Thursday, August 26, 2010

O medo da dor

Errar é humano, persistir é diabólico. Considerando os devidos descontos obrigatórios em casos de generalizações, uma das características que mais diferencia italianos e brasileiros da classe média e média-baixa é a certeza de não passar pela mesma experiência negativa duas vezes.

Um brasileiro com um projeto em mente irá tentar levá-lo adiante mesmo em situações adversas. Pode fazer modificações, concessões e abrir mão de parte das conquistas, mas fará de tudo para ter sucesso com seus planos, ainda que sob a ameaça de não decolar nunca. No caso de tudo dar errado, não se exclui a hipótese de tentar novamente em uma outra oportunidade, ou com um outro projeto. Um italiano, ao contrário, irá elaborar um marketing plan, estudar a viabilidade e as chances do projeto emplacar; terá anotado conselhos, estudado o mercado, consultado quem já está no ramo e, se possível, levar toda a papelada (porque eles não fazem nada sem uma papelada enorme) a ser avaliada por um consultor. Uma vez iniciado o empreendimento – abrir uma banca de jornal, fornecer torta caseira aos bares da região ou montar uma fábrica de barcos – caso os planos não produzam os efeitos esperados no tempo previsto, é até possível que o empreendedor italiano insista por algum tempo, mas já estará procurando alguém que assuma o pepino para que ele possa cair fora, provavelmente voltando a trabalhar como empregado num escritório qualquer.

É deselegante e triste fazer tal afirmação e recordo que alertei para os descontos da generalização, mas é a realidade local. Conheço muitos italianos que tentaram colocar em prática o próprio espírito empreendedor, não tiveram sucesso e prometeram não tentar nunca mais. “Nunca mais!”, assim, com ponto exclamativo. É mais provável que um italiano tenha sucesso com o seu hobby, que um dia se torna um segundo ofício até tomar todo o tempo e se transformar em um empreendimento que sobreviva. Se o resultado econômico for pelo menos igual ao que havia antes, já será considerado um sucesso. Afinal, quem não escolheria viver daquilo que realmente gosta de fazer?

O problema é que percebo esse mesmo comportamento no dia a dia, na vida social, pessoal e afetiva. As segundas oportunidades são raras, ninguém se dispõe a correr o mesmo risco com a mesma pessoa. Muitas vidas são marcadas por um mal entendido ou por uma falha pouco mais que insignificante. Mesmo nas raras ocasiões em que uma segunda chance é concedida, o clima fica pesado e a pessoa acaba desistindo por sentir-se eternamente vigiado, tendo que dar explicações a cada momento. Palavras como empatia, perdão, compreensão e solidariedade são meros termos nos dicionários. E então eu me pergunto: se nenhum governo italiano concluiu o próprio mandato desde 1994, por que são sempre os mesmos políticos a se elegerem? 

Não respondam. É somente um desabafo retórico.

10 comments:

Juliana Rossa said...

Allan, vc pediu para não responder porque a resposta é tão óbvia,né?
Ótimas observação suas, como sempre.
Abraço!!!

Anonymous said...

A intransigência não começa na falta de perdão, mas na não aceitação das diferenças.

Sabe que a cada ano fica mais difícil votar, aqui no Brasil? Há muitas eleições já deixou de ser a escolha de Sofia, para isto, precisaríamos melhorar muito.

Manoel Carlos

maray said...

não sei da situação aí, mas aqui acho que vc tende a "cor-de-rosar". A gente também tem pilhas de papelada pra tudo, o que passa é que ninguém leva a sério, na perspectiva de que, se necessário for, se engraxa a mão do funcionário. Esse é o plano. O plano B é que é fazer a coisa formal, no papel.
Quanto à política...melhor nem falar. Vou de Marina mas é triste ver a intenção de voto nela e a anãlise das propostas, que simplesmente não há. O país se acaba com as queimadas e inundações, a seca e o calor, mas discutir a sustentatabilidade é quinhentas vezes menos interessante do que a contratação do técnico da seleção. :(

myra said...

sera retorica, mas que bem descrito, e que bom observador voce é!!!
um gde abraço

Lenissa said...

Olá olá olá! A programação tá pronta, mas a correria anda solta por aqui pra estar tudo prontinho pro dia 10 de setembro. Dia 11 chego à Cidade Luz, e só no dia 23 deixo a França em direção a Veneza, na querida Itália! É nesse dia que pode ser que possa fazer um pit-stop em Piacenza, mas seria coisa rapidíssima! Considerando que é uma quinta-feira fica tudo complicado, ou não? Adorei a explicação do Farragosto, meu livro de italiano fala resumidamente só da parte da Sta Maria. Abraços

Lili Detoni said...

Sem mais comentários, adorei a postagem e me fez refletir profundamente.
Grande abraço!
Lili.

(aliás, é impossível não comentar suas postagens!)

Claudia Souza said...

Oi, Allan, vou me deter sobre o último parágrafo pois há pouco tempo vivi aqui na Itália uma situação assim, mas com uma (ex)amiga brasileira! Será que os brasileiros que vivem aqui há muito tempo vão adotando características tão italianas ou será que negar uma segunda oportunidade, perdoar, ter compaixão é um comportamento comum entre os dois povos? Realmente, foi a primeira vez que vivi algo assim na vida, e aconteceu aqui, mas como disse a pessoa em questão é brasileira. Assustador. Você se vê impedido de errar, e errar é a coisa mais humana que existe. Tenta conversar, tenta se entender, mas acaba desistindo mesmo, como você falou. Coisa triste de se viver viu. Desculpe, também fiz um desabafo retórico rsrsrs Beijos!

Claudia Souza said...

Que bom que você gostou do novo site-blog, também estou gostando muito! Venha nos visitar sempre =)
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Pois é, acho que um certo "mimetismo" faz parte do processo de imigração e existem pessoas que levam isso ao pé da letra, como se pra viver na Itália precisassem "se tornar" italianos: tentam esconder o sotaque brasileiro (eu prefiro manter a minha cadência, embora me importe em falar muito bem o italiano, inclusive pronunciando as doppie rsrsrs), mudam o modo de vestir, preferem conviver com italianos, começam a adotar comportamentos diferentes, etc. Tudo isso pra mim é sinal de insegurança, normal em quem emigra. Eu procuro estar sempre atenta pra manter a minha identidade brasileira, mesmo se, claro, sofrendo muitas influências daqui (umas até muito boas, devo dizer, outras nem tanto). Mas enfim, viver situações negativas de relacionamento é sempre tristíssimo, principalmente se envolve afeto. Mas depois a gente percebe que não dá pra ser unânime hehehe Nossa estrada é sempre cheia de perdas e ganhos! =) Ando me esforçando pra aceitar isso com serenidade.
Beijos!

ERICA RITACCO said...

Caro, ótimo post, mas acho que no Brasil muitas coisas também vão por esse lado. A verdade é que o ser humano é muito parecido seja em suas características positivas, seja nas negativas. Eu cheguei na Itália ha apenas dois anos e estou me adaptando, mas admito que muitas vezes me vejo elogiando o Brasil e criticando a Itália e o modo de agir dos italianos, principalmente no ponto de vista de trabalho. E eu nem sempre vejo que no Brasil as coisas não são tão diferentes assim. É claro que você deve ter seus motivos para fazer essas observações, que aliás são pertinentes, mas nós (individuos) somos assim. Em outro aspecto concordo plenamente com a Claudia Souza, será que os brasileiros que vivem por aqui não se transformam um pouco também? Bem, infelizmente eu acho os italianos muito acomodados. Não os vejo como pessoas muito dedicadas e que buscam fazer o que sentem prazer, principalmente naquilo que diz respeito ao trabalho. As pessoas que conheci por aqui (cultas e estudadas) não se interessam por aperfeiçoamento na profissão ou em uma língua. Elas deixam rolar. Eu no Brasil trabalhava como uma louca com jornalismo, fazia curso de inglês de noite e cursos rápidos de especialização de sábado. Aqui muita, mas muita gente se levanta da cadeira meio dia e começa girar no escritório até às 13 horas para esperar o horário do almoço.Deixam claro que não têm estímulo no trabaho e eu os critico muito, mas será que é assim somente aqui?

Annita said...

Parabéns pelo post!!
Estou vivendo uma situação parecida... tenho planos e faço projetos, mas os vejo serem bombardados continuamente até que eu desista e deixe o barco afundar! Acomodados, sem estimulos ou ambição, não querem melhorar, não arriscam... assim é a maioria dos italianos que conheço! Enquanto no Brasil meus amigos continuam estudando, fazendo cursos de aperfeiçoamento, atualizando o curriculum, etc - ainda que em alguns casos isso não sirva.

Quanto aos brasileiros... é triste dizer mas a palavra de ordem é "inveja" e "passar a perna". Como se fosse um tipo de competição e auto-afirmação, com a preocupação em ser melhor que o outro. Por isso, devo dizer que fico sempre com um pé atrás... porque infelizmente tem sempre um brasileiro querendo passar a perna em você! Acho que deveríamos ajudar uns aos outros, dar apoio e força. Não é estranho que se comportem assim?
Abraços :)