próprio desde o primeiro sutiã queimado na península italiana.

Entre os italianos, pesa a imagem da mulher fácil sobre as brasileiras. Inútil tentar esclarecer que onde haja turista, existirá alguém pensando em um modo fácil para convencê-lo a deixar ali todo o dinheiro. De preferência, com a promessa de voltar (com mais dinheiro). Prostitutas têm um olhar acostumado a identificar quem não é do local. E quando uso o termo prostituta, não me refiro somente a quem troca sexo por dinheiro, mas também quem aluga a própria companhia em troca de uma noite agradável, um jantar, uma bebida e outras experiências que normalmente não teria acesso com a mesma facilidade. Sei que é um conceito um pouco vasto, mas temos que nos adaptar às mudanças.

Ouvindo as conversas pelos corredores, entre os amigos ou no bar, permito-me concluir que a mulher italiana é bem mais acessível do que a brasileira. Pelo menos aquela brasileira que não se enquadra no parágrafo anterior. Contribuem para reforçar a falsa imagem, o jeito amável da nossa gente; as prostitutas encontradas nos locais onde os turistas freqüentam; a mensagem que o nosso governo historicamente vende do Brasil turístico, com fotos de paisagens lindas e uma mulata sempre presente (contrastando com cartazes de outros países – como México e Egito – em que aparecem somente as paisagens); a maioria das brasileiras que encontramos por aqui.

Vejo a mulher brasileira como uma batalhadora, alguém que luta pelos próprios sonhos, que defende a união da própria família e sonha com o príncipe encantado. O tal príncipe, na versão italiana, deve ser rico, muito rico. O casamento italiano de hoje é uma convenção. Na Itália, a maior parte das mulheres que permanecem casadas, o fazem por falta de opções. Ou porque ficou caro demais manter uma casa sozinha.

O mesmo linguajar, os mesmos empregos, as mesmas possibilidades, a mesma liberdade. Tudo isso contribuiu para tornar a mulher italiana muito parecida com o homem italiano. Muitas nem chegam a se casar e garantem serem felizes assim. Motoristas, operárias ou faxineiras: todas têm a mesma aparência solitária e independente dos seus pares masculinos. No mesmo bar, o mesmo café, a mesma grappa.

É muito comum o homem italiano fazer programas e viagens desacompanhado. Num pacato vilarejo de montanha, conheço um comerciante que viaja ao Brasil com os amigos uma vez por ano. Todos são casados. Juram que é pelo programa… digamos, geográfico. As respectivas esposas pouco se importam e gozam a liberdade reconquistada. Provavelmente em companhia.

A italiana está descobrindo que não precisa gastar em viagens ao exterior para aproveitar-se do caráter doce e quente dos estrangeiros. Todos os anos uma horda de africanos, sul-americanos e migrantes de outras plagas, aportam nos leitos mornos italianos. Quais serão as conseqüências? Ainda é cedo para decifrar. Ma uma curiosidade começa a chamar a atenção: as mulheres que se rendem à convivência de parceiros de outras raças, procuram adaptar-se ao modo de vida deles. Contrariando a própria família, sociedade e religião. Contradizendo a própria liberdade conquistada com passos de operária, tornando-se submissa ante um marido de cultura menos tolerante.

Vinícius, que viveu em Roma, talvez não encontrasse na Itália de hoje a inspiração para sua obra, melosamente romântica. Nelson Rodrigues, faria a festa!

Ciao.

9 comments:

Anonymous said...

Allan..
Interessante teu post de hoje...
O dificil è por na cabeça dos italinos onde està o terceiro mundo...
Meire

Anonymous said...

Tá explicado porque o homem paulista anda tanto em grupo de homens! já que o italiano sai sozinho, o sangue circula entre os paulistas.
Não vejo muita diferença entre o que voc6e disse e nós, brasileiras. Cê vê?
Angela

Anonymous said...

Caro Allan,
As vezes ficamos achando que você nos provoca à reflexão sobre nosso próprio comportamento, utilizando-se dessa desculpa de observar os italianos. Vêm-nos uma certa dúvida se você realmente estaria na Itália, ou permanece em alguma varanda de Salvador.
:)

Frank & Gaia

Anonymous said...

Interessante il tuo post. È la stessa impressione che ho avuto quando sono andata in Italia. Ma io sono una donna, non sapevo se un uomo vedrebbe la situazione nello stesso modo. Val (Maringá-PR,Brasil)

Claudio Costa said...

Allan, suas observações provocam-me algumas considerações e já me inspiraram para um post. As questões da mulher, da igualdade dos sexos, repressão, submissão, casamento... quanta mudança tem havido. Acho que tanto homens quanto mulheres estão, hoje, sem referências estáveis (não significa que isso seja uma coisa ruim) e a busca de uma convivência mais humana está a caminho... mas ainda há muita pedra prá carregar... (Ah! minha mulher se chama Amélia e não existe outra melhor!).

Anonymous said...

Divertido e provocador!
Luis Becker

Mineiras, Uai! said...

Allan,
Nunca gostei da associação de uma mulher que é batalhadora, mas sem vaidade, submissa ao marido e aos filhos, etc, com o nome Amélia. Acho que penso assim por minha mãe se chamar AMÉLIA, como meu pai disse no comment dele, e naminha família existe uma Amélia para cada Adélia... hehehe (é verdade, só troca a letra, né?). Minha mãe é quase o oposto da música... Eu acho q a amélia da música não existe mais, ou se existe, está quase entrando em extinção... A mulher conquistou muita independência, conquistou muito espaço na sociedade, apesar de ainda haver preconceito e tal. Também temos que reconhecer q o grau destas conquistas se difere nas muitas partes do globo: questões históricxo-culturais, etc. Mas também como já foi falado aí prá cima, a mulher em alguns cantos do planeta, tem que resgatar sua ternura, sensibilidade e feminilidade... Sábias palavras de CHe, num sábio contexto.
Abraços
Ana Letícia

Anonymous said...

ô tio,
encurtaumpoucoessetremquetácompridodemaisdaconta.
eunumconsigolerquandocêescrevemuitodessejeito.
brigado, pedroluis

Anonymous said...

Allan,
Esse seu texto toca num aspecto interessante, onde as regras são refeitas em cada divisão da sociedade atual. A mulher da literatura do período em que não havia televisão não existe mais, ou talvez ainda exista nos países mais atrasados. A mulher deixou de ser mulher para tornar-se indivíduo. E isso me preocupa, na medida em que muitos indivíduos gostam mesmo é de mulher. Tô achando que vai faltar farinha pra tanto pirão.
Abração,
Diogo.