Monday, December 19, 2005

Tudo Pelo Social

Caros e Caras,

Paz e saúde!

Em Agosto de 1996, sofri um acidente que um pino no tornozelo direito não me deixava esquecer. Nem as dores na época de frio e antes das mudanças do tempo. Noutro dia, um amigo que adora esquiar entrou no escritório quando uma pequena pancada me fez levar a mão ao tornozelo e gritar. Ele, que não tinha visto a pancada, mas somente a minha reação, olhou-me e exclamou: “Oba! Neve!”

Em novembro de 2002, fiz uma artroscopia (retirada das calcificações que se formaram em torno da fratura) e uma pequena cirurgia para a retirada do pino. Fiz fisioterapia e por um ano ia à piscina ao meio-dia para exercitação na água. Pagava €$ 230,00 de anuidade para ter direito à piscina e à academia de um dos muitos complexos esportivos municipais. Mais €$ 26,00 de exame médico. Também é possível fazer uma assinatura por um ou dois meses, ou por quinze dias. Ou pagar €$ 3,50 a cada vez que se vai. Sem burocracia: você chega na portaria, paga, retira o comprovante, vai se trocar no vestiário e está pronto para a piscina. Se quiser, pode alugar um armário para deixar suas roupas. No caso da assinatura anual, o armário é grátis. No inverno, a piscina é coberta, a água aquecida e o aquecimento do ambiente constrói uma cena surrealisticamente tropical: a neve cai do outro lado da parede de vidro enquanto você sua do lado de dentro.

Todos podem frequentá-la, sem distinção de cor, raça ou nacionalidade. Mas deficiente físico não precisa pagar. E conta com a ajuda atenciosa dos salva-vidas, assim como dos instrutores na academia. E se não tiver como se locomover até a piscina (ou qualquer outro complexo esportivo) basta ele se cadastrar na prefeitura que um furgão irá buscá-lo em casa. Sem pagar nem um centavo de Euro.

O mesmo serviço de transporte gratuito serve também para quem deve fazer fisioterapia, ir a consultas e tratamentos e não tem condições de dirigir ou pegar ônibus. Ou, aos mais idosos, para cumprir a rotina diária pela cidade, especialmente no centro. Inclusive para pequenas distâncias.

As centenas de instituições filantrópicas que atuam de forma direta no quotidiano de muita gente, mostra a preocupação com o bem-estar dos menos afortunados. A Caritas recolhe roupas, remédios e brinquedos em bom estado para distribuir nas áreas pobres e na Africa; a Cruz Branca faz transporte e atendimento aos portadores da Síndrome de Down; existem, ainda, a Cruz Verde e a Cruz Roxa, além da tradicional Cruz Vermelha. Tem uma entidade que recolhe bicicletas usadas, as conserta e envia para países como Burquina Fasso.

As iniciativas individuais também ocupam grande espaço nessa filosofia. Várias pessoas que conheço participam dos programas de adoção à distância e ajudam a sustentar crianças no Brasil, em lugares como Picos, no Piauí ou nas favelas das grandes cidades. Os mais jovens podem declarar objeção de consciência para não prestar o serviço militar, mas deverão cumprir o mesmo período com serviços civis. Normalmente são serviços como trabalhar no refeitório de alguma entidade. E muitos continuam voluntariamente depois do período obrigatório.

A mídia oferece amplo espaço às ações dos órgãos de pesquisa médica. Tem sempre alguma vendendo bonsais, flores ou laranjas “em todas as praças do país” nos fins-de-semana. E olha que tem um monte de praças por aqui. Haja voluntário.

Recentemente um amigo esteve no Brasil pela primeira vez. Voltou encantado com a geografia e a gentileza do nosso povo. E especialmente apaixonado pela geografia de uma mulata que conheceu em Fortaleza. Mas também se assustou com a pobreza e a sensação de que ninguém faz nada. Tive uma mão-de-obra imensa para esclarecer-lhe que não é apenas impressão não. Ninguém faz nada mesmo. Quer dizer, existem entidades que fazem, mas a nossa miséria é endêmica enquanto as iniciativas são escassas. O resultado dessa equação é um enorme deficit de solidariedade.

A parte trágica, ou melhor, cômica… não, não, é trágica mesmo!, mas quem quiser pode rir: as mesmas pessoas que por aqui participam de ações para melhorar a vida de outras pessoas, praticam turismo sexual em países pobres. Alimentam, voluntariamente, os processos que depois irão combater. Voluntariamente.

Ciao.

12 comments:

Anonymous said...

A sensação de abandono aqui é total. Hospitais, escolas públicas, transportes, saneamento básico - tudo isso é pra fazer a gente morrer de vergonha mesmo.
E quanto ao turismo sexual em paíse póbres, me choca também, principalmente quando as parceiras são adolescentes. Canso de ver em Copacabana aquele bando de gringos branquelos de olho nas prostitutas. Os compositores Seu Jorge e Marcelo Yuka já escreveram que "a carne negra é mais barata do mercado".

Anonymous said...

Tem uma coisa que adoro: brechós e bricabraques. Pois aqui, até bem pouco tempo atrás (talvez ainda exista, de alguma forma), havia brechós que vendiam roupa da Kolping e outras entidades internacionais de ajuda ao terceiro mundo. Roupas que desembarcavam para serem doadas eram "desviadas" no porto mesmo, pra brechós e congêneres. Como eu acredito muito na humanidade, ainda acho que isso é desvio de percurso e não parte intrínseca do caráter humano, mas às vezes balanço em minhas crenças...

Anonymous said...

Acredito que o ser humano é mais ou menos o mesmo em todos os lugares. Mas, no Brasil, estamos com septicemia generalizada. Até trabalho voluntário é difícl fazer - embora haja muuuita gente de boa vontade (até escrevi isso faz algum tempo). É que não tem jeito. É gangrena, estamos chegando à paralisia geral por absoluta descrença, desesperança. O que pode ser bom.

Leila Silva said...

Allan,

Pois é, dramático sim. Há gente comprometido no Brasil mas há esse descaso sim e algumas pessoas preferem fechar os olhos e acreditar no mito do homem cordial. Eu, tampouco, acho que o brasileiro seja solidário....isso de gente de país rico ajudar para depois praticar pedofilia também não pode se chamar solidariedade. Triste realidade. Será que é o ser humano?

Anonymous said...

http://somagui.zip.net
Com a historia de destruicao que eles tem .Com os inumeros expulsos e mortos para chegar onde estao.pela discriminacao dos oriundi e por virem para o Brasil e nao fazerem nada mas porcarias como vizinhos que eu tenho, esses merdas fazem pouco para resgatar o mal que fizeram e fazem .

Anonymous said...

Allan, sempre passo por aqui e n comentava. Hj, n deu pra ficar calada: seu texto tá mto , mto bom e tb pelo incômodo q me causou ao ler o 'poema'postado pelo Manoel Carlos como sendo do Neruda. Manoel, este texto é 'A morte devagar'da Martha Medeiros, e está no livro 'Non-Stop: crônicas do cotidiano,Porto Alegre, L&PM,2001, p.145-146. Há mto q a Martha sofre do q ela chama de 'estelionato autoral'na net. Vários dos seus textos são creditados a outros, e adulterados, como ocorre c o citado. Deixo aqui este recado, pq sei o qto é importante q o verdadeiro produtor tenha o seu nome ligado ao texto q produziu e tb para esclarecer aos q foram 'enganados'pela falsa autoria creditada.
Boas Festas!!!
Beijos procês!

I said...

Pois é Allan...há sempre o reverso da medalha...os indios e os cowboys confundem-se nesta fita que é o mundo em que vivemos.

Anonymous said...

A auto estima do brasileiro anda mesmo uma m...!

Anonymous said...

Voltei pra dizer que achei o post ótimo! Feliz natal!

Anonymous said...

Caríssimo,

Que tenhas com tua família um Natal exatamente da forma com desejas. Um grande abraço.

Anonymous said...

Feliz Natal, Allan.. Cheio de amor e alegria...

beijão

Ricardo Montero said...

Por essas e outras que acho que o Brasil é um país ainda em obras, ainda em construção...
Em tempo, feliz natal para você e para os seus, Allan!