Diário de um mundo novo – dia 92
“Leva um agasalho que vai esfriar”, “não vai comer porcaria agora que nós vamos jantar daqui a pouco. Você precisa se alimentar direito”, “estuda pra não virar vagabundo nem ficar dependendo dos outros”. Quantas frase de mãe você ouviu na sua vida? Mesmo adultos, continuamos a ser a criancinha dela. Até aprendemos a ter paciência quando ela nos repete as mesmas coisas, enquanto nossos filhos já se preparam para ter os deles. Mãe é mãe.
Mesmo quem não cresceu com a mãe biológica, teve uma figura materna como referência. Mãe é quem se preocupa e protege, quem espera pela nossa felicidade. Acima de tudo, mãe é mulher. Tem aquele instinto materno protetivo do qual os homens são, somos, desprovidos. Claro que me preocupo pelas minhas filhas e sempre as protegi, mas mãe age por antecipação. Anos antes do risco ela já tratou de prevenir ou mesmo de moldar o caminho dos filhos. É uma vigilância e educação eterna. Anos atrás vi uma senhora miudinha dando um safanão num brutamontes em público. O cidadão, que já devia ter passado a casa dos cinquenta, falou: “quê isso, mãe? Nós estamos na rua!” E ela respondeu: “se você não tem vergonha de dizer isso em público, por que eu deveria ter de te dar uns tapas na rua?” Ele abriu a porta do carro pra ela entrar, deu a volta e entrou do lado do motorista para ir embora bem de mansinho. E calado.
É por isso que eu defendo que o mundo deveria ser liderado pelas mulheres. Já reparou que a quase totalidade de assassinos seriais, chefes de quadrilha, estupradores, traficantes de drogas, traficantes de seres humanos, assaltantes, corruptos e o que há de pior na humanidade são homens? Nos comentários vou colocar um link do Departamento Penitenciário Nacional que mostra a população carcerária no Brasil, em dezembro de 2019. A participação de mulheres nesse dado representa 3,69% do total. É muito, a Eloá até se assustou. Sabe por quê? Porque mulher raramente está envolvida com crimes. De fato, os restantes 63,31% são homens.
Por isso, mulheres, é hora de iniciar uma revolução. Não permitam que seus maridos ou filhos tornem-se políticos, já basta o comando masculino na economia mundial. Tirem aquele rosto recém-barbeado, bem penteado, com cara de honesto e risonho das fotos de campanhas políticas e substituam por rostos de mulheres, mesmo que vocês se considerem fora dos padrões de beleza estabelecidos pelos homens. Nada de mulheres jovens e bonitas fazendo biquinho, precisamos do instinto materno para nos guiar, como fazem nossas mães até o fim da vida. Sim, vocês têm poder para isso. O poder do mundo está nas mãos femininas e as mulheres ainda não se deram conta. Nada de cotas obrigatórias, vocês são mais capazes do que quem, até então, governa essa sociedade doente. E o mundo será um lugar melhor de se viver.
Homem só faz merda e o mundo não suporta mais.
Diário de um mundo novo – dia 93
— Escreve aí, cara.
— Escrever o quê?
— Sei lá! Você que inventou de escrever esse diário.
— Tô sem inspiração.
— Oxênte, e pra escrever diário precisa de inspiração desde quando? Conta como foi o dia, as notícias, os números da pandemia, alguma coisa de hoje.
— O dia não teve nada que mereça ser contado, as notícias só assustam e os números da pandemia não são novidade.
— Faz um textão sobre a condição humana.
— Ninguém quer ler textão, tá todo mundo ansioso.
— Faz assim mesmo, tem sempre um maluco que gosta ou que tá precisando de uns likes.
— Hein? ‘Tendi não.
— Sabe?, aquela pessoa que curte tudo que você publica pra você ir curtir os posts dela.
— Quero isso não. Quero crítica e sinceridade. Até porque ninguém lê mais nada que tenha mais de dois parágrafos curtos.
— Vai por mim, cê tá precisando escrever uns textões pra criar uma aura de intelectual.
— Ah ah ah ah! Intelectual? Tinha que ter lido e estudado muito mais, né? Não convenceria ninguém.
— Inventa, copia, muda umas palavras aqui e ali que a turma baba.
— Tenho essa cara de pau não. E quem iria revisar? Eu é que não.
— Nem eu.
— Já sei, vou escrever uma receita!
— Hum...
— Sabe, um prato italiano. Ovos à fiorentina...
— Pelo menos escolhe uma receita importante. Ovos à fiorentina...
— Um doce?
— Aceito, obrigado.
— Não, uma receita de doce?
— E depois eu vou ter que sujar a cozinha toda pra ficar frustrado com o resultado? Ná...
— Tá difícil, então. Tô sem inspiração nenhuma.
— Por que você não escreve sobre o Shiva?
— Hum... Shiva! Cadê você, sapeca? Shiiiivaaaaaaaaaaaaaaaa...
Diário de um mundo novo – dia 94
A atmosfera terrestre é composta basicamente de gases. Quatro por cento dela é composta de vapor d’água, que é a tal umidade relativa do ar. Ainda faz parte, o material sólido suspenso, partículas que o movimento das massas de ar se encarrega de jogar nos olhos dos outros. Entre o universo dos sólidos voadores, não fazem parte, portanto, os pássaros, os aviões, o super-homem, discos voadores, pipas, cafifas e capuchetas, boas intenções que pavimentam o inferno e ideias absurdas ou tresloucadas – que, na verdade, são conjuntos de flatos –, das quais se locupletam os desprovidos de juízo e destituídos de discernimento.
Volto aos quatro por cento de água na atmosfera. Não existe umidade relativa do ar padrão. Cada ambiente produz e se desenvolve em condições diferentes. A umidade da Amazônia, por exemplo, é muito superior à do planalto central, que há um clima seco. Os espelhos d’água artificiais de Brasília não têm o objetivo de embelezar a cidade, mas de amenizar o clima seco da cidade.
Pois nesses dias a Itália vem sofrendo com o clima abafado, fruto da umidade da época e da conformação geográfica que abriga tantos rios. A Planície Padana, que abriga cidades como Milão, Parma, Bolonha, Bérgamo e tantas outras (inclusive e principalmente a nossa, que é a que me importa), é cercada por montanhas que formam uma espécie de panela, com diversos rios por todos os lados. Viver com umidade do ar em torno aos oitenta e cinco por cento durante dias, tem sido cansativo. Que o diga o Serelepe, que no final do dia mais parece o cão do Urtigão, deitado em qualquer superfície fria, enquanto fria.
Tenho tido vontade de voar como uma pipa, lá bem alto, pra resfriar um pouco. O risco é encontrar uma daquelas ideias, que nem cheiram bem.
Diário de um mundo novo – dia 95
Valseando vou vivendo os dias, tão iguais e tão irrepetíveis como em qualquer calendário. Até os sustos e as cada vez mais minguadas notícias boas se igualam. As novidades só o são até uma outra tomar-lhe o lugar. Há pouco a contar e, terê tetê, volto ao assunto. A calçada quente, os dias longos que começam a encurtar, os passeios, o Trebbia.
As pessoas cometem os mesmos erros com assiduidade fiel; se arrependem só para poder errar de novo. O vírus, os vírus, se alternam no vai e vem da humanidade. Periódicos como terremotos e vulcões, tentam ensinar o ritmo da vida aos viventes de cada período.
O Shiva – ah, o Shiva! – ignaro dos erros, periodicidade de vírus, vulcões e lições, sabe que o sentido da vida é abanar a cauda., que dias longos e abafados são melhores no Trebbia e que as calçadas quentes devem ser evitadas.
Ia me esquecendo: um, dois, três; um, dois, três; um, dois, três.
(Esse post foi inspirado no Rádio Drops, do Drops da Fal)
Diário de um mundo novo – dia 96
As medidas do governo dessa semana eram mais que esperadas. Discotecas fechadas, festas mesmo ao ar livre proibidas assim como sentar em bancos de praça, para evitar aglomerações. Os casos positivos chegaram a 947 nesta sexta. O que reflete o comportamento da população de quinze dias atrás. Deve aumentar mais, antes de baixar. Novas precauções serão impostas, o humor da gente vai azedar, como em todo fim de verão e a vida vai seguir como se nada fosse.
Estamos melhor preparados, a experiência rendeu frutos que salvam vidas nos hospitais, os testes das últimas vinte e quatro horas foram setenta e um mil, sem considerar os testes de controle, feitos em pacientes que já tinham sido resultados positivos. Precisamos, agora, nos conscientizarmos da importância de manter os hábitos preventivos adquiridos.
Melhor esperar pela ciência que pelo tempo.
Diário de um mundo novo – dia 97
Sim, estamos no meio de uma pandemia e, apesar de tudo, aproveitamos para nos divertir, distrair e continuar vivendo.
Zlatan Ibrahimovic é um jogador sueco que atua no futebol europeu profissional desde 1999. Já passou por Malmo, Ajax, Juventus, Inter de Milão, Barcelona, Milan, PSG, Manchester Utd, L.A. Galaxy, e está de novo no Milan, prestes a renovar o contrato por mais dois anos, aos 38 anos de idade. Pela simpatia cromática que tenho pelo Milan, por gostar de futebol e do Ibra, estou torcendo para que o acordo se faça.
Amanhã vou assistir o final da Champions League pela tv. Estou criando o clima, gelando a cerveja, escolhendo os tira-gostos, fazendo prognósticos. Pelo que vi até agora, deve vencer o Bayern Munich sobre o PSG. Isso se o time de Neymar, Mbappè e Di Maria não fizer uns dois gols logo nos primeiros vinte minutos, que aí o jogo vira. Obedecendo o meu prognóstico, o polonês Lewandowski deve ser o vencedor do título de melhor jogador do ano na Europa. Mas, se o jogo virar, Neymar tem tudo pra desbancar Lewa. Ou quase. Muitos apostam no jovem Mappè e eu não me surpreenderia. O chato é assistir pela tv oficial e não por streaming, pois na tv não há o som da torcida, ausente. Por streaming, ao contrário, as plataformas adicionam cantos incompreensíveis e procuram não mostrar o estádio, focando no campo. Tem-se a impressão de que a torcida está lá. O toque especial fica por conta do gênio que comanda os botões, que coloca a reação do público nas faltas e gols. Futebol sem torcida é chato pra caramba.
Sim, estamos no meio de uma pandemia e, apesar de tudo, aproveitamos para nos divertir, distrair e continuar vivendo. Por pura teimosia. E porque temos esperança.
Diário de um mundo novo – dia 98
Com a volta das férias os casos aumentam. A situação hoje é muito diferente do início da pandemia, quando ninguém sabia o que fazer, faltavam leitos nas UTIs, tudo era obscuro. A quantidade de testes diários viaja alto, o rastreamento rápido e o isolamento são ações de rotina, o que permite individuar o tratamento adequado, restringir novos contágios. Como previsto, os números vão aumentar antes de voltar ao nível de vinte, trinta dias atrás. A idade média baixou para trinta anos. É o preço do verão.
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Meu prognóstico confirmou-se. O Bayern Munich venceu o PSG pelo placar mínimo de 1x0, depois de um jogo muito movimentado. Não faltaram cerveja gelada, tira-gostos e emoção. Neuer, o super goleiro alemão, deu um show. Lewandowski deve ser o vencedor da Bola de Ouro. Também prevejo resultado de campeonato de bolinha de gude e o destino de bolo de casamento.
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— Pai, o Molise não existe.
— Quê isso, filha? Claro que a região Molise existe.
— Você conhece algum molisano?
— Não...
— Viu? Nem eu e nenhum dos meus amigos conhece. O Molise não existe!
Registre-se.
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