Monday, December 27, 2004

Natal Moderno

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Dia 26 de dezembro é dia de Santo Stefano, feriado na Itália. Serve para curar a ressaca do Natal e para preparar os ânimos para a semana que vem. Aproveita-se para verificar a sobrevivência de fígado, rins, estômago, etc. Canja de galinha e suco de laranja, que aqui não existe engov. Nos casos mais dramáticos um Gatorade ajuda a resolver.

Computador, game boy, celular e walkman fazem parte do cotidiano das nossas filhas. Televisão, também. Apesar disso, elas nos pediram jogos de salão, como palavras cruzadas e outros jogos que nos reunirão à mesa ou sobre o tapete por longas horas no inverno que acaba de começar. Livros já não fazem parte das listas de presentes: Elas os compram (ou trazem da biblioteca) com a mesma desenvoltura com que nós compramos os nossos. E, às vezes, os lêem primeiro. A Luiza prefere um ritmo mais civilizado, enquanto a Bianca simplesmente devora até cinco vezes o mesmo livro – o último livro de Harry Potter foi vencido em apenas um fim-de-semana. E tem 804 páginas!

A Corso Emanuele esteve lotada nesse mês. A última semana antes do Natal foi um verdadeiro inferno, ou o paraíso, dependendo do lado do balcão que se observava. Todas as lojas estiveram constantemente movimentadas, inclusive aquela que vende aparelhos ortopédicos. Era quase impossível encontrar alguém caminhando sem um pacote em mãos. Os cafés, docerias, a pequena osteria, pizzarias e até as soveterias (que não fecham durante o inverno e têm movimento, sim, senhor!) trabalharam em ritmo acelerado. O horário se estende até tarde e a Corso lembra shopping center brasileiro aos sábados à tarde. As sutís diferenças são a temperatura e os finos flocos de neve que desafiam o desfile de roupas escuras e casacos de pele, mas que se derretem quando tocam o chão. Ainda não nevou…!

Essa é, também, a época em que as entidades beneficentes menores ou menos conhecidas aproveitam para montar barracas para a coleta de doações. As entidades maiores e mais organizadas preferem fazer um “dia nacional” em outro período, para evitar a concorrência e para ganhar destaque na imprensa. No centro e nas principais praças da cidade é impossível não ser abordado por alguém pedindo contribuição. E todos contribuem.

Graças aos novos tempos em casa a árvore é sintética. Evita o desespero de não ter o que fazer com a planta depois do dia seis de janeiro, na falta de um jardim, e aplaca o ardor ecológico que as meninas desenvolveram na escola e que nós estimulamos. Lanternas e velas produzidas nas salas de aula contribuem para a iluminação interna, já colorida pelas luzes da árvore. Um presépio de massa de modelar, produzido e pintado pelas mãos ainda inábeis das nossas pequenas - e retocado pela mãe - divide o espaço sob a árvore com bonecos de neve e outras figuras que aparecem neste período. No lugar dos cartões de boas festas, e-mails. Somente as empresas preferem confiar nos correios e se organizam antes para serem lembradas.

De resto, a rotina não cansa: preparar a ceia do dia 24; arranjar uma desculpa para tirar as meninas de casa na noite do dia 23, para que os presentes possam ser embrulhados; um longo passeio a pé antes da ceia, na então vazia mas colorida e iluminada cidade; a ceia da véspera, tipicamente brasileira, contrariando a tradição local que aconselha peixe e comida leve; e, depois, cama. Dia 25: alguém (eu!) levanta de madrugada e pega os presentes escondidos na pequena varanda da cozinha (sob uma temperatura muito abaixo do zero absoluto!) e os distribui sob a árvore; ficamos deitados até que elas acordem e (quem diria!) saltem da cama cedo; aguardamos os “Oh!”, “Olha…!” e “UAU…!”; fingimos estar dormindo e esperamos que elas voltem para nos acordar e levantamos; dividimos e abrimos os presentes (apesar de Papai Noel já ter se tornado uma lenda em casa, preferimos manter o clima da surpresa); preparar o almoço de natal; levar o nosso almoço brasileiro para a casa dos amigos com quem passamos o dia; comer a massa in brodo e os pratos típicos desta época: a mostarda (frutas em calda leve), canapés, a massa boiando em um prato de caldo de carne (já dei a receita antes), o galo escaldado, a carne que ferveu para o caldo da massa, salames, presuntos e lardo (gordura de porco levemente salgada e temperada, crua); encantar – “Oh!”, “Olha…!” e “UAU…!”– os nossos anfitriões com os nossos pratos e sobremesas; vinhos, espumantes e licores. Mais trocas de presentes.

Nos sentimos uma família completa, apesar da falta que nos fazem parentes e amigos. E é divertido passar o Natal como estávamos acostumados a ver nos filmes, com frio e neve (apesar da neve em Piacenza este ano estar tímida, bastam poucos quilômetros para encontrá-la). Uma sensação de bem-estar vai, aos poucos, substituindo a aversão que sempre tive pela festa.

Hoje, todos voltam ao normal. A caridade e solidariedade retomam o nível da primavera e o movimento da Corso diminui. Uma sensação de alívio que irá permanecer por alguns dias nos conforta. Mas só até o dia 31.

…Meus sais, por favor!

Ciao.

6 comments:

Anonymous said...

Oi Allan!
É legal ver que a gente não é único como orgulhosamente as vezes nos consideramos. Claro que, depois de filho, Natal fica maravilhoso! Dessa vez foi lua de mel, sem filho algum, pois as fam'lias são múltiplas, cada uma num canto, e os rapazes já têm suas namoradas, e haja afeto espalhado! Já estamos nessa de não tem importância.. mas.. quando vier neto.. ai deles se não vierem no Natal! deserdo tudo! ;-))
Minha pequena de 9 anos também devora harry potter. Só li o início do primeiro, que achei genial, parecia realismo mágico, no melhor estilo de Gabriel Garcia Marques. Mas aí, o menino foi pro colégio e uma chatice ímpar passou a tomar conta do livro. Fechei.
Tenho amigas letradas que adoram. O Que acho genial é que essa mulher desmitificou , tirou tabus da literatura infantil; grossura do livro e sem ilutrações! Ao contrário, quanto mais grosso o livro mas os aficcionados gostam,pois significa mais histórias!
Angela

Anonymous said...

criança e livro tem sempre que vir junto. É de pequenino que se torce o pepino, não é? Recomendo alguns que os meus adoravam: da tia Eva Furnari( é feio puxar a sardinha de parente mas ela é ótima, é italiana, deve haver talvez aí), muitos da Ruth Rocha e da Lígia Bojunga Nunes, maravilhosa!
Um ótimo natal e feliz digestão. Mas essa de gordura temperada fria quase enlouqueceu meu colesterol...

Maray

Anonymous said...

É isso aí: pode ser chato e estafante, mas o Natal em família, inda mais com as surpresas do "Papai Noel", não há como! Lembranças nos assaltam. Felicidades para vocês.

Rafael Galvão said...

...E, como eu não tenho absolutamente nada a acrescentar esses post, um feliz Ano Novo pra você, Allan, pra Eloá, pra Bianca e pra Luiza.

Ho ho ho.

Anonymous said...

Cheguei atrasado pro Natal, mas deixo-lhe meu abraço e os melhores desejos de um ano novo com a mesma sensibilidade e criatividade que você demonstrou este ano.
Tanti Auguri di Buon Anno!
Diogo

Biajoni said...

bom ano novo, mesmo, cara.
e obrigado pelo comentário lá no T&Q.
[]