Monday, August 31, 2020

Diário de um mundo novo - parte 15

Diário de um mundo novo – dia 99

A vida vem se transformando. As pessoas começam a questionar o que realmente conta, o que as afasta de gente que era importante uma vez e que hoje preferem evitar. Do mesmo modo, se questionam por que o contrário também acontece.

 

Ninguém tem todas as respostas. Eu tenho realmente mais dúvidas que soluções, mas descobri que evito, cada vez mais, que gosta de reclamar. Sim, parece que gostam. O cérebro vicia. Quem sabe como funcionam neurônios e sinapses entende bem esse processo. E o melhor modo de combater esse tipo de vício é criar um substituto contrário. O contrário de reclamar? Agradecer. Se você está lendo isso agora, ao menos um motivo para agradecer lhe restou: permanecer em vida. Agradeça às pequenas coisas, agradeça por estar vivo, por estar viva. Agradeça à comida, aos amigos, à uma nova habilidade adquirida. Agradeça pelas oportunidades que irão se apresentar e pela sua capacidade de saber aproveitá-las (se você começar a agradecer por isso, vai aprender a dar mais atenção às pequenas oportunidades que acontecem todos os dias e que nem percebemos). Agradeça a qualquer coisa que possa ser considerada positiva. Agradeça por agradecer. Agradeça todos os dias.

 

São tempos difíceis e todos temos problemas. Procure não piorar a situação. Ninguém tem o poder de mudar ninguém. Cada um só muda quando enxerga que precisa e quer mudar. É a decisão, seguida de ações, que mudam. Pare de perder seu tempo tentando convencer aquela pessoa que ela deve mudar. Afaste-se dela, ame-a à distância e torça muito por ela, se for o caso, mas fique longe. Quem vive reclamando faz mais mal a quem está em torno que a si mesmo. Lembre-se: o cérebro vai seguir o caminho que sempre usou, o caminho mais fácil, o que está acostumado. E mau humor é contagioso. Acostume-se a agradecer e deixar as reclamações de lado. Vicie seu cérebro com pensamentos bons e construtivos.

 

Se você tem um problema sério, toma remédio ou faz tratamento, estou e estarei sempre aqui para escutar e, se puder, ajudar. Conte com a minha compreensão, uma empatia sincera, a minha imensurável paciência, o meu carinho, o meu apoio, uma enorme capacidade de escutar e de guardar segredos. Vou torcer sempre por você,  acredite. Porém, se a sua vida é reclamar dos outros, de futilidades, do trabalho, da falta de dinheiro, da vida,  de tudo que aflige a maioria das outras pessoas, mude. Se já é difícil suportar complexo de Poliana, aturar pessimismo é pior ainda.

 

Fotos fofas e mensagens positivas nas redes sociais não significam bondade na vida real. Examine a sua consciência, o seu dia a dia e reduza as reclamações da sua vida. Pode até não melhorar a situação, mas a sua qualidade de vida – e a de quem lhe está ao lado – agradece.

 

Obrigado por não reclamar à toa.

 

Diário de um mundo novo – dia 100

Hoje esse “Diário de um mundo novo” chega ao número 100. São cem dias que a Itália concluiu o período de quarentena e iniciou um lento processo de volta à normalidade. Uma nova normalidade a partir do dia 18 de maio, depois de 67 dias trancados em casa, com a polícia controlando todo mundo, a vontade de bater perna explodindo e um deusnosacuda terrível.

 

Sei de muita gente no Brasil que está trancada dentro de casa a mais de cinco meses. Perdemos parentes, amigos, conhecidos, gente querida. A cura ainda não foi descoberta, é preciso permanecer alerta e cuidar da própria saúde, especialmente a mental. Precisamos, mais do que nunca, resistir, vigiar, cobrar, com muita teimosia. Não podemos normalizar essa situação, como não podemos deixar de viver, rir, amar.

 

Aos que puderam e podem ficar em casa, cuidem-se. Aos que não podem e precisam sair, ir trabalhar, usar transporte público, cuidem-se dez vezes mais. Espero vocês todos para uma cerveja, vinho, ou café quando tudo isso acabar.

 

Diário de um mundo novo – dia 101

Existem hábitos que duram para sempre. À medida que crescemos, aprendemos a organizar a própria vida. Controlar o estoque de comida antes que acabe e montar uma lista de compras considerando o consumo e prazos de validade é apenas um exemplo. Para que a lista seja eficiente, devemos considerar fatores como a durabilidade de cada produto, o número de pessoas na casa, espaço e condições ideais de armazenagem, disponibilidade e preço de cada produto no mercado, transporte e outras informações. Pronto, dificultei o que sempre foi fácil.

 

Todo esse conhecimento para uma simples lista de compras, são informações que fomos adquirindo de maneira imperceptível ao longo dos anos. Ou quase, o bolso que o diga. É uma quantidade enorme de conhecimento, que envolve desde aprender a fazer contas e acostumar-se a ter que pagar contas periodicamente a planejamento e a busca pela melhoria da própria capacidade de ganhar mais dinheiro para, em teoria, viver com mais conforto.

 

Dominar eficazmente todas as variáveis irá determinar a diferença entre uma boa ou má gestão da própria saúde, da situação econômica da casa, do tempo gasto em idas ao supermercado e na cozinha, da harmonia da família, dos hábitos alimentares. E o que acontece quando todo esse conhecimento deixa de ser útil, repentinamente? Como gerenciar uma vida durante uma pandemia? O que fazer quando adaptar-se já não basta para sobreviver? Não, não estou me referindo à lista de compras, mas de transformações que não se resolvem com uma ida ao supermercado.

 

O que mudou para sempre na sua vida?

 

Diário de um mundo novo – dia 102

Dia chato, trabalho pouco, calor muito. Pra piorar, tenho que ir até Caorso, que o cliente é de lá. Bom, Caorso é aqui ao lado, a dezesseis quilômetros de Piacenza. Mas esse calor úmido molda e modifica muito a geografia. Claro que poderia ter ligado o ar-condicionado do carro, só é preciso lembrar que vou ter um choque térmico, chegando lá. Tiro e queda, voltei pra casa ensopado, janelas abertas.

 

E já que estava molhado, aproveitei para dar banho no Shiva no balcão dos fundos. Arredio, mas obediente durante o banho, feliz e bagunceiro depois. Fomos passear e encontramos com o Mambo, o amigo vira-latas que completou vinte anos em janeiro. Ele me olha e pede pra voltar logo pra casa, que não quer perder o frescor do banho. É a minha vez de lavar-me. Cheirosos, fomos convidados pela Luiza a nos transferirmos pro balcão. “Pai, vai fumar um charuto com o Shiva, vai.” Caçados pelo coral formado por ela, a Elisa (a sobrinha refugiada do covid brasileiro) e a Eloá, fumei o meu charuto na companhia inseparável da minha sombra. Na sala, um rol de músicas sertanejas tocava a todo volume, num karaokê triplo. Sucumbi. Levei meu amigo pra assistir um filme no quarto. Com o ar-condicionado a todo gás.

 

Diário de um mundo novo – dia 103

Noutro dia escrevi sobre o hábito de agradecer, em vez de reclamar. Recebi algumas mensagens sobre o texto, em privado, nem todas positivas. Uma delas falava da dificuldade em agradecer aleatoriamente, do nada. Temos uma natural resistência às mudanças e acabamos encontrando desculpas e culpados para permanecer onde nos encontramos. Contudo, lembro de uma frase de Henry Ford que dizia mais ou menos assim: “se você disse que pode ou que não pode, vai estar certo do mesmo jeito”. Esse tipo de conhecimento sobre a influência das nossas palavras nas nossas vidas é meio universal. Essa é mais ou menos a chave do que escrevi naquele dia.

 

Tem quem comece o dia fazendo yoga, meditação, alongamento, mild fullness, orações, mantras e outras atividades de potenciamento da saúde física e mental. Se quiser, você pode reservar um pedacinho da sua manhã, antes de começar as suas atividades, a agradecer, sem que tenha que ser um agradecimento aleatório ou “do nada”. Escrevi um mantra, oração, cola (de prova) ou o nome que preferir, meio genérico que você pode adaptar. Deve ser dito em voz alta – normal, na verdade – antes de ir trabalhar, estudar ou desenvolver a sua atividade normal, de preferência, em local calmo, sem testemunhas nem celulares ligados. Para simplificar, vou escrever “obrigada” assim, no feminino. Flexione para “obrigado”, se for o seu caso. Com o tempo, quando o mantra, adaptado à sua realidade e necessidade, for decorado, você vai se pegar pensando no que está falando. Por exemplo: quando falar da saúde, irá focar automaticamente num eventual problema; quando falar de oportunidades, começará a enxergar momentos atuais como não havia pensado antes, ou vai enxergar com clareza uma oportunidade que normalmente passaria em branco e se lembrará do mantra da manhã.

 

Obrigada por mais esse dia. Obrigada, obrigada, obrigada!

 

Obrigada por essa luz maravilhosa e por esse clima adequado. Obrigada, obrigada, obrigada!

 

Obrigada pela minha saúde que vem melhorando a cada dia. Obrigada, obrigada, obrigada!

 

Obrigada pela saúde da minha família. Obrigada, obrigada, obrigada!

 

Obrigada pela minha excelente memória que me surpreende cada vez mais.

 

Obrigada, obrigada, obrigada!

 

 

Obrigada pelas noites de sono reparador. Obrigada, obrigada, obrigada!

 

Obrigada pelas boas notícias na minha vida. Obrigada, obrigada, obrigada!

 

Obrigada pelo otimismo e pelo entusiasmo com que eu venho modificando os meus pensamentos, os meus sentimentos as minhas atitudes e os meus resultados. Obrigada, obrigada, obrigada!

 

Obrigada pelas oportunidades que irão se apresentar hoje e pela minha capacidade de saber aproveitá-las. Obrigada, obrigada, obrigada!

 

Obrigado.

 

Diário de um mundo novo – dia 104

— Alô!

— Bom dia senhor Allan! Sou Cristina, da World Trade. Como o senhor está hoje?

— Bom... Bom dia! Eu tô bem. E a senhora?

— Muito bem, obrigada. Estou ligando para informar q...

— Desculpe um minuto, deixei a panela no fogo.

— ...

— Alô, Cristina?

— Sim, senhor Allan. Como eu ia dizendo, essa chamada é para informar sobre a nova modalidade de trade online. O senhor sabe o que é trade online?

— Olha, pra falar a verdade, eu até sei, mas é que... Droga! Tão tocando a campainha. Peraí.

— ...

— Alô? Desculpaê, eu tô sozinho em casa, a mulher saiu e deixou a comida no fogo, a bateria do celular tá quase no zero e carregando, o carteiro passou...

— Então. Essa nova modalidade de investimento permite que o senhor poss...

— Shiva!!! Quieto! É o meu cachorro. Qual é mesmo o nome da empresa?

— World Trade, senhor Allan. Hoje o senhor pode começar com uma pequena quantia...

— A janela não! Shiva, volta aqui, seu merda! Shiva...!

— ...

— Alô? Cristina?... Que mal educada, nem pra se despedir.

_____________________

 

— Alô!

— Bom dia, senhor Robert! Eu...

— Allan.

— Como?

— Allan. Robert é meu segundo nome e ninguém me chama assim.

— Desculpe, senhor Allan…

— Allan.

— Foi o que eu disse, não?

— Não, sem o senhor. Me sinto velho.

— Ah, tudo bem, Allan. Eu me chamo Marina, da Italian Trade. O senhor... Quer dizer, você conhece?

— Não. Imagino que seja uma agência de trade online, certo?

— Isso mesmo. Você já teve alguma experiência de trade online?

— Pra falar a verdade, não. Dá pra ganhar dinheiro ou é só papel?

— Que isso! Tem gente que ganha muito dinheiro.

— Você ganha dinheiro com trade online, Marina?

— Estou começando e estou muito entusiasmada. O nosso sistema...

— E por que você continua trabalhando em call center? Desculpe se pergunto.

— Como eu disse, estou começando...

— Home office?

— Sim. É um sistema muito confiá…

— Filhos, cachorro, gato?

— Dois filhos e um gato...

— Deve ser estressante ter que cuidar da casa, filhos, gato e ainda trabalhar com essa pandemia, né?

— Um pouco, mas a gente administra. A Italian Trade é uma empresa...

— Dorme bem à noite?

— Hein? ...Mais ou menos. O que eu gostaria...

— Sabe que pode ser o colchão. A quantos anos você não substitui o colchão?

— ...Como? Ah, não. Meu colchão não é tão velho...

— Sabe, Marina, eu vendo os colchões ortopédicos Sonho d’Ouro. São feitos com o material mais moderno que existe...

— Allan…

— ...E têm uma camada com ervas de montanha que permitem um efeito relaxante...

— Descul...

— ...Financiamos em até vinte e quatro meses e você ainda ganha de brinde o fornecimento do chá feito com mesmas ervas de montanh...

— ...

—Alô, Marina? Alô? ...Estressada mesmo. Tadinha.

 

Diário de um mundo novo – dia 105

Choveu da tarde de sexta até a manhã e hoje. Tempestade, mesmo. O Shiva não liga pra trovoadas se estivermos na rua e, como choveu diversas vezes e mais duas, saímos sob trovões. Dentro de casa ele fica desconfortável e chega a tremer. Vai entender. Ontem de manhã aproveitamos que tinha parado de chover pra dar o nosso passeio. Quando estávamos no jardim, onde não há onde se esconder da chuva, caiu o maior toró. Em dez minutos eu estava tão molhado que não fazia diferença andar, correr ou ficar parado. Impossível molhar mais.

 

Há momentos em que o fator surpresa é tudo e eu sempre colho essas oportunidades. Ela estava concentrada na organização do trabalho que reinicia amanhã quando eu disse com ar grave:

— Tô achando que na quarta-feira vamos ter que voltar pra terça.

Ela me olha sem perceber que consegui – mais uma vez – a deixar perplexa.

 

Domingo à noite e vou dormir satisfeito por mais um título da Champions League das meninas do Lyon. 3x1 sobre o Wolfsburg. Bom jogo.

 

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2 comments:

MarcosVP said...

Obrigado, meu velho. Forte abraço.

Luma Rosa said...

Feliz é aquele que agradece, porque o contrário também existe. Lastimar é um vício adquirido com a morte das sinapses? Boa explicação!! Vamos varrer esse lixo de nós!
Não sei ainda o que mudou na minha vida. Ainda estou com aquela sensação de que as minhas roupas estão todas do avesso e que somente quando puder tirá-las de lá, a minha mente também irá se colocar no presente. A rebeldia sempre foi companheira de quem sempre quer apenas viver o presente, mas mesmo a rebeldia não pode se manifestar agora, pelo menos a minha.
Se voltássemos no tempo com a sabedoria do presente, o que faríamos diferente sobre o passado? Errar sempre acrescentou mais do que o acerto. Vamos viver a vida como ela se apresenta, pois é o que há!
Beijus,