Eu moro em Piacenza e Piacenza fica na Planície Padana (Pianura Padana). A característica da Planície Padana é ser do contra. Não me refiro à atitude das pessoas, mas ao clima. No verão, os ventos que sopram por toda a Itália não refresca a região, que, úmida, torna a vida um inferno. No inverno, a neve que alegra turistas e paralisa tudo, deixa um círculo limpo e úmido em torno à cidade. Primavera? Onde? A temperatura fica oscilando entre os 28 ºC e 2 ºC, matando as flores e os pernilongos que se aventuram nesse período.
Há alguns dias uma chuvinha chata tem frustrado os planos dos primeiros pic-nics da temporada e vem azedando o humor piacentino. Chuva mesmo, com relâmpagos e trovoadas, aquela que vira um toró de alagar as ruas e deixar em pânico a Defesa Civil, só vi uma três ou quatro em quase nove anos. O normal por aqui é aquela chuvinha que não pára por dias, ou fica se alternando com momentos de sol opaco. Como em todo fim de verão, no início de setembro haverá uma chuva de granizo tão intensa, que as estradas ficarão paralizadas por algumas horas.
Piacenza fica apenas a 68 metros acima do nível do mar. Anos atrás um político sugeriu que se abatessem algumas montanhas, para fazer com que o vento do mar escoasse pela Planície Padana. Foi a carreira política mais breve da região. Mas eu entendo, a Planície Padana é circundada por montanhas. Partindo do nordeste, percorrendo todo o norte da planície até o sudoeste, estão os Alpes; onde estes terminam começam os Apeninos, que ocupam todo o sul até quase todo o leste, deixando apenas uma única saída em direção ao mar Adriático, no extremo leste da planície. Olhando do alto (ou do Google Maps) as montanhas formam um “U” em volta de Piacenza e região.
Os camelôs africanos, que durante o ano vendem bolsas e cintos de grife falsificados, sempre de olho na chegada da polícia, enchem os bolsos no período das chuvas vendendo guarda-chuvas e sombrinhas a preços irrisórios. A vida útil do material também é irrisória. No período de chuvas seguinte, lá estarão eles vendendo a mesma mercadoria aos mesmos passantes. Apesar de comprarmos sombrinhas e guarda-chuvas em quantidade superior às nossas necessidades, quando chove descubro não haver nenhum guarda-chuva disponível e saio desprovido até o primeiro camelô. Tendo absorvido a ironia dos italianos, o camelô tem sempre uma piadinha pronta sobre a minha banhada condição.
Mais alguns dias e o clima muda, trazendo temperaturas saarianas e provocando um arrependimento pelas imprecações primaveris. O verde cobrirá as árvores hoje tímidas; as sorveterias oferecerão uma infinidade de sabores; um colorido de flores e pássaros irá invadir os dias ensolarados; o perfume e a algazarra da primavera finalmente transformará o clima em festa e os pernilongos poderão invadir tudo calmamente. Calmamente os policiais caminharão, para que o camelô tenha tempo de recolher a mercadoria.
Quando esse período chegar, vou fazer uma oferta pelo estoque encalhado de guarda-chuvas de algum camelô. E esperar que na próxima temporada de chuvas eu possa, finalmente, caminhar pela chuva sem encharcar-me. Com um guarda-chuva todo meu.
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12 comments:
Mais do que ler seu post, viajei nele e encharquei-me de suor sob o clima úmido e quente de Piacenza. Molhei meus calçados, lancei imprecações contra os pernilongos e, duvida?, comprei dois, dois!, guarda-chuvas. Seus textos têm este poder: teletransportam-me do outono belorizontino para um cantinho da Itália...
Olha, o jeito vai ser escapar pra um churrasco em algum lugar com sol. O problema é chegar lá pela estrada que anda cheia daqueles comedores de batata malucos que se divertem em jogar carros esportivos na água.
Allan,
Estou tomando a liberdade de enviar um comentário padrão para todos os blogs que eu amo de paixão. O motivo é que resolvi encerrar o meu blog por motivos pessoais. Não tenho mais condições de participar da blogosfera do jeito que eu gosto, mas não vou ficar para todo sempre distante. Por favor, leia o meu último post que explica a minha razão.
Beijocas
Yvonne
Bello mio, posso fazer inveja? a temperatura em Paris esta pra la de agradavel, o sol esta lindo, tudo esta claro, flores de todas as cores por todas partes, as pessoas tiraram a carranca infeliz e colocaram a fantasia de verao, alegria e sandalias de dedo. Eu como eles estou feliz.
Um grande abraço
Allan, tô levando um dos seus guarda-chuva por estar chovendo demais por aqui, rs.
Nao se assuste, para estes lados o sol nao chega nao. Ele prefere ficar no Brasil.
Boa semana
Ciao Allan , era da un pó che non facevo un giro da te , ottimi i tuoi ultimi post...Sei que o clima piacentino é um pesadelo , por isso tbm agradeço por ter nascido na minha valle! Abraços
Eu sou da teoria que guarda-chuva e canetas Bic não são propriedades individuais. São pra ser usados e largados até outro qualquer pegar e usar e largar e assim por diante...entende? Uma corrente. Infelizmente eu devo ser o primeiro elo dessa corrente, porque só me vejo comprando uns e outras e nunca acho quando procuro.
Talvez devesse mudar minha teoria mas é que eu me apeguei a ela :)
Temperaturas saarianas foi ótimo...E o teoria de Maray aí acima tb eu adorei, a de que guarda-chuvas e canetas bic não deveriam ser propriedades privadas.
Abraços
Oi Allan,
Eu detesto chuva e o friozinho que ela traz. Apesar disso eu entendo que ela é necessária a nossa sobrevivência.
Quanto aos camelôs ... Em São Paulo í igualzinho.
Elvira
Indico um textinho meu sobre o tema para vc, Allan: http://incautosdoontem.blogspot.com/2008/03/as-guas-de-maro-e-o-camel.html
Espero q sirva para diverti-lo. Abraços.
Lembro-me que quando estive em Piacenza para um trabalho sobre clima houve uma explicação para isso, mas alguns colegas saíram dizendo que lá era o circolo do inferno.
Abraços meus
Só me divirto! Aqui em Nettuno e em Roma, a mesma coisa sobre os camelôs. E Maray, não se desfaz da sua teoria, ela é corretíssima!!!
Aliás, tenho uma amiga que tem uma mania estranha: roubar guarda-chuva... Olha aí!
Claro que ela não considera roubo! Ela considera uma troca, deixa o dela e pega o do outro!
Beijos! Rosa
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