Ela era uma moça do interior, a mais velha das quatro mulheres numa família de oito irmãos. Foi tentar a sorte na cidade grande e lá conheceu um jovem galante – como era o costume da época – com quem se casou. Formavam um casal muito bonito e mesmo depois que vieram os filhos, o jovem jamais deixou de lado a sua verve galante. Com as outras mulheres, principalmente. Galante e fantasioso. Fantasiava histórias, casos, conhecimento e tudo o que servisse para envolver. Profissionalmente era desorganizado e acabava prometendo o que não cumpriria. Alguém se cansou de esperar pelo que pagou e eles tiveram que mudar de cidade. Não teve jeito, o jovem acabou indo desperdiçar seus encantos na prisão.
Sozinha no mundo com quatro filhos para criar, a vida ficou difícil (a vida nem sempre é fácil). Os filhos foram morar com a avó, no interior, enquanto ela trabalhava para voltar a ter uma casa. Adotou apelido, trabalhou dobrado, riu das gracinhas dos colegas, vendeu de porta em porta, abriu caminhos e foi buscar os filhos. O peso ficou maior do que ela podia suportar e quando a situação piorou, lá se foram os filhos de novo; dessa vez, para um internato.
Marido e filhos longe, ela se reinventou. Asfaltou a própria estrada e lutou sempre, como a borboleta que luta na ventania pelo próprio destino e acaba aonde o vento quer; cantar como bailarina, rugir como dragão. Com muita luta, recolheu a ninhada nas suas asas e eram de novo uma família; perto dos filhos cantarolava distraída. As coisas começavam a caminhar quando uma doença mandou de novo os filhos para a casa da avó. Recuperada, recebeu de volta os filhos e, depois que o tempo fez o seu tempo, o marido também voltou. O casamento já não existia e deu lugar a brigas; se separaram. Os filhos cresciam e a vida nada de ficar fácil. Apesar das ventanias, ela se reinventa a cada dia.
O jovem galante envelheceu e morreu, os filhos cresceram, o tempo passou (o tempo sempre passa). Dos filhos, um estudou aqui, outro se formou acolá, todos se casaram por aí. E ela, que só queria ter a família reunida, descobriu que a vida é assim mesmo, cada um construindo a própria estrada. A única coisa que possui é o que sempre possuiu: filhos. Mas os filhos vão-se pela vida afora, vão-se pela vida adentro; simplesmente vão. Nem sempre voltam, mas aprenderam sobre bailarinas e dragões, aprenderam a cantarolar. São filhos de Maria.
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7 comments:
sim...os filhos crescem e vao embora..eu sei.mas afinal de contas, e infelizmente( :) os filhos nao sao propriedade dos pais:((( texto lindo e triste, mas é a realidade...
abraço
Que texto bonito, Allan.
Minha mãe se chamava Maria. Mas ela é quem se foi mais cedo...
Engraçado. De alguma forma, o DNA também parece ensinar um pouco sobre bailarinas e dragões.
escrevi meu texto hoje sobre filhos sem ter lido o seu. Coincidências, se é que elas existem. Ou muito amor por filhos, que eu sei que vc tem e eu tenho também. Somos todos Marias ou filhos de uma. E como é bom, né?
Ai Allan, fiquei arrepiada com este teu texto. Bonito, triste, realistico, homenagem a alguma Maria?
Talvez a todas as Marias que lutam para manter as asas empinadas durante uma ventania.
O Brasil tá cheio de Marias valorosas, chorosas, amorosas...
Abracos
Ao mesmo tempo simples e pungente.
Manoel Carlos
!!!!!
Lindo.
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