Wednesday, October 13, 2004

Preferências

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Nesses anos de experiência profissional na área comercial, aprendi que preferência é hábito de consumo. As pessoas “preferem” determinada marca de produto a que estão acostumadas a consumir. Aqui vale um parêntese: a dona de casa que usa determinada marca de sabão em pó por ser o mais barato, prefere o outro, que lava mais branco mas custa mais caro. Somente por uma questão de economia não o usa. Já um bebedor de cerveja “prefere” a marca a que está habituado a consumir. Neste campo, todas as influências são externas: a opinião de um amigo, a sugestão que a propaganda conseguiu transmitir e a imagem que ela imprimiu no ego do consumidor (“em Portugal, a cada aparição da propaganda do cigarro Marlboro, as vendas de cavalos aumentam…”), a disponibilidade do produto, a chamada venda por impulso nos supermercados, enfim, mil armadilhas do famigerado marketing.

Da mesma forma, alguns produtos nascem de uma necessidade até então não estimulada, como no famoso caso dos filtros solares, por exemplo. Gênio é aquele que descobre o óbvio e consegue transformar em produto uma resposta a essa necessidade. Tais descobertas estão muito mais ligadas à cultura local, mas podem ser exportadas, com as devidas ressalvas. Tudo uma questão de mercado. Um amigo nigeriano comentava que as vendas de filtros solares no seu país são um fiasco, pois além do fato de o seu povo encarar o produto como inútil, a importação faz com que o preço seja inadmissível para a maioria da população.

Aqui na Itália o sabão em pó muda conforme a estação: na primavera vende-se muito o tipo de sabão que “deixa as cores mais vivas”; no verão, “o branco total”; outono e inverno são as estações do “deixa as roupas escuras mais escuras”. Pois é! Aqui tem um sabão em pó que deixa as roupas pretas sempre pretas. Produto que alcança um grande sucesso num país onde todos usam preto no inverno. Um detalhe: embalagem de sabão em pó inferior a dois quilos é mais raro que pé de cobra.

Outras curiosidades: propaganda de cerveja, só a partir do início da primavera. Nos bares, a diversidade de chocolates se resume a dois tipos: com ou sem avelãs e a reduzidíssimas quantidades, no verão. Marca de macarrão que fizer propaganda mostrando pratos pesados ou gordurosos, adeus! Todas as propagandas de água mineral mostram pessoas tomando água na garrafa. Estão formando uma geração de mal-educados. Depois, não poderão reclamar.

O telefone celular muda de acordo com a moda. Carro, a cada dois ou três anos. Férias nas Ilhas Maurício, México, Santo Domingo, Cuba, Tailândia ou Jamaica (porque o Brasil não faz a mesma divulgação turística que tantos outros países?).

O consumo de água mineral em garrafa plástica é de impressionar, graças ao elevado teor de calcário na água doce de grande parte da Europa. As propagandas esmeram-se em mostrar montanhas para associar ao produto uma imagem de frescor, transmitindo a informação de que aquela água não atingiu solos profundos nem planícies, onde se encontra o calcário. Pelo mesmo problema, toda dona de casa consome produtos para evitar a formação de calcário nas máquinas de lavar roupas, máquinas de lavar louças e água destilada para os ferros de passar a vapor. A maioria dos lava-rápidos usam água desmineralizada para um último enxágüe, o que evita manchas na pintura.

Frutas e verduras são compradas em quantidades suficientes para dois, três dias no máximo. Devem ser frescos. Abarrotar o carro no supermercado, somente se for dia de festa. Ou estrangeiro. Mas ao menor sinal de crise (qualquer que seja) os consumidores de mais idade aumentam o estoque de farinha e sal. Serve para o pão, que sustentou muitos em tempo de guerra.

Sorvete vende o ano inteiro, inclusive quando neva. O primeiro sonho de consumo é uma Bianchi, uma marca chique de bicicleta. Usam a camisa do time do coração, mas a da Seleção Italiana, não. É mais fácil encontrar alguém com a camisa da Seleção Brasileira. Apesar de não existir propaganda de cigarro, todo mundo fuma. E já começaram as críticas à lei recentemente aprovada, que obriga bares e restaurantes a haverem locais reservados a não fumantes. Encontrar charutos aqui é mais fácil que no Brasil. E, com um câmbio favorável e uma política equivocada do mercado brasileiro, um charuto cubano custa o mesmo que um made in brazil. Vinho. Muito vinho. Uma garrafa de cachaça brasileira custa mais que uma garrafa de um razoável scoth escocês. Mas custa menos que uma boa grappa.

Festa sem música brasileira (velhas músicas de carnaval) não é festa. Quando querem exprimir alegria verdadeira e contagiante, costumam referir-se à torcida brasileira, que consideram patrimônio mundial. E nós nem aproveitamos para exportar!

Tudo uma questão de mercado. Os hábitos diversos são o que caracterizam as diversas culturas. Mas é o tal marketing que decidirá se a nova geração usará copo ou irá beber água na garrafa. Se vale a pena ou não, montar uma fábrica de filtro solar na Nigéria. E até o período em que chocolate e cerveja serão consumidos. A única certeza que nos cabe é que seremos cada vez mais consumidores. Mesmo dos produtos que inicialmente rejeitamos. Ou alguém aí irá me dizer que o primeiro gole de cerveja foi uma experiência positivamente inesquecível?

Ciao.

9 comments:

Anonymous said...

Allan,

Sobre marcas, vc tem toda razão - apesar de que, com Internet, essa fidelidade com marcas não é das mais fortes... Dificilmente você acessa um ou outro portal por ser fiel a ele. Mais fácil abrir todos.

Enfim, sobre nossa estada na Itália: serão poucas horas em Veneza (infelizmente), da noite do dia 23 a tarde do dia 25, quando tomaremos um trem para Roma. Ficaremos na capital italiana até o dia 29 (num desses dias, não sabemos qual, vamos até o sul). Dia 29 à noite embarcamos para SP.

Em tempo, nosso hotel em Veneza: www.bbvenice.com.

Grande abraço!

André (Marmota)

Anonymous said...

Ah, em tempo: poderíamos ter começado com a Italia, mas enfim... Coisas de planejamento! :-D

Felicia said...

Allan,
Venho sempre aqui te visitar. Acho seu blog muito elegante, e nunca postei comentários antes pq as vezes acho que eles se tornam redundantes e desnecessarios. Mas como estou aqui, que fique dito: gosto muito de suas Cartas, e há tempos tenho um link pra cá lá na Dona do Blog. Bom, sei que nao é o espaço adequado - nao achei seu mail- mas queria pedir umas dicas: Vou para a italia, de carro, saindo da Áustria. Tenho só 3 dias e pouca grana. O plano A é ir até Vicenza. Vc tem um plano B pelas redondezas para sugerir? (ja conheço Veneza, Tolmezzo e a linda Gemona). Ou dicas de comida decente a preço honesto e coisas importantes desse tipo? Algum programa legal? Se importa de passar lá na www.adonadoblog.blogspot.com e escrever o que souber? Valeu, Allan, e desculpe por usar o espaço indevidamente. Um abraço,
Felicia Luisa

Rafael Galvão said...

Governador Valadares exporta torcida, sim. Tá assim de mineirim lá na Busholândia. O problema é que eles não perceberam ainda que, se montarem um time de futebol decente, pelo menos a torcida já têm. :)

Anonymous said...

A internet mudou um pouco esse conceito, no momento em que permite a interatividade com determinados produtos ou serviços, checar as informações com outros consumidores, comparar, pesquisar, tudo isso sem sair de casa. A rede é o novo vendedor porta a porta! E para contrariar o que você escreveu, só nos habituamos a ler seu blog porque gostamos dele desde o início.
Abração,

Frank & Gaia

Anonymous said...

A música é uma prova concreta dessa tua teoria: as pessoas acabam "gostando" da música a que são habituadas a escutar desde a infância. Na verdade, se pode mudar hábitos e gostos, mas é preciso ser maleável e estar disposto a novidades, mas a maioria prefere a segurança dos próprios padrões. Bom tema!
Abração
Lenine

Mineiras, Uai! said...

Olá, Allan. Como sempre nos brindando com seus textos sinceros, perspicazes e contemplativos! Creio que aqui no Brasil a questão do consumo está se tornando uma grande bola de neve... NA verdade, os nosso governantes NÃO querem que nós compremos... Quando há um aumento no consumo (nas vendas, etc), vai lá o governo aumentar os juros, as taxas de importação, os impostos, etc, etc. Pq? Há tempos tamos andando muito de mãozinhas dadas com o FMI, meu amigo. Pq não fazem propaganda turística do Brasil? Vc acha que o governo quer criar empregos de verdade? Que nada, fica se gabando de criou não sei quantos mil empregos em determinado ano... quando vc vai ver, TUDO TRABALHO INFORMAL. Não paga direito os pobres trabalhadores, que somos nós, os pobres consumidores brasileiros. Há estatísticas mensais de que sempre que há um aumento no nosso consumo, trata-se de coisas básicas para a subistência: geralmente é carne, leite e verduras. Todas as propagandas veiculadas aqui são voltadas à classe média alta para cima, que não passa de 1% de nossa população... É triste, meu amigo, mas é a vida, né? Fazer o quê?
Abraços, passe no mineirasuai, a Lu escreveu um texto lá hj magnífico! Papai ainda está em Salvador, não sei se seguiu as dicas que vc passou, mas só sei que está adorando!
Ana Letícia
mineirasuai.blogspot.com

Felicia said...

Allan,
Obrigadinha pela gentileza, sim??!!
Um abraço
Felicia

Anonymous said...

Allan, tô vendo que os italianos são mais sazonais que os brasileiros. Além da clara marcação das estações, talvez vá aí um senso de organização, apesar da famosa bagunça dos italianos. A idéia de criar um mercado para o produto é bem interessante e a (Denise?) Arcoverde complementou bem. Queria dizer algom mais sei que você não gosta de elogios profusos...
PS: andei sumido porque o mblog resolveu tirar nossos sites do ar, então meu tempinho livre está sendo gasto providenciando um destino. Assim que eu estiver em novo endereço te aviso. Abraço.
Reginaldo Siqueira, do Singrando onde será.
(será que aqui escondidinho pode? Cara, você está escrevendo cada vez melhor. A cadência, o desenvolvimento do tema, tudo está ótimo neste texto.)