Diário de um mundo novo – dia 225
Hoje, amanhã e depois são três dias de pausa cautelosa. No decreto sobre as medidas anti-covid do governo, nos tornamos em “zona laranja” nesse breve período. Não que mude muito, os dias de “zona vermelha” foram os mais ludibriados desde março. Além das exceções que proibiam a circulação, italiano – e o resto da humanidade, pelo que temos visto – acha correta qualquer lei, desde que ele esteja sempre entre as exceções e acima dela.
Pois essa segunda-feira de folga foi reduzida a um muxoxo coletivo. A neve
arruinou a maior parte dos planos deambulantes. Nessa manhã tínhamos quarenta
centímetros de neve no centro da cidade e até um metro em diversas cidades da
província. Confiante nas previsões do polvo Paul, a prefeitura apostou na
ausência de neve, contrariando as informações meteorológicas de diversos órgãos
e do meu tornozelo. Como resultado, não espalhou sal nas ruas nem dispôs dos
meios limpa-neve como deveria, chegando atrasada no trabalho e impedindo quem
precisava sair de poder fazê-lo com segurança. “Antes tarde do que nunca” não é
uma resposta satisfatória à ambulância que ficou bloqueada por causa do
imprevisto mais que previsto e avisado pela defesa civil.
Sorte nossa, a neve parou lá pelas onze da manhã, mas a administração local
ouviu palavrões o dia inteiro e vai continuar assim por dias. Os xingamentos,
não a neve. Poucos carros nas ruas, nenhum cliente ligando, café forte, balança
que olha com o canto do olho, cachorro que enlouquece de alegria sobre o manto
branco.
*
Os números de novos casos e novas vítimas vem caindo, como resultado das medidas. A Espanha anuncia uma lista com os nomes de quem recusar a vacina. O plano é divulgar essa lista com as outras nações do bloco. Não sei se vai acontecer e nem sei ainda o que pensar, só acho que a política europeia sobre a privacidade não irá permitir.
*
Acompanho aterrorizado o comportamento dos brasileiros nesse período. É uma cópia quase fiel do que vimos aqui durante o verão. As autoridades advertiram, pediram, imploraram para que não baixássemos a guarda, que a conta seria paga no outono. Muitos dos que desdenharam do governo não comemoraram o Natal. Cuide-se agora para ter a esperança de comer o próximo panetone.
Diário de um mundo novo – dia 226
DICA SOBRE A NEVE:
Na Itália existe um ditado que diz “meglio um giorno da leone che cento da pecore”, [é melhor viver um dia como leão que cem como ovelhas]. É um estímulo para mudar uma situação desagradável, não aceitar viver subjugado, mesmo com consequências irreparáveis. Algo como virar a mesa, chutar o balde.
Antes de mais nada é preciso esclarecer que a neve faz parte do cotidiano de boa parte dos países europeus, incluindo a Itália. Trânsito parado na Autostrada, com a defesa civil que distribui água, alimento e até gasolina (para manter o carro e o aquecimento ligado) não chegam a ser um absurdo. A menos que tenha uma forte nevasca, as pessoas continuam indo trabalhar, vão ao supermercado, pagam contas, enfim, a vida segue. O humor nem sempre é solar, a paciência escasseia, o teor alcoólico sobe, todo mundo sonha com o verão ou vai esquiar. Eis algumas questões para os não nativos.
1) Quando substituir os pneus normais por aqueles de neve?
2) Que corrente para a neve é a mais indicada para os pneus do carro, aquela que se aperta à medida que rodamos ou aquela que precisa reapertar depois de alguns metros?
3) Quando as correntes devem ser montadas nos pneus?
4) Pode andar de bicicleta na neve?
5) Como descer a rampa da garagem para pegar o carro sem quebrar a perna ou o dedo mínimo da mão?
6) Os calçados para a neve servem mesmo?
7) Preciso limpar a neve da entrada de casa? Por quê?
8) Existe um modo para caminhar na calçada e na rua com neve sem partir no meio a coluna e a bacia?
9) Quando é melhor caminhar pela neve fofa e quando sobre a neve pisoteada?
10) O sal para evitar ou reduzir a neve na entrada de casa deve ser jogada antes ou depois de uma nevada?
11) Qual a roupa ideal para sair nos dias com neve?
12) É verdade que é necessário usar óculos de sol na neve? Qual o modelo melhor?
13) O que fazer se achar que estou morrendo no dia seguinte de limpar a neve da frente de casa e da garagem? Vou morrer mesmo?
14) ...
Como bom brasileiro, procuro sempre um modo de facilitar a vida e, contrariamente à filosofia do leão, lembro que “antes um covarde vivo que um herói morto”. Para enfrentar a neve, seguro uma caneca de chá ou chocolate quente e encaro-a, olhos nos olhos, da janela da sala. Ganho sempre.
Diário de um mundo novo – dia 227
Depois do diário de ontem – enquanto o Reino Unido corre para vacinar toda a população no menor tempo possível; enquanto a Europa caminha numa velocidade muito mais lenta que a pandemia; enquanto o Brasil parou no boteco para fazer uma retrospectiva de 2021 que ainda nem começou; enquanto o meu Rio de Janeiro e tantos outros rios de janeiro lotam as praias de olho não na retrospectiva que tá rolando no boteco, mas na cerveja gelada e na selfie, que parece ser o que vai salvar a humanidade – recebi a imensidão de um pedido de respostas para as questões feitas. Lá vai.
1) Quando substituir os pneus normais por aqueles de neve?
R.: Na Itália é obrigatório o uso de pneus de inverno ou ter no carro correntes para a neve de 15 de novembro a 15 de abril. Existem, também, pneus “quatro estações”, que duram menos, mas são aptos para o ano inteiro.
2) Que corrente para a neve é a mais indicada para os pneus do carro, aquela que se aperta à medida que rodamos ou aquela que precisa reapertar depois de alguns metros?
R.: As que se apertam sozinhas, uma vez montadas. Cabe ao condutor verificar que a corrente seja homologada e da medida certa para o pneu do próprio carro. Fique em casa, vai por mim.
3) Quando as correntes devem ser montadas nos pneus?
R.: No período em que há risco de nevar. Resposta na pergunta número 1.
4) Pode andar de bicicleta na neve?
R.: Poder, pode, mas... A neve fofa impede o andamento normal, a neve amassada escorrega e as ruas congeladas costumam provocar acidentes.
5) Como descer a rampa da garagem para pegar o carro sem quebrar a perna ou o dedo mínimo da mão?
R.: Por que diabos não deixou o carro em cima? Rampas de cimento escorregam, assim como rampas congeladas. Caso tenha neve na rampa, escolha caminhar sobre ela. O risco é menor.
6) Os calçados para a neve servem mesmo?
R.: Não, Pedro Bó! Lembre-se que tudo na vida tem limite.
7) Preciso limpar a neve da entrada de casa? Por quê?
R.: Em alguns países você é responsável pela sua calçada, apesar de pública. Se alguém escorregar e se machucar, você pode ter que responder judicialmente. Se não limpar, como você vai sair e entrar de casa?
8) Existe um modo para caminhar na calçada e na rua com neve sem partir no meio a coluna e a bacia?
R.: Passinhos pequenos, escolhendo onde pisar. Mas o risco continua.
9) Quando é melhor caminhar pela neve fofa e quando sobre a neve pisoteada?
R.: Melhor caminhar pela neve fofa enquanto estiver fofa e na pisoteada depois que for pisoteada.
10) O sal para evitar ou reduzir a neve na entrada de casa deve ser jogada antes ou depois de uma nevada?
R.: Vai jogar depois pra quê? Vai usar como tira-gosto, é?
11) Qual a roupa ideal para sair nos dias com neve?
R.: Roupa de inverno, mas o melhor continua sendo ficar em casa tomando chocolate quente.
12) É verdade que é necessário usar óculos de sol na neve? Qual o modelo melhor?
R.: Na cidade vão rir de você. Na montanha, use viseira com lentes escuras e proteção contra os raios solares, daquele tipo colado no rosto.
13) O que fazer se achar que estou morrendo no dia seguinte de limpar a neve da frente de casa e da garagem? Vou morrer mesmo?
R.: Sim, vai morrer mesmo. Relaxe e aproveite.
14) ...
R.: ...
Diário de um mundo novo – dia 228
Só para você ter uma ideia, eu só saio com o Shiva nesses dias de doposci, o tal calçado para neve. A propósito, tivemos que fazer duas semanas de remédio e daquele alimento caro pra dedéu, mas o bichinho tá novo em folha. *Ai*
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Chá de limão com gengibre, ou o físico não iria aguentar a comemoração dessa noite, eu, ela e o maluquinho. “Ci vuole um físico bestiale”
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Eu tô aqui pensando: a Terra gira em torno de si mesma a 1.656 km/h, o que é uma velocidade incrível. Meu carro chega a 220 km/h e um Boeing 787 a 958 km/h. Mais: a mesma Terra viaja em torno do Sol mais rápido ainda, a impressionantes 108.000 km/h. Acho que por isso que anda todo mundo tonto.
*
Então hoje é o período que se convencionou marcar o fim de um ciclo e início de outro ao qual chamamos ano. Feliz ano novo! É apenas outra convenção, mas no fundo é o desejo de dias melhores, é a esperança reciclada.
Tomara, Oxalá, imploro, que em 2021 cada um procure complicar só a própria vida, deixando a dos outros em paz. E lembre-se: eu faço parte desse “os outros”. Amém!
Feliz Ano Novo!
Auguri!
Buon anno!
Axé!
Saravá!
Ziriguidum!
Salve-se quem puder!
“Eu não presto, mas eu te amo”
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