Monday, February 14, 2005

Querida Flávia

Cara Flávia,
Paz e saúde!

Flávia,

Você me acusou de ser impessoal nas minhas cartas. Tem toda a razão! Às vezes me esqueço que a maioria dos destinatários das tais cartas, são pessoas que dividem com Jó a paciência universal, com a diferença de terem de me aturar há alguns anos. Jó não precisou. E aqui vai a minha defesa – que é sempre bom ter uma na manga: Quando decidi responder às indagações dos amigos sobre a nossa aventura na Itália, optei por esta impessoalidade por motivos de clareza (nem sempre com sucesso!), já que os amigos estão espalhados de Norte a Sul e nem todos se conhecem. Ocasionalmente mando algum recadinho como pé de página, mas prefiro responder os e-mails que recebo reservadamente, à excessão dos comentários e críticas que recebo sobre as “Cartas”. Então, ai vai…

As meninas estão ótimas. Estamos no meio do ano escolar – que aqui vai até junho – e elas têm sido aprovadas com boas notas. A avaliação escolar italiana considera: insuficiente, suficiente, bom, distinto e ótimo. A Luiza teve um bom, cinco distintos e três ótimos. Já a Bianca, nove ótimos. Tentei enviar-lhe fotos recentes delas, mas a sua mail box acusou estar no limite da capacidade. Vou tentar outra vez. A Bia irá mudou de colégio há dois anos, para fazer a scuola media, que seria o nosso antigo ginásio e deixou a antiga escola mais triste. Ela era o xodó deles. Por algum tempo – três anos, dos quais um e meio já passaram – terão que se contentar só com a Lu, que por sinal, lembra muito a tua Marília. Nós apostamos que a escola irá sucumbir, pois a Luiza está uma fera, no auge dos seus quase dez anos.

A Eloá também está numa ótima fase (e bota ótima nisso!), mas acho que ela já lhe atualizou sobre o assunto. Quanto a mim, estou atingindo uma serenidade típica dos falsos sábios: só externa. Mas tenho tido sucesso em convencer os outros. Continua valendo a minha máxima: “Há mais mistérios entre sanidade e a minha psicopatia, do que supõe a tua vã Psicologia.” Lembra…? Por falar em Psicologia (com P maiúsculo), como vão os teus malucos? E por falar em maluco, o Cássio (lembra dele?) continua em Sampa e vai ser pai no em maio. De vez em quando me escreve coisas interessantes; mas, recentemente, decidiu contar-me uma coisa profunda e escreveu que as fossas abissais chegam a onze quilômetros de profundidade abaixo do nível do mar. Sei não, mas acredito que a paternidade já começa a fritar-lhe os miolos…

Nessa terra tudo é diferente, a começar pela língua. Aqui, eles só falam em italiano e, às vezes, em dialeto. E eu lhes respondo em português. Pedem um capuccino, que nada mais é que uma xícara de café com leite, mas evitam a canela e o chocolate, pois são muito preocupados com a boa forma. Ainda não se conformaram com a união da Itália e vivem falando mal das outras regiões, das outras províncias, das outras cidades e até dos outros bairros. Por incrível que pareça, os verdadeiros caipiras dessa terra são os romanos. Comer macarrão com garfo e colher, como fazem os romanos, ou falar com sotaque romano, só é considerado chique em Roma; em qualquer outro lugar é muito cafona. Ainda existe essa palavra no dicionário?

Piacenza é uma cidade muito tranquila (talvez, até demais), de arquitetura e história muito ricas, numa região produtora de vinhos, salames e queijos. O lado positivo desta tranquilidade é não haver um traficante em cada esquina (aqui eles nem conhecem o crack.) Os moradores vindos de outras províncias costumam dizer que o piacentino é muito esnobe, com o nariz empinado; mas nós descobrimos que são amáveis e abertos a novos contatos. O preconceito é dos outros. Só uma correção: numa carta anterior errei a grafia do Giorgio Armani e escrevi Girogio; ele também não nasceu em Piacenza, mas em Bettola, um vilarejo da província de Piacenza. Parte da culpa é dele, pois, quem nasce in paese (vilarejo) costuma dizer o nome da província, que é o mesmo da città. A capital da Província de Turim é a cidade de Turim; a capital da Província de Pavia é a cidade de Pavia…

No verão, um calor de rachar; no inverno, um frio do cão. Daria pra continuar usando pleonasmos até o fim, mas a parcimônia é uma virtude. O problema é que, geograficamente, Piacenza foi fundada numa região que costuma castigar seus habitantes. O rio Po (se diz Pô) margeia toda a província, tornando o clima eternamente húmido (e quando a humidade baixa, as descargas de energia estática são inevitáveis.) Durante o Inverno, basta sair dois, três quilômetros da cidade para encontrar a neve; mas em Piacenza, necas de pitibiribas. No Verão, os meteorologistas informam que irá chover em toda a província, refrescando o calor sufocante; mas a chuva só cai mesmo quando nós vamos para a piscina. A Câmara de vereadores apresentou um projeto de lei que nos obrigue a ir à piscina, toda a vez que a temperatura ultrapassar os 32 ºC. Nós deixamos de frequentar as piscinas locais e ameaçamos mudar de cidade, caso a lei seja aprovada sem uma compensação financeira. O projeto está parado e acreditamos que será engavetado.

Bom, espero que você tenha se contentada com o tratamento direto desta carta e, mesmo falando de generalidades, a carta foi escrita para você, Flávia. Os outros vão entender.

Fico aguardando notícias tuas e da Marília (linkei o fotolog dela, ali à direita), além de uma foto dela para completar a nossa coleção de primos sobre a cômoda da sala. Advirto, porém, que tudo que você escrever pode ser usado a seu favor. Ou contra.

Beijoca nas duas.

Ciao.

2 comments:

Flávia C. said...

Eu me chamo Flávia, mas não sou essa Flávia..hehehe. Como a Denise disso, foi bom para nós conhecermos ainda mais essa bela família..
Beijos!

Anonymous said...

Olá Flávia, eu sou o Reginaldo, vivente do sertão de nosso Senhor, fronteira da BA. Tenho acompanhado o Allan e posso te dizer que não te preocupes. Por trás das palavras bem cuidadas do Allan há um rio de sensibilidade tão grande que as meninas têm que ter cuidado ao navegar. Abraços.
Reginaldo Siqueira - singrando.org