Diário de um mundo novo – dia 127
E o último dia do verão acaba. Isto não significa que ficaremos sem uma estação. Ah, isso não! Segundo o Estatuto Internacional das Estações do Ano (EIEA), dentro de poucas horas assumirá o outono. E o outono, todos sabem, é a estação do azedume. Desaparecem o colorido da “bela estação” e surgem os tons pasteis da meia estação mais triste das quatro. Um clima de melancolia tomará conta dos que concluíram as férias ou não as gozaram. “Eu estava tão bem na praia/montanha/lagoa/roça/casa da vó/raio que me parta.” Qualquer ventinho será motivo prum espirro, muxoxo, gole de grappa. Com o clima mais mal desorganizado como tem sido nos últimos dias, meses, anos, os calendários agora vêm sem o nome do mês, sem estações do ano nem fases lunares. Ninguém tá obedecendo pitombas nenhuma, mesmo. Por via das dúvidas e pra evitar rasuras, adicionaram mais dois meses. Faça com eles o que quiser. Os pernilongos, arrá!, não dão a mínima pressas coisas. Vão continuar picando e transportando o mau humor de um contagiado pro outro. Que é o que os pernilongos sabem fazer.
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Salto carrapeta, máscara de Carnaval. Quem tiver leite e canjica, faça um bom mingau.
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Lá em cima daquele morro
Passa boi, passa boiada.
Vixe, que movimento!
Diário de um mundo novo – dia 128
Tenho o escrúpulo de evitar assuntos polêmicos neste diário. Prefiro escrever besteiras a tocar em algum assunto mais sensível ou que possa causar mal-estar em alguém que passe por aqui. A intenção, ainda que só às vezes alcançada, é divertir e, quem sabe, informar.
Sem mais, boa noite.
Diário de um mundo novo – dia 129
De acordo com uma pesquisa publicada no Istituto per la Ricerca sull’Impostura di Montelusa, cujo autor é esse humilde e modesto atualizador do diário, o aumento dos acidentes automobilísticos durante o verão, na Itália, ocorre pela falta de percepção temporal do relógio biológico humano, verificado pela permanência em locais de lazer com consumo alcoólico. Em outras palavras: a galera fica tomando umas até mais tarde no que deveria ser um happy hour, sem perceber que já são quase dez da noite. Isso porque o sol se põe mais ou menos nesse horário e o tempo da birita no final do dia proporciona pileques homéricos. No outono, ao contrário, o cidadão dá um pulo no boteco e toma só um copo de vinho (percebeu que é no masculino, homem?). Vai pra casa muito mais cedo porque “já anoiteceu”. Janta e pode até sair de novo, mas encheu o bucho. Claro, vai ficar com sono por ter comido como um animal e vai cochilar no volante, que macho que é macho tem que tomar umas com a turma. Mas, nesse caso, a mulher vai junto ou ele vai se adormentar no carro sim, mas antes de ligar a chave.
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O resultado do referendo você já deve conhecer. Ganhou o “sim”, que o número de senadores e deputados será reduzido na próxima legislatura. O que você talvez não saiba – e não se sinta ignorante por isso, pois ninguém, nenhum italiano, parlamentar ou não, sabe – é quando começa a nova legislatura. O Governo Conte se divide em duas partes, até agora. A primeira foi de 1º de junho de 2018 a 4 de setembro de 2019, quando o então vice primeiro-ministro Matteo Salvini tentou derrubar o governo do qual fazia parte para provocar novas eleições com o objetivo de tornar-se ele próprio o primeiro-ministro. A segunda iniciou em 5 de setembro de 2019 e, ao que tudo indica, continua até amanhã. Mais do que isso não saberia dizer. O governo não concluir a legislatura tornou-se praxe por aqui. Lembrar os nomes de todos os primeiros-ministros das últimas dez legislaturas é como querer recordar os nomes de todas as moedas e índices brasileiros dos últimos trinta anos, ORTN inclusa.
Façam suas apostas.
Diário de um mundo novo – dia 130
A volta às aulas tem proporcionado aquela sensação gostosa de normalidade, de vida que segue. A algazarra pelas ruas, sorrisos nem sempre por trás das máscaras, brincadeiras e olhos brilhando, removem a felicidade dos armários e colorem o vermelho-marrom da nova estação.
Nem todas escolas estão funcionando, nem todas as classes recebem os alunos. Os problemas, atrasos na entrega das carteiras adequadas, a disponibilidade de professores e outras mazelas estão presentes e impedem o funcionamento completo, mas resolvendo um problema de cada vez, adaptando soluções e com muita, muita boa vontade dos educadores e auxiliares, a vida parece renascer.
Os pais (miseráveis pais que passaram meses com crianças pequenas dentro de casa sem ter mais o que inventar) continuam apreensivos, na torcida para que o pior tenha a delicadeza de permanecer somente na memória.
Os alunos? Ah!, são flores desabrochando nesse outono atípico.
Diário de um mundo novo – dia 131
Reclamando do calor? O frio chegou.
Claro que não é o frio que o inverno deve estar preparando pra gente, mas quatorze graus, de uma hora pra outra, é frio sim. E chuva.
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Noutro dia escrevi um comentário num post do Dom Giseppe, dizendo que tinha um tempão que não nos encontrávamos. Ele simplesmente respondeu “é mesmo”. Nem pude aproveitar a deixa para convidá-lo para um almoço em casa. Responsável como somos, nós e ele, estamos evitando qualquer contato social que possa ser adiado. O Dom é uma pessoa agradabilíssima, mas sem papas na língua. Missionário por anos em Picos, no Piauí, conhece muito bem a situação brasileira. Além de falar um português impecável. Quando perguntei como ele tinha aprendido a falar sem sotaque algum, respondeu, com os dentes trincados e a expressão de quem revia momentos não muito agradáveis, eufemisticamente falando: “Foi um menino de doze anos. Ele não deixava escapar uma”. Claro que em Picos ele é amado e conhecido como Padre José. Sim, como ele mesmo se define, é uma pessoa comum que tem como profissão ajudar os mais necessitados.
Pois fica registrado aqui, meu caro amigo Giuseppe Illica: quando a situação ameniza e você se sentir confortável para nos visitar, esperamos você para um almoço ou jantar. Faremos o arroz com feijão de que você tanto gosta, com direito a levar uma marmita para casa, como sempre.
Abração nosso.
Diário de um mundo novo – dia 132
Ontem o clima estava tão hostil que o Rueiro Arruaceiro quis voltar para casa antes do normal (na verdade ele nunca quer voltar para casa. Por ele, passaríamos a vida na rua). Hoje o dia foi bonito, apesar do resto de vento que sobrou de ontem. No primeiro dia de temperatura normal – leia-se mais alta que vinte e três graus – vou dar um banho nele. Não que precise, ele não cheira mal nem se suja, mas para ele não perder o apeal.
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Agora que o referendo passou e os perdedores estão lambendo a ferida, a vida segue. Ou seja, a campanha eleitoral recomeçou. Não porque tenha alguma eleição próxima e sim porque esse é o estado normal das coisas.
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E o campeonato de futebol vai em frente. Nem mesmo os desfalques nos times por motivo de covid, freia a vontade de retornar a uma realidade que passou. E de ganhar dinheiro.
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Fiz brownie pela primeira vez. Ficou bom, ela disse.
Diário de um mundo novo – dia 133
P – Por que eu uso máscara em ambientes de trabalho se quase ninguém mais usa?
R: Para que os meus clientes saibam que são poucas as chances de eu ter sido o portador do vírus, caso venham a ser infectados.
P – E usar máscara para passear com o cachorro não seria exagero?
R: Não acho. Ao cruzar com outras pessoas, evito ser agente transmissor e ainda faço que não usa se sentir culpado e desviar, diminuindo o risco para mim também.
P – A prática de lavar as mãos diminuiu?
R: Ao contrário, aumentou. Lavar constantemente as mãos com água e sabão continua sendo a principal recomendação, por ser a mais eficiente na prevenção contra o vírus. Sempre que tem um banheiro por perto, lavo bem as mãos e só enxugo com toalha de papel.
P – Só toalha de papel? Por quê?
R: Toalha de pano vai estar sempre contaminada. Banheiro é local úmido, ideal para a proliferação de bactérias e estacionamento de vírus. Secador de ar quente ajuda a espalhar o que estiver suspenso no ar. Ou toalha de papel, ou saio com as mãos molhadas.
P – O uso de máscara protege só quem está em volta?
R: Não. O uso de máscara – e de óculos – reduz a carga viral no usuário numa eventual contaminação. Meu organismo vai reagir com mais eficácia se for contaminado por cem bichinhos que por cinco mil.
P – Não saio mais de casa?
R: Claro que saio. Vou trabalhar, ao supermercado, abastecer o carro, jogar o lixo, levar o cachorro pra passear e até comer fora, se bem que com muito menos frequência. Exatamente por isso tenho que manter uma vigilância constante, tomar todos os cuidados que aprendemos.
P – Viagens, cinema, teatro...?
R: Não é o momento. Posso adiar o que não é urgente.
P – Vacina contra a gripe?
R: Nunca tomei. Decidi que vou tomar esse ano, ajuda na imunidade e me permite de trabalhar durante todo o inverno sem ter que fazer isolamento voluntário, coisa que faria (e farei) se tivesse algum sintoma.
P – Vacina contra o Covid?
R: Vou analisar no momento que tiver uma vacina disponível, vai depender muito da situação. Hoje eu não tomaria, pois sei que o processo de avaliação de uma vacina segura leva muito tempo até que se conheça todos os efeitos e a eficácia. É Ciência, não milagre.
3 comments:
Olha, tá firme e forte por aí! Que beleza! É...muito bem, tá tomando cuidado! A gente pensa igual no sentido de deixar de fazer as coisas desnecessárias! Cara...o cinema aqui, passamos em frente...estava cheio. E de gente idosa! Nossa, ficamos bobos, eu e meu marido...sei lá...e agora regredimos! Ai ai...bom, eu já temia por isso mesmo...mas vamos em frente!
Siento a ver estado un poco apartada. Me ha encantado volverá leerte.un saludo.
Allan, você não gosta do outono? Eu gosto do outono, aqui dá uma acalmada no sol, que parece morar vizinho ao suvaco do diabo de tão quente rsrsrsrs!
Eu ri demais com as descrições do calendário!!! Muito engraçado!
Ótimo sábado pra vc!
www.vivendolaforanoseua.blogspot.com
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