Com a Bianca morando em Pavia por causa da faculdade, a vida social dela também mudou de cidade. Nem todos os fins de semana ela volta pra casa e, quando volta, nem sempre tem disposição para participar dos afazeres domésticos. Afinal, ela já tem que cuidar da casa dela em Pavia, fazer comida, lavar roupa... [a bem da verdade, o quarto dela na faculdade está sempre arrumado, limpo e muito organizado]. Numa dessas conjunções astrais raríssimas, do tipo que só acontece a cada novo big bang, ela recolheu a roupa do varal sem que ninguém pedisse. Dobrou cada peça e separou e dobrou cada par de meia. Como acontece vez ou outra, de algumas meias só aparece um pé. Algumas meias sem par permanecem vagabundando no fundo do cesto de roupa pra passar. Com um pincel atômico na mão, ela transformou uma sacola de papel de uma loja qualquer na sede do “Clube das meias solitárias”.
Parentes, amigos, ex-colegas de trabalho ou de
escola, a velha professora, gente simpática com quem dividimos o balcão do
bar em horas de bate-papo, a turma da praia, pessoas importantes em
algum momento da vida... Sobram apenas lembranças e cada ausência é uma perda.
Durante toda a vida tomamos decisões sem
conhecer o rumo das consequências. Esperamos que os nossos sonhos dêem certo,
que a fila no trânsito ande mais que as outras, que o prato escolhido no
restaurante seja o melhor, que o filme que assistiremos nos empolgue...
Ainda bem que a maioria das nossas escolhas
erradas permanecem anônimas. Basta um sorriso e o vizinho da mesa ao lado vai
achar que o seu prato realmente era melhor que o dele; um displicente comentário
pseudo-intelectual e o pior filme vai parecer inacessível à parca inteligência
dos outros; aumente o volume do rádio e cante junto: todo mundo vai achar que
você não se importa com o trânsito; sonhos? Bah!, podemos sonhar sonhos novos
sempre que quisermos. E se nada disso resolver, coloque as suas perdas no clube
das meias solitárias. Companhia é que não vai faltar.
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6 comments:
As vezes eu gostaria de sonhar sonhos velhos, literalmente falando. tem noites que eu sonho com amigos que se foram, com familiares queridos que já não estão aqui. dai quero sonhar de novo, em outras noites e nunca consegui. não é fácil , nessas horas, não acreditar em vida após a morte. O jeito é tentar sonhar de novo...
Allan,
as 2 filhas de minha irmã estão na Alemanha. A mais velha vai ficar e a mais nova voltará em fevereiro para terminar a faculdade. A minha irmã tem saído mais com o marido, amigos/as e euzinha. Parece que não, mesmo sem 2 moças adultas, dão trabalho.
obs.: Vc falou de maneira interessante sobre escolhas erradas anonimas, acho que omitimos de nós mesmo alguns detalhes da vida que não precisam ser lembrados.
Bjs
Allan, adorei o texto, e também temos meias solitárias no fundo do cesto!!!
Muito interessante a ideia, Alan. Vou adotá-la aqui em casa. E, não só para as meias...
Bj,
Lylia
Oi, Allan!
Quem não quer se dar bem? O mundo já é tão injusto e a lei de Murphy está aí para comprovar que coisas simples podem complicar sem o menor esforço.
As meias perdidas precisam ser lembradas, mas que não sejam achadas enroladas no motor da máquina.
Assim como as pessoas que passam pela nossa vida, elas podem estar esperando por nós em uma gaveta cheia de ímpares solitários.
Beijus,
Eu gostei muito da ideia de ter uma sacola marcada para as meias solitárias! Na verdade, querido amigo, eu acho que, às vezes, me sinto como uma dessas meias... mas, quem nunca, não é mesmo? E agora, que li essas suas palavras, como sempre perfeitas, vou tratar de prestar mais atenção no fundo do meu cesto de roupas para passar. E, quem sabe, algumas pessoas "perdidas" também prestem mais atenção e não se sintam mais tão solitárias.
Abraços, do Brasil!
Lili.
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