Wednesday, September 21, 2005

Tá Nublado

Caros e Caras,

Paz e saúde!

alguns anos, resolvi fazer um curso de piloto privado de avião. Todos os professores eram oficiais da Aeronáutica da Base Aérea de Salvador, além de trabalharem no DAC (Departamento de Aviação Civil) torre de controle, etc. No dia do exame oficial, encontrei muita gente que não frequentava o mesmo curso e descobri que a maioria tentava a aprovação por anos seguidos. Para não me deixar influenciar pelo pessimismo dos “veteranos” e manter a tranquilidade adquirida em três meses de curso, afastei-me com a desculpa de fumar um charuto e não falei com mais ninguém até a hora do exame.

No curso, descobri que algumas verdades que se aprende na escola são relativas. Por exemplo: ensinaram que a velocidade do som é de 330 metros por segundo, mas se esqueceram de nos informar que isso acontece em uma atmosfera padrão. Ou seja, à temperatura de 15 ºC, ao nível do mar, com pressão atmosférica de 1013,2 milibares e se você estiver no paralelo de latitude 45º. Se qualquer um destes fatores for alterado, a velocidade será diferente. Aos mais gordinhos, sugiro levar a balança de casa à linha do equador e descobrir a mágica de perder quilos viajando. Aos que querem engordar, levem a mesma balança a um dos pólos e usufruam do efeito de uma maior força de gravidade, além de poderem ferver a água do café com o ponto de ebulição muito inferior aos 100 ºC. O problema será encontrar a lenha para a fogueira. Aprendi, ainda, a respeitar o desafiador trabalho dos meteorologistas. A Meteorologia não é uma ciência exata e não respeita nem mesmo o churrasco daqueles profissionais.

Os meteorologistas italianos falham tanto quanto os nossos e, mesmo mostrando a simulação por computador dos movimentos de nuvens e de massas de ar, tem sempre um vento imprevisto que muda tudo, fruto do bater de asas de alguma borboleta mal avaliado ou ignorado. A máxima continua valendo: se você encontrar o meteorologista no açougue comprando uma picanha, corra para pegar um guarda-chuva. Não que falte profissionalismo ou que haja má , apenas descobri que tem sempre alguém que sabe mais do que a gente. No caso daqueles profissionais, a imprevisibilidade da Natureza.

Nós, latinos, somos arrogantes por natureza. Como o berço latino é na Itália, essa característica se faz mais forte por aqui. Para um italiano, a verdade relativa é sempre a do outro. Mesmo aqueles que nos parecem humildes e estão sempre calados são um poço de sabedoria e conhecimento, quando o assunto é algo que se possua algum domínio. Estão sempre prontos a esclarecer que não têm mais nada a aprender e têm sempre um argumento para rebater as mudanças propostas. A contradição, nestes casos, não será, por eles, considerada. Um colega de trabalho me esclarecia a posição dele: “Eu não sou racista, muito pelo contrário, sou da filosofia do ‘viva e deixe viver’, mas nunca saí e não sairia jamais com uma romena ou com uma siciliana. Até porque, pra mim, a Itália começa no Norte e termina em Módena…”

Esse tipo de situação se repete a cada dia. Tem o cozinheiro do restaurante típico que afirma não existir alimento mais saudável e saboroso que a comida piacentina, definida pelos outros italianos (e por mim) como monótona e sem sabor; o simpático consultor de programas de qualidade que não reconhece o padrão alemão e diz que eles (os alemães) não entendem porra nenhuma – “non capiscono un cazzo!” – e que o padrão europeu deveria ser aquele italiano; o professor da faculdade de nutrição que informa na Tv sobre as qualidades da carne de coelho numa semana e, na semana seguinte, critica um outro programa que apresentou receitas com aquela carne e afirma que carne de coelho é inadequada ao paladar italiano…

Aqui vale a regra: “faça o que eu digo, não faça o que faço.” Mesmo que ele mude de opinião. O problema é justamente este: todos querem ganhar no grito. O mais importante não é o conteúdo, mas a aparência. As livrarias vendem montes de livros que jamais serão lidos. Recentemente, uma colega de trabalho presenteou-me com dois romances, um de Tolstoi e um de Goethe, informando-me que não entendia droga nenhuma (e eram romances!). Dois dias antes, todos a haviam visto no estacionamento lendo (?) um dos livros.

A Comunidade Europeia adotou o HACCP (Harzard Analysis and Critical Control Points) como padrão de auto-controle para todos os estabelecimentos que manipulam alimentos, numa louvável iniciativa de proteção ao consumidor. Atuando nessa área, descobri que pouca gente o leva a sério. Estão mais preocupados em produzir a planilha que os irá salvar de uma possível e quase certa fiscalização, que em aplicar os conhecimentos adquiridos no curso obrigatório.

É possível que os dois colegas citados acima se casem e morem no restrito mapa italiano redesenhado pelo primeiro. Se isso acontecer, a casa deles será cheia de livros. Além disso, não correrão o risco de ver o churrasco deles virar sopa, pois irão se deliciar somente com a maravilhosa cozinha piacentina. O açougueiro deverá se virar com o meteorologista e com os aventureiros sul-americanos.

Ah! Se você ficou curioso, informo que fui aprovado nos exames teóricos e que cheguei a fazer as primeiras horas de vôo, mas o custo das aulas, a distância do aeroclube e o excesso de trabalho, me impediram de pegar o brevê. O que pode ter lhe privado de inesquecíveis emoções… E para os meus churrascos, uso o olho e a pele: se não houver nuvens e a temperatura for agradável, o açougueiro poderá receber a minha visita. Por segurança, perguntarei sobre o meteorologista ao açougueiro. Se ele afirmar que não o dias, compro minha picanha.

Ciao.

8 comments:

Anonymous said...

Oi, é a primeira vez que apareço por aqui. Achei bem interessante essa característica dos italianos. É um samba do crioulo doido, não? Beijocas

Leila Silva said...

Ah, ainda bem que você nos informou sobre o resultado do teste lá no final, claro que eu estava curiosa.
A parte da arrogância é ótima...Nessas férias recebemos um senhor italiano(no Brasil) e fiquei lendo e me lembrando dele, o retrato perfeito. Excelente pessoa, mas tinha dias que me dava nos nervos com as comparações, sobretudo sobre cozinha (justamente), mas no geral eu gosto da Itália e dos italianos. Muitos brasileiros dizem que se identificam mais com os italianos do que com os outros europeus....recomendarei seu post a estes...rs.
Quanto ao racismo, acho muito parecido com o do Brasil, muita gente repete isso, não sou racista e lá vem uma demonstração de racismo das mais descaradas.
Bom, o post está ótimo,me identifiquei e fiquei assim tagarela.
Abraços.

Anonymous said...

Allan, também achei os italianos muito parecidos com os brasileiros na questão do racismo.
Quanto aos meteorologistas, acho que só não são mais xingados que os juízes de futebol...

Claudio Costa said...
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Claudio Costa said...

Aos italianos como a todos os humanos, o meio cultural no qual nascemos nos impõe a "lente" e a "viseira" e o imaginário que formam a matriz de nossa identidade. Tornamo-nos autoreferentes. Outra cultura, outros hábitos e outros costumes são vistos como estranhos, curiosos, pitorescos e, às vezes, bárbaros. "Eles é que são diferentes"... Uma das riquezas que você compartilha com os leitores é sua saborosa perspectiva multifacetada . Afinal, viajar muito e conviver com outros povos é a melhor universidade.

Anonymous said...

Pois eu ainda uso dois velhos métodos antes de fazer minhas picanhas: se meus gatos estão lavando a cara, é chuva na certa. O outro é com as formigas. Não tem erro. E, brincando um pouco com o Manoel Carlos, por aqui os analistas de sistemas já ganham dos advogados e médicos, heheh. abs

Anonymous said...

Ola. Fui apresentada ao seu blog pelo Sarapalha. Gostei muito. A verdadeira Italia para mim é exatamente o centro-sul.Moro em Torino e vejo sempre o preconceito contra a populaçao do sul, aquela que construiu a Fiat. Nao gosto dali. Um abraço. Raquel

Anonymous said...

ê, mundo pequeno...

meu marido é piloto, e fez curso de PP na base aérea de salvador... :-)