Friday, December 08, 2006

A Culpa É Dele

Todos os anos, a partir de setembro, acontece a guerra dos calendários na Itália. As moças e menos moças que fizeram sucesso na tv durante o ano passam parte do verão em alguma praia, acompanhadas de fotógrafo, equipe de produção e pouca ou nenhuma roupa, em busca da foto perfeita. Em seguida começa a batalha para divulgar o trabalho e conquistar a preferência nas paredes de oficinas, borracharias e repúblicas de estudantes. Quer dizer, para conquistar um segundo lugar de honra, por que o campeão histórico e imbatível é o calendário Dele – assim, em maiúsculo.

Mussolini foi o “Pai dos pobres” da Itália. As suas decisões mudaram não apenas o rumo político do país, como também se entranharam nas recentes tradições culturais desse povo voraz por novidades e pizzas. O efeito da proibição de usar termos estrangeiros, porém, é algo que põe em dificuldades turistas incautos e imigrantes desavisados (é a primeira vez que usoincautos” e “desavisadosassim tão próximos). Se, por um lado, o italiano adota termos ingleses numa velocidade impressionante, por outro lado não consegue se desvencilhar dos equívocos cometidos no passado e continua a repeti-los. Buyer, computer, know how e devolution são palavras que pertencem ao vocabulário cotidiano e podem ser encontradas em dicionários da língua italiana, numa demonstração de que a língua vive e se transforma.

A língua que surgirá será diferente do inglês e do italiano de hoje. Apesar de usar com frequência palavras em inglês, o alfabeto continua sendo o italiano. Assim, know how soa noáu, ignorando solenemente a pronúncia inglesa do H. Hollywood é ólivúd, porque o W em italiano é um duplo V. E assim por diante. O fato do alfabeto italiano não conter as letras J, K, W, X e Y, torna tudo mais complicado.

Esse mesmo povo jura que foi Carlo Marx a escrever “O Capital” e conta com a simpatia da rainha da Inglaterra, que se diverte em ser chamada de Elisabetta, em ser casada com o príncipe Filippo e mãe do Carlo, quando na Itália. Mas se chatearam quando falei pela primeira vez sobre Nero ou Colombo, que na realidade se chamavam Nerone e Cristoforo. não consegui convencê-los de que Oscar (o “mão-santa” do basquete) não se chama Óscar. E tive que fingir entender quando minha amiga me falava sobre internet e disse-me que pesquisava algo no gógle e que eu lhe mandasse um e-mail ao seu endereço no iáo. Levei o mesmo tempo para entender que você.

Poderia escrever uma carta somente sobre a música, mas decidi poupar papel e tinta e evitar polêmicas. Pegue o cd ou o vinil do Chico Buarque e leia os créditos da músicaMinha História”. Você vai descobrir que os autores são, na realidade, Lúcio Dalla e Mogol. Provavelmente você jamais terá ouvido a versão original e ficará pensativo sobre o fato de ter escutado tanta música italiana no rádio e ter ouvido “Gesú Bambino” na versão do Chico (que eu prefiro). A diferença é que na Itália muitas músicas que fizeram sucesso em todo o mundo jamais foram tocadas nas versões originais, mas somente nas versões italianas. “Hotel California” e “Rain drops keep falling on my head” em versão italiana são de matar. Do mesmo modo, no cinema todos os filmes são dublados.

Assim, se você vive na Itália ou estuda a cultura ou a língua italiana, pode ir aprendendo outro hábito desse povo alegre e despreocupado: o de botar a culpa em alguém e resolver o problema. Quando tiver dificuldade em entender o inglês macarrônico deles ou se assustar com a mania de italianizar o nome de pessoas ainda vivas, pense apenas “a culpa é do Benito”. E vá em frente.

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20 comments:

Anonymous said...

O mais engracado era ouvir nas aulas de italiano os professores dizerem q a lingua italiana tinha um vocabulario riquissimo. Pode até ser verdade, mas nao entendo se é tao rico assim pq eles usam dessert pra sobremesa, popcorn, para pipoca, weekend para fim de semana entre outros exemplos, q nao sao poucos. Quem entende?

Anonymous said...

allan :)
essa tal guerra dos calendarios eh hilaria! kkkkkk

putz, adoro qdo vc conta essas esquisitices dai :PPP

beijocas
:**

marcelo said...

E o "www" que é "vuvuvu"?

muito engraçado, muito engraçado

abraço.

Yvonne said...

Allan, muito interessante essa tendência dos italianos. Na França também teve algo do tipo há pouco tempo. Não sei se ainda as palavras estrangeiras continuam sendo proibidas. É um baita preciosismo. Beijocas

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ said...

Oi Allan, tudo bem?
Dei muita risada com seu texto. Acho que todos os países puxam a sardinha para o seu lado. Aqui na Alemanha tb tem dessas coisas.
O "V" é "fau", tanto é que soletrar o nome da minha filha fica: Fau-i-fau-i-a-n-e (Viviane)
O "W" é "V" e tantas outras coisas. Enfim, cada um com o seu cada um, pois isso é que faz a diferenca. Espero sua visita.

Um grande abraco e Tschüß ao invés de Tchau. kakakakakakaka!!!!

Anonymous said...

Itália e Espanha podem se dar as mãos - são culturas e hábitos parecidíssimos. Só que na Espanha a culpa é do Franco. :-)

Brasiliano said...

Depois de 3 anos aqui continuo ouvindo das mesmas pessoas que vejo todas as semanas: - Mà..com'è il tuo nome in italiano? In italiano come si dice? Sarebbe?? Che vuol dire? Porra, cacete! Meu nome è Cleber! Nao existe uma versao italiana do meu nome! Ahh...Klèber come i pneumatici!!
èèèè...tà bom vai.....como voce quiser.

Anonymous said...

Interessante e diferente, em outras épocas diria ser bizarro essa guerra de calendários, mas creio que o bicho homem é tão esquisito que o máximo que faço agora é rir....

BeijUivoooooooooosssssss da Loba

Anonymous said...

Como disse o Manoel, no Brasil também havia essa tendência ao aportuguesamento. Tanto assim que me lembro de minha mãe chamando o personagem de Disney de Pato Donáldi...

Anonymous said...

hhaammm... É Yahoo??? hahahahahahahahaha

Anonymous said...

hahahahaha não sabia da falta das letras e da falta que as letras fazem. Deve ser um drama terrível aí!
Beijus

Anonymous said...

Oi,

Guerra dos calendários dá tema pra filme... Comédia das boas !

Realmente, esse Benito !!!

Abraço,

Anonymous said...

Oi,

Guerra dos calendários dá tema pra filme... Comédia das boas !

Realmente, esse Benito !!!

Abraço,

Lucia Malla said...

Sensacional saber desses detalhes da língua italiana. Os anglicismos italianados eu adorei, mas imagino que devem ser uma bela barreira a quem chega de primeira ao país. Bjs.

analise ia said...

deve ser engraçado italiano dizer corrupto!

Anonymous said...

Allan,

Em fevereiro estarei chegando a terras de Itália. Vou cursar filosofia na Università degli studi di Padova por quatro meses. Estou me esforçando pra aprender Italiano e tentando fazer um caderninho com essas diferenças culturais pra não ter um choque muito grande quando aterrizar por aí...

Abraços

Anonymous said...

Adorei o texto, estou lendo um por dia, mas tenho de me controlar, juro, tenho vontade de ler muito mais! Disciplina é meu lema agora...kkkk...
Abraço para vc!

Allan Robert P. J. said...

Rosa,

Que bom que você se diverte! Espero que continue se divertindo.

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Verdadeira Italia said...

Italianos sao estranhos e essas curiosidades sao bizarras e nos fazem pensar quando falamos mal do Brasil. Umas sao divertias.Alias, brasileiro ama falar mal do Brasil.

Enfim, infelizmente somos muito parecidos com italianos em vez de nos identificarmos como povos mais evoluidos como do norte da Europa.

Pra quem vem pra Italia,estude italiano porque ingles nao adianta pois eles nao estudam e se prepare para o preconceito.

Druida.

Verdadeira Italia said...

Pra quem vem pra Italia prepare-se estudando italiano porque ingles eles nao sabem e encarar uma boa dose de preconceito.

Esses calendarios lembram a nossa playboy. A playboy deles aqui é bem fraquinha.

Druida.