Tuesday, February 01, 2005

O Maravilhoso Mundo Das Filas

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Em Salvador ocorre com freqüência: pessoas que entram numa fila e ficam ali o tempo suficiente para que chegue alguém atrás, pedem para guardar o lugar e saem, alegando ter alguma outra coisa a fazer. Tornam depois de vinte minutos e, com a maior cara de pau, retomam o que seria o seu lugar na fila. Não raro (direi até que com uma larga frequência) o sujeito que pensava ser o quinto da fila descobre-se o décimo-oitavo. No início você estranha, mas depois se habitua aos costumes locais e já não se importa. Depois de alguns poucos anos, resolvi quebrar a corrente: quando alguém à minha frente pedia para guardar o lugar, eu avisava que se saísse da fila não o deixaria voltar. E não deixava. No início as pessoas estranhavam. E depois, também.

Na Itália as pessoas são mais acostumadas às filas (resquícios do tempo da guerra, dizem) e, na maioria das vezes, respeitam quem chegou primeiro. À exceção dos pedágios nas estradas durante o verão. Nessas ocasiões, os fura-filas aparecem e provocam a revolta dos que aguardam a vez. Ocorre de os fura-filas serem obrigados a parar pouco mais adiante, por causa dos engarrafamentos que proliferam nas férias, e serem surrados por alguns motoristas menos pacientes. Ninguém se oferece como testemunha da agressão quando a polícia chega (ela chega sempre, ainda que tarde), pois todos têm vontade de fazer o mesmo.

As agências bancárias tem poucas filas, uma vez que é possível fazer quase tudo por telefone, fax, internet, etc. Mas também porque muita gente prefere guardar o dinheiro embaixo do colchão. Literalmente. Nos supermercados é como em qualquer lugar: filas, carrinhos pra todo lado, a família que faz compra unida, enfim, o inferno. Nenhum tem empacotador e na maioria deles você deve empacotar a própria compra. E pagar pelo saco plástico.

Nos museus, você não só deve enfrentar a fila em silêncio, como tem que pagar para entrar. E geralmente os museus são divididos em áreas, onde você terá de pagar novamente. Bilheteria de cinema e teatro: fila. Balcão da loja de material de construção: fila. Caixa de qualquer loja: fila. Caixa do café ao meio-dia: fila. Entrada da discoteca: fila. Correios (que também funcionam como banco): fila. Nos hospitais e órgãos públicos: fila.

Como a mão-de-obra custa caro por estas bandas (um operário que trabalhe oito horas por dia, cinco dias por semana, ganha, em média, mil euros), é normal encontrar pequenos bares, lojas, boutiques e até cinemas onde só trabalha uma pessoa. E você deve aguardar paciente e civilizadamente a sua vez. Ou ouvir um monte de desaforos do cliente que está sendo atendido e da pessoa que o atende.


Nos tempos da guerra-fria (agora parece que a guerra esquentou, né?) ouvi alguém contar que, durante uma viagem à Rússia, parou com os amigos à frente de um poste, formando uma pequena fila. Meia hora depois, cansados da brincadeira, tinham medo de ir embora, pois uma fila monstruosa se formara atrás deles. Os russos eram tão habituados às filas que entravam nelas sem perguntar. Aqui, as pessoas só não fazem fila pra comer, pois são acostumadas a fazer reservas nos restaurantes. Uma mania de gente civilizada.

Isso sem contar o trânsito das grandes cidades como Milão, ou das cidades turísticas como Florença. Ou, ainda, as estradas no período de férias. Mas para quem já enfrentou a fila da balsa para Ilhabela, em São Paulo, ou qualquer rua dos Jardins (Sampa) na hora do rush, isso aqui é fichinha.

A organização das filas não falha. Existe um emissor de ticket numerado, onde você pega um papelzinho assim que chega e fica aguardando. Um painel eletrônico mostra o número da vez e emite um sinal sonoro para chamar a sua atenção. O painel informa o caixa ou guichê a que você deve se dirigir. Não tem como furar a fila. Quer dizer, tem. Os brasileiros aprenderam a pegar dois, três tiquets e ficar esperando a chegada de algum conhecido para presentear. Da mesma forma, procuram pelos amigos nos órgãos públicos. Até o consulado brasileiro em Milão trabalha com os tais tiquets. O engraçado é que o consulado italiano em São Paulo, não.

Há coisa de três anos estive em Salvador e quase fui vítima de uma fura-filas. Naquele estilo baiano: “vou ali, volto já. Pode guardar o meu lugar…?”. Obviamente informei à senhora em questão que ela perderia o lugar e ela se indignou.
…E eu estava na fila do acarajé!
Sei não, estou pensando em vender máquinas de tickets a baianas de acarajé…


Ciao.

11 comments:

Anonymous said...

odeio filas, mas odeio ainda mais quem as fura. Mas tem uma fila que é o fim da picada e toda mulher mijona como eu deve saber do que estou falando: fila em banheiro de shopping. E lá ninguém dá lugar, que mulher quando quer é bicho ruim demais...

abraços

maray do checaribe

Claudio Costa said...

Saborosas e perspicazes as suas observações sobre fila e comportamento humano. Em Salvador, fiquei na fila para entrar no show do Olodum e da Ivete. Em Belo Horizonte, a prefeitura promulgou uma lei, pela qual os bancos pagariam multa caso o cliente esperasse mais de 15 minutos na fila! Introduziram a tal maquininha das senhas, mas não adiantou: quem vai ao banco que se prepare... Há ainda os médicos que marcam hora com o cliente. Entretanto, os clientes marcados a seguir, caso cheguem mais cedo, são atendidos primeiro! Será que tem fila prá entrar no céu? Pro inferno, tem! Aliás, o inferno começa em qualquer fila!

Rafael Galvão said...

Allan, tu é um chato. Onde já se viu, reclamar dessa instituição do homem cordial que é o "vou aqui e volto já". Se não fossem pelas boas almas, como eu fumaria em uma fila quilométrica? ;)

Anonymous said...

Filas nos levam a introspecção. Principalmente no banco. Você pega aquela fila interminável, o tempo passando minuto a minuto, de repente vai mergulhando em si, sem um pensamento condutor, apenas rápidas lembranças, leves insights, meditação profunda. Ou vôo desvairado. No mais um saco.
Reginaldo Siqueira - singrando.org

Leila Silva said...

Allan,

Pois eu te garanto que esse costume nao existe so em Salvador...
Ainda hei de ter a sua coragem de recusar essa coisa de 'guardar' o lugar. Concordo que nao faz sentido....mas o seu post esta hilario!:)
Vou tentar achar o seu e-mail aqui em algum lugar para discutir melhor sobre a 'balada do louco'. Muito obrigada pelo convite.
Abracos
Leila

Anonymous said...

Allan,
fala serio hein amigo..
essa da fila do post foi demais...
abraços
meire
http://pensamentosepoesias.blog.tiscali.it

Tex Murphy said...

Essa história da lei das filas em bancos em BH que o Cláudio citou tb estão querendo implantar aqui em SP... O projeto era de um deputado qualquer por aí e o Serra resolveu q ia tentar fazer a lei passar.

Quanto a história das filas na Rússia, não sei se dou risada ou se choro. Por mais engraçado que possa ser, é triste o que essa gente passava por lá. Aliás, naquele filme "Moscou em Nova York", tem uma cena em que o personagem do Robin Williams vai comprar leite, se não me engano, pergunta da fila e demora a entender q não precisava de fila nenhuma.

Gostei muito do seu blog, é bom ler coisas diferentes, com certeza passarei a freqüentar bastante por aqui!

Abraço!

Flávia C. said...

Nossa, pagar pelo saco plástico é o fim! Só faltava implantar essa idéia aqui no Brasil também.
Entrar na fila sem motivo tbm é bem comum, em filas de cinema então nem se fala.
Gostei bastante de visitar seu blog, é muito bom saber um pouco mais sobre culturas e costumes diferentes. Visitarei aqui sempre.
Beijos!

Tutt'ok said...

Allan, às vezes fico pensando se realmente moramos na mesma Itália ou se viemos do mesmo Brasil.
Uma das minhas grandes queixas com os italianos é justamente a incapacidade de fazer uma fila ou a cara de pau total de não respeitá-las!
Um grande abraço a vocês pelos 18 anos juntos! Eu já completei um mês ;-)

Simone.

Nora Borges said...

Passei um tempo levando um livro pra fila do Banco do Brasil. Eca! Odeio-as

Anonymous said...

excellent points and the details are more specific than somewhere else, thanks.

- Murk