Em italiano existe uma expressão idiomática (um dito popular) que diz o seguinte: “tutto il mondo è paese!” Traduzindo, seria algo como “o mundo é feito de vilarejos”, que é utilizado quando se quer falar sobre a diversidade de costumes locais, onde quer que haja um italiano. Serve, também, para evidenciar uma característica de uma parte do mundo, numa tentativa de justificar um próprio hábito ou costume. Afinal, quem nunca se deparou com usos e costumes diferentes em uma cidade, bairro ou condomínio? Ou seja, toda comunidade tem suas próprias estranhezas.
Recentemente estive na Costa Amalfitana, Sul da Itália, e fiquei impressionado com a beleza do lugar. A UNESCO, também. Hospedado no Hotel Bacco, que também é um restaurante onde se come muito bem, apreciava o nascer do sol sobre o mar, oitocentos metros abaixo da minha janela. Claro que nunca mais voltarei em Furore, a cidadezinha onde se encontra o hotel e que tem dois slogans: “a cidade que não existe” e “a cidade pintada”. A cidade realmente não existe. É apenas um punhado de casas, igrejas, poucas lojas e a prefeitura, espalhadas e penduradas em um penhasco vertiginoso. E é esse o motivo que me impedirá de retornar. A estradinha sinuosamente sinuosa (captou?) tem muitas curvas de 180 graus sobre o nada, um vazio de 800 metros antes de atingir as rochas lá em baixo. Os estudantes que desciam de ônibus até Amalfi às sete da manhã estavam habituados ou sonâmbulos, diante da frieza do motorista que raspava a rocha de um lado e o murinho cheio de remendos, cruzes, flores e imagens de santos do outro lado. Eu me preocupava com a volta, numa premonição do retrovisor quebrado e de dois outros sustos durante o caminho de volta.
A cidade de Amalfi – uma verdadeira pérola – está, sim, nos planos de uma viagem mais longa. Felizmente ao nível do mar, a cidade é cheia de tradições, lendas, uma arquitetura tão interessante quanto antiga e uma gastronomia de fazer inveja.
Como Furore era originariamente habitada por amalfitanos exilados, existe um certo bairrismo entre os dois lugares que não chega a comprometer a convivência. Furore depende de Amalfi para quase tudo e as duas cidades estão apenas a oito quilômetros de distância entre si. Mas os costumes são diferentes e não ouse chamar um furorense de amalfitano. Amalfi e Furore fazem parte da província de Salerno. Pouco acima de Furore existe uma outra cidade, Agerola, que pertence à província de Nápoles. E aí a coisa se complica: Agerola e Furore são separadas por apenas 3 quilômetros e muitos costumes são comuns, mas um salernitano não admite ser confundido com um napolitano e vice-versa.
Nem mesmo as simpáticas e (às vezes) elaboradas pinturas nos muros e casas de Furore servem para amenizar o ranço entre os vizinhos. Os agerolanos costumam dizer que as pinturas são para informar que se está “de passagem” por Furore, em direção a Agerola, pois em Furore é quase impossível estacionar. A estradinha, além de sinuosa, é estreita e as casas foram construídas em um período em que se subia e descia em lombo de burro. Bicicleta? Nem pensar! Quem iria pedalar até lá em cima?
Apesar da insistência para que não nos aventurássemos, fomos experimentar a pizza na pizzaria La Selva, em Agerola, sob o protesto dos funcionários do hotel que nos advertiam sobre uma cozinha diferente. Demos de ombros e dissemos sorrindo: “tutto il mondo è paese!”
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