Caros e Caras,
Paz e saúde!
O case da cerveja Corona é conhecido por muitos (um amigo mineiro traduz como “causo”). É muito interessante e permite uma idéia bastante clara dos riscos das jogadas de marketing.
Conta a lenda que um alto funcionário da empresa viajava constantemente à Flórida para verificar a venda do produto. O marketing decidido pelo fabricante para tornar o produto mundialmente famoso foi a garrafa transparente. Ocorre que a cerveja deles era do tipo pilsen, que não suporta o contato com a luz. As cervejas produzidas pelo sistema draft beer, fabricadas com uma filtragem especial a frio, resistem por mais tempo a exposição à luz, mas têm um sabor muito mais leve que a cerveja comum e, por esse motivo (somado, provavelmente, ao custo de produção) foi inicialmente descartado pela Corona.
O tal funcionário orientava aos comerciantes guardar as caixas da cerveja em um local escuro, cobertas com um tecido preto que ele fornecia. Mas bastava pouca exposição à luz para que a cerveja se tornasse intragável. O México é um dos poucos países que ainda utiliza outros cereais em estado natural na produção de cerveja, além da cevada. Neste caso, o milho, que deixa um odor desagradável na cerveja oxidada. No Brasil, como na maioria dos outros países fora da Europa, desde os anos noventa, os produtores de cerveja adicionam ao malte de cevada um produto à base de glucose de milho muito parecido com o mel chamado high maltose, (como o produto “Karo”), mas sem o cheiro característico.
O sujeito vivia a desventura de presenciar a recusa dos consumidores pelo produto que ele timidamente tentava transformar em sucesso mundial, partindo, não por acaso, dos Estados Unidos. Acreditava que uma vez conquistado aquele povo, o resto do mundo o imitaria. Ao final de mais um dia de desilusões profissionais, sentou-se em uma mesa na varanda do hotel em que estava hospedado e viu um grupo de brasileiros que se preparava para mais uma noitada. Os quatro rapazes pediram cerveja e ele se apressou em oferecer o seu produto, para uma degustação gratuita. Como, grátis, brasileiro toma até ônibus errado, eles toparam. Mas a cerveja era realmente muito ruim e, para não ofender o gentil mexicano, um dos rapazes pediu um limão e espremeu um pouco do suco dentro da garrafa e, de quebra, enfiou um pedaço no gargalo, dizendo ser um hábito brasileiro. O executivo o imitou e descobriu a limonada alcoólica. Eureka!
Numa peregrinação que durou todo um verão, ele visitou diversos bares das costas Leste e Oeste dos Estados Unidos difundindo a novidade e viu as vendas do produto estourarem como champanhe. Com a típica agilidade sul-americana, foram criados comerciais que mostravam o limão sendo enfiado no gargalo comprido da garrafa e a mágica estava feita. As praias, sempre ávidas por novidades de verão, não tiveram dificuldade em adotar a moda e o marketing de boca (aquele em que o consumidor conta a outro próximo, e que pode realmente fazer toda a diferença, para o bem ou para o mal) ajudou na difusão da nova irreverência, que no fim do verão já havia conquistado outras fronteiras.
Anos mais tarde…
A Corona continua sendo uma cerveja comum, produzida com cevada e milho, apesar de não mais oxidar dentro das garrafas transparentes, graças a um processo híbrido de produção desenvolvido pelo fabricante (que me recorda o processo de flash pasteurização do chopp da Kaiser, que é como estar relativamente grávida). Em qualquer supermercado italiano é possível encontrar a cerveja Corona. Nos bares noturnos, encontra-se o neon que reproduz a garrafa com o pedaço de limão no gargalo, além de espelhos, copos, abridores de garrafas e um mundo de brindes com a marca do produto. Aos consumidores são distribuídos porta-moedas, chaveiros e até porta-skipass. Nas estações de ski (no inverno, é claro!) o consumidor compra um skipass, que nada mais é que um cartão magnético para usar em todas as ocasiões: entrar na pista, subir no teleférico, etc. A Corona oferece como brinde uma espécie de chaveiro com uma cordinha retrátil e um gancho na ponta, por onde se prende o cartão magnético. O “chaveiro” fica preso em uma das cordas externas da roupa de esqui, o que evita procurar o cartão dentro dos duzentos bolsos com zíper, ou congelar a mão ao tirar a luva para procurá-lo. O esquiador pau-d’água leva pra casa uma pequena lembrança da cerveja mexicana, recebida nos Alpes gelados. É a bizarra política do marketing.
***
Marketing e política têm se encontrado com freqüência. Apesar de ser duramente criticado, o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi usa o marketing correto. Assim como no caso da Corona, ele é que é errado como produto. O Lula, por sua vez, não mudou radicalmente, como muitos imaginam. A mudança aconteceu de forma gradual. O que mudou foi o marketing dele. E uma das regras do marketing é não mentir sobre o produto. Pode-se até não mostrar os aspectos negativos (admitindo-se que o produto possa ter aspectos negativos) e ressaltar apenas as qualidades, mas mentir, nunca! Eis porque é difícil encontrar um bom profissional de marketing disponível em ano de eleições, e porque existe um lobby para que todo ano seja ano de eleição no Brasil.
Políticos são como cerveja: há os que são produzidos na Europa, e por isso podem conter exclusivamente cevada (malteada), lúpulo, fermento e água. Os sul-americanos levam milho ou arroz, além dos produtos europeus, e têm um cheiro característico. E há os que se curvam ao high maltose dos Estados Unidos.
Dois verões europeus chegarão antes das eleições brasileiras. Por aqui, teremos que suportar outra saraivada de comerciais das bóias em forma de flamingos que transportam a Corona. E por aí…?
Se você não tiver a capacidade criativa de um profissional de marketing e não conseguir engolir determinado político, faça como a Corona: enfie-lhe um pedaço de limão no gargalo!
Ciao.
6 comments:
Não é lenda, não, Allan. O fato aconteceu quase extamente assim. Um dia posso esclarecer o único detalhe ainda desconhecido. Quem sabe numa mesa de bar, com algumas cervejas decentes, num papo entre amigos.
Abração,
Lenine
Assim como temos que provar a cerveja para decidir qual a que nos satisfaz mais, infelizmente temos que provar também os políticos, o problema é que muitos deles já chegam estragados (vide Severino Beer). Abraço.
esse negócio de cerveja e política é complicado: não gosto de cerveja. Ainda tomo de vez em quando a Caracu, por questões afetivo/conservadoras. Mas gosto de política. E como era PT desde criancinha, conheço o Lula e entourage há séculos. E acho que o marketing interno do PT é que estava errado. A gente via o que queria ver. Eles são mesmo é isso que aí está hoje. Para o bem ou para o mal. Nós, os que éramos petistas desde criancinhas é que numa certa época achávamos que o novo Messias estava chegando, de bata vermelha e tudo.
Acho que a gente bebia cerveja demais naquela época...
Allan, que legal este causo da Corona... No entanto, falar de política, prá mim, tem sido realmente intragável. Um dia é o Severino, no outro, Lula, noutro, Zé Dirceu... Tá phoda. Tenho lido o livro "O Físico", e nele é repetida muitas vezes a frase "É difícil ser judeu." eU DIGO: É DIFÍCIL SER BRASILEIRA.
bjão
Ana Letícia
http://mineirasuai.blogspot.com
maravilhosa essa história da corona - não conhecia! muito massa mesmo!
Alguém já definiu marketing como "a arte de convencer alguém a comprar o que não quer e de que não precisa por motivos que ele desconhece. Tornar necessário o fútil, delicioso o repugnante, etc.". Na política, a mesma coisa.
Post a Comment