Jornalista: “Davide Rebellin, como você se sente tendo conquistado a primeira medalha italiana nestes jogos olímpicos?”
Rebellin: “Infelizmente não consegui o ouro e a medalha de prata tem um gosto amargo…”
Jornalista: “Faltou perna?”
Rebellin: “Faltou vencer a corrida…”
Jornalista: “O que você poderia ter melhorado? Qual foi a falha…? A tática, talvez?”
Rebellin: “Não, Não. Eu não errei nada: a tática estudada pela equipe foi correta, fiz tudo certo, estava me sentindo ótimo, o sprint foi no momento justo… O que aconteceu foi que, apesar de eu ter dado o máximo, o Sanchez foi melhor do que eu e ganhou a corrida.”
Mesmo Jogos Olímpicos, outra entrevista. Dessa vez o jornalista encontra alguém sem tanto fair play, em sintonia com o modo tão apreciado pela imprensa italiana.
Jornalista: “Pecado, Anastasi. Faltou sorte?”
Andrea Anastasi: “Sim, faltou sorte. Tínhamos tudo para vencer o time do Brasil e passarmos à final. Com o problema do Corsano no último treinamento e a contusão do Mastrangelo durante o jogo, merecíamos ganhar a medalha do azar. Algumas falhas nossas… Que pena! Poderíamos estar na final.”
Os Jogos Olímpicos de 2008 mal terminaram e muita gente já começa a se preparar para 2012, em Londres. Quem se privou de festas, jantares, cinemas e tudo o que caracteriza o estilo de vida dos nossos tempos; quem passou uma juventude de sacrifícios e treinamento pesado; quem teve que se contentar em não ser o número um e, na maioria dos casos, não ser nem mesmo o número cem; quem suportou e suporta a arrogância de alguns concorrentes melhor classificados; quem viu o sonho e o resultado de anos de esforço ser vanificado em segundos e não desiste. Apesar das dificuldades, quase todos se prontificaram a repetir a dose daqui a quatro anos. Coisa que só um esportista – ou ex, como no meu caso – consegue entender.
Apesar de todas as mudanças, ainda gosto dos Jogos Olímpicos, que considero um evento social muito antes de ser um evento esportivo. Acredito que o tal barão era tremendamente sarcástico. Onde já se viu ‘espírito olímpico’? Soa como consolo aos perdedores, o que inclui todos os que alcançaram qualquer resultado diferente da medalha de ouro. Quem vai aos Jogos espera ganhar, vencer, como na antiga Grécia, onde os vencedores eram tratados como sultões. E sabe que haverá uma nova oportunidade em quatro anos. Só terá que se matar um pouco mais no anonimato dos treinamentos, sob os berros de um treinador.
Não, o esporte não é uma parte importante na minha vida, a menos que se possa considerar esporte alguns hábitos bizarros… Deixa pra lá. Mas existe quem deve tudo ao esporte e a ele se dedica profissionalmente e com empenho. Considerando que o esporte é um espectáculo por nada amador; considerando que todo atleta de alto nível, ou promessa de sê-lo, tem um patrocinador; considerando que a maioria dos atletas procuram dar o máximo para atrair a atenção de milhões de espectadores no mundo inteiro, não vejo sentido no preconceito contra atletas profissionais e também não entendo algumas regras dos Jogos Olímpicos.
Se o time de basquete dos EUA pode convocar os milionários da NBA, por que as outras modalidades devem ter limites, como a idade no futebol? E por que quem pratica esporte profissionalmente é tão criticado? Ou isso vale somente para algumas categorias, como os jogadores de futebol? Se bater bola no fim-de-semana é considerado uma diversão, opção de lazer ou um meio para se manter em forma, então, ser pago por isso deveria ser considerado genial. Assim como músicos ou atores, os atletas profissionais possuem um talento – que eu não possuo – que atrai milhões. Por que não podem receber salários de estrelas se são estrelas?
Não, os eventos esportivos já não possuem a força de parar as guerras e toda essa exposição midiática serve a ocultar o que nos incomoda enxergar. Aliás, a TV italiana não cumpriu o seu papel e provocou raiva em muitos espectadores, insistindo, por exemplo, em mostrar a atleta italiana dobrando a roupa para pôr na mochila enquanto acontecia uma competição importante na pista. O maníaco por esportes que não possuía TV paga, acabou indo parar no hospital com úlcera nervosa.
Apesar das críticas, os Jogos Olímpicos continuarão atraindo milhões de espectadores, que se emocionarão com o atleta do pequeno país chegando por último, preservando o tal espírito; o nosso hino, que nenhum organizador ousará tocar inteiro – e ninguém se assustará por isso (por que não mudá-lo de vez?); haverá sempre uma ginasta que se apresentará maravilhosamente bem, mas que acabará cometendo um erro grave e ficará sem medalha; o novo record e a nova estrela a ser osanada antes mesmo do final dos Jogos, correndo, saltando ou nadando. Quanto ouro… Terão o mesmo fim dos concursos de misses?
Pensando bem, vocês deveriam me agradecer. Eu poderia ter virado um ator, cantor ou atleta. Quem sabe, eu sairia por aí disseminando opiniões pouco sérias, aproveitando da minha posição para promover campanhas pagas e ainda reclamaria de patrulhamento; os obrigaria a escutar a minha voz desafinada em elevadores, táxis e supermercados; daria entrevistas na terceira pessoa e me esforçaria para ajudar meus companheiros. E vocês teriam que aturar.
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8 comments:
Allan, vc acredita que nao assisti a nenhum dos jogos e nem a abertura?
Boicotei mesmo. Nao tenho estômago de avestruz para assistir a tantas encenacoes. Tantas mortes antes dos jogos comecarem e depois sentar-me no sofá da minha sala para assistir a tudo isso.
Bom fim de semana
Como tudo na vida (argh!gostaria de ser menos relativista), há os dois (ou mais?) lados da moeda: encenação x espírito olímpico; patriotismo x patriotada; glória x esquecimento... Há uma 'estética' valiosa nos Jogos Olímpicos, muito mais que uma ética, mas o que seria da vida sem estética?
Seu post me fez pensar e quase digo que concordo com in totum, quer dizer, de cabo a rabo.
Nesta olimpíada, envergonhou-me profundamente o comportamente da maioria dos jornalistas brasileiros. Nossos trepidantes repórteres esportivos procuravam cabelo em ovo, o importante era desqualificar a China, o povo e o país.
Depois do desempenho pífio, cada medalha era tradada como se fosse a glóra do Brasil.
Se os EUA fossem bons em futebol, haveria de praia, de salão até disputa de pênalti e embaixadinha, como na natação, quem ganhar todas medalhas da natação já será primeiro lugar.
Allan, na verdade nem pensava em comentar, mas você não nos deixa indiferentes ao que escreve. Eu vim mesmo para agradecer suas palavras amigas e solidárias.
Manoel Carlos
É muito cedo ainda, mas a idéia não está descartada...
abraço!
Querido, ainda bem que você escreve e não canta, rsrsrs. Brincadeiras à parte, gostei do seu post e concordo com tudo que você escreveu.
Beijocas
Ops, saiu no nome dela...
abraço!
Oi Allan, sinceramente não assisti as olimpiadas. Vi que a Itália conquistou ouro na esgrima e fiquei feliz com a vibração da italiana. Torci pelo voley feminino, mas não deu e o masculino paga o preço de uma renovação. Mas é assim mesmo.
Já fui atleta, e sinceramente ficava péssima quando perdia um jogo. Passava dias com aquilo na cabeça e animar-se depois de uma derrota era duro e difícil. Mas vamos abraçar o tal do espirito olimpico (credo).
Nunca entendi essa de o importante é competir. Não mesmo. Hoje só jogo basquete por prazer, gosto de arremessar a bola na cesta e nada mais. Estou com uma luxação no braço por isso (rs). Mas amanhã melhora, sempre melhora.
Abraços meus
Rebellin: “Faltou vencer a corrida…” (hahahahahahaha)
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