Monday, September 02, 2013

Lugar comum



A capacidade de observação carece de distância. É preciso olhar de fora para ter uma visão completa e esse é um dos motivos de tantos palpites errados na vida digital das mídias sociais.

De longe tenho aprendido a observar com mais atenção. Descobri que pontos de vista quase nunca refletem a realidade; são somente isso, pontos de vista. Inclusive os meus. A distância e o tempo ajudam a afinar a capacidade de discernir. Evitar lugares comuns, etiquetas, rótulos e frases feitas é somente consequência.

No início dessa nossa experiência em terras italianas, me irritava o uso excessivo de lugares comuns, como se enxergar o “copo meio cheio ou meio vazio” definisse alguém. Um dia me dei conta de que sempre fui contra a banalidade. Aos poucos fui baixando a guarda até não me importar mais (ou quase). Que cada um crie os próprios limites, desde que não precise do meu aval.

Vez ou outra me surpreendo com a minha arrogância, como quando me assusto com o uso de frases feitas por alguém de quem eu esperava mais. E quem sou eu pra esperar lucidez de quem quer que seja? A vida é muito curta. Rótulos, etiquetas, frases feitas e lugares comuns devem servir para simplificar; para dividir as pessoas em grupos e selecionar aliados e adversários, mesmo que eu não concorde com isso. Conscientes da brevidade da vida, as pessoas têm urgência em emitir opiniões, marcar território e dizer as próprias verdades. Talvez tudo aconteça com a esperança de fazer a diferença, de deixar uma marca no tempo vil e volátil, na futilidade que é a vida em tempos de Internet, comunicação virtual, avatares e desinformação orquestrada.

Continuo achando que, ao contrário das gírias, os termos inventados e as palavras adaptadas de outras línguas, que contribuem para enriquecer e manter vivo um idioma, os lugares comuns empobrecem a capacidade de criar, limitam, constrangem e levam à náusea. Na terceira vez que uma nova expressão tiver sido usada, já terá perdido a graça. Inflacionada, terá virado chatice.

Última coisa: “coxinha” não. Só consigo pensar nessa palavra ligada aos quitutes de bares e botequins, que eu adoro encher de pimenta até não mais. Coxinha me transmite uma imagem muito gostosa e não vou conseguir associar a nada de ruim. Inventem outra.
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16 comments:

maray said...

também me pego pensando que um Dante, por ex., não ficou medindo os caracteres da divina comédia. Expressou o que tinha que expressar no tempo que teve pra viver. Alguns não conseguiram acabar obras, mas duvido que tenham pensado no tempo que levaria. Já imaginou ter que pintar o teto da capela sistina com prazo reduzido? Tá bom, algum prazo deveriam ter, mas o que questiono é se a duração de nossa vida diminuiu tanto que temos que nos expressar em poucos caracteres, em frases feitas, em pensamento alheios que, pra piorar ainda mais, raramente são de quem se diz que são.
A nossa duração de vida aumentou. Muito, por sinal. Deveríamos pensar que, uma vez que temos bem mais tempo, convém melhorar a qualidade daquilo que fazemos e daquilo que sai da nossa boca.
Bom , mas isso são considerações provavelmente inúteis.
De uma velha.
Que quer fazer um monte de coisas mais na vida mas que vai continuar se recusando a operar em 130 caracteres.

Tou contigo e não abro! ( não poderia deixar de usar uma frase feita, nem que fosse só pra te arreliar ;) !
abração

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ said...

Ai que eu gostei demais do comentário da Maray.

Prefiro terminar meu comentário com uma música que eu acho que é tudo o que eu gostaria de te dizer sobre este teu texto.

https://www.youtube.com/watch?v=7VE6PNwmr9g

Depois me diz se vc gostou ou nao, rs.

Boa semana

Thais Miguele said...

Tá registrado: eu não vou te chamar de coxinha! Risóles tampouco.

Anonymous said...

E onde está nossa liberdade se não respeitamos nossas opiniões e nossos limites. Por que temos que usar o senso comum como balizador para tudo?
Apoiado!
Como sempre Allan, suas reflexões são inspiradoras. : )

Bah said...

Apesar de coxinha ser policiais, eu tenho na cabeça bem distinguida, as duas definições, até pq qq coisa com comida é difícil ter outra interpretação. Mas vc tem razão: carecemos do novo, tá tudo na verdade se transformando.

Kisu!

BLOGZOOM said...

Allan, muito bom o comentario da Maray!

Ponto de vista é algo muito particular, alem de que, muda assim como o tempo. Daqui uns anos, alguns conceitos mudam.

Embora a vida seja realmente curta, nao tem jeito, tem pessoas que querem ser diferentes e algumas são arrogantes. afff... lido com isso o tempo todo.



Beijos

Luma Rosa said...
This comment has been removed by the author.
Luma Rosa said...

Oi, Allan!
Existem dois modos de olhar à distância que carece um pouco mais de distinção, com ou sem emoção. Todas as vezes que analisamos uma situação em que estamos emocionalmente envolvidos, a análise torna-se prejudicada e somos clichês. O excesso de intimidade também atrapalha uma boa resposta - por achar que já sabemos o que a outra pessoa pensa, as conversas tornam-se curtas, automáticas e muitas vezes escasseiam. Muitos casais e amigos também conversam pelo olhar.
Trazer novidades para o cotidiano, faz-nos menos intransigentes com as pessoas. Assim como reorganizar conceitos e gavetas.
Coxinha é um petisco que todos gostam. É lugar-comum, Allan. Como faz?
:)
Beijus,

Unknown said...

Eu também tenho esta mesma lembrança quanto a palavra coxinha, sim uma coisa bem brasileira e gostosa.
Pois é, são tantas expressões, palavras e fatos que acontecem na nossa terrinha, e eu me pergunto muitas vezes o que é isso? Como assim? Não entendi.... sinto que a distância física também me afasta da língua banal na terrinha com céu cor de anil.
Um abração

Ana said...

Rótulos e frases feitas são cansativos.

Ainda não entendi bem isso de coxinha!!

Inaie said...

Frases feitas são otimas para eleavdores e vizinhos chatos.
:-)

Anonymous said...

O empobrecimento do Português reflete o processo em que vivemos, sem criarmos ou recriarmos e também indica a perda de nossa identidade nacional.
As letras de nossas canções que sempre foram belos poemas, atualmente não passam de vulgaridades, feitas por insensíveis desprovidos de sutileza, sagacidade e sobretudo consciência social.
Manoel Carlos

Lúcia Soares said...

O texto é ótimo e concordo com você.
Você escreve muito bem, Allan, está afinado quanto à sua língua pátria, ao contrário do que comentou no blog.
Seu comentário no meu blog me fez pensar. Mas sou tão rígida comigo quanto à correção na escrita da língua pátria que me sentiria, com certeza, menos atraída pela pessoa inteligente que, contudo, escreve mal. rs
Abraços.

Anonymous said...

Allan, sou adepta ao silêncio, quando em situações em que opiniões alheias são clichês. Ou, sou sarcástica, se a ocasiao exigir, ou a pessoa merecer.
Abraço,garoto

Anonymous said...

Allan, sou adepta ao silêncio, quando em situações em que opiniões alheias são clichês. Ou, sou sarcástica, se a ocasiao exigir, ou a pessoa merecer.
Abraço,garoto

www.sosimplesassim.com.br said...

Oi Allan,
Gostei muito da forma como você colocou a questão. Concordo com você.
O uso de clichês nada mais é do que o empobrecimento da nossa língua ou mesmo falta de vocabulário.
Abraço,
Lylia