"Promessas e perigos da tecnologia
Nanotecnologia é uma conjugação de engenharia, química e física para manipular substâncias em porções que, na maior dimensão, não excedem 100 nanômetros (do grego, nanos, “anão”). Como um nanômetro ou milimícron equivale a um bilionésimo de metro, pode-se estimar em cerca de um milhão de nanômetros o diâmetro deste ponto final. No mundo nanométrico, moléculas de diferentes elementos podem ser montadas na construção molecular de materiais até então inexistentes, e dotados de certas propriedades não conseguidas na indústria química tradicional. Entre as vantagens de se lidar com materiais em pedaços tão pequenos está sua condutividade elétrica, superior à do cobre.
No momento, a nanotecnologia tem servido apenas para produção de certos pós ultrafinos, usados por exemplo no revestimento de placas de vidro não refletivas ou que repelem poeira. Mas outras aplicações nanotécnicas já no mercado ou ainda em teste incluem microcomponentes de computador e celulares, toca-discos DVD, tecidos que repelem poeira, equipamentos dessalinizadores de água do mar etc. Especialistas na área procuram conjugá-la com a robótica para criar próteses microscópicas capazes de restaurar em cegos ou surdos as capacidades de ver ou ouvir. Muitos desses técnicos descartam como exagerada a visão de robôs microscópicos que destruam em regiões inacessíveis do corpo tanto micróbios hostis quanto tumores de câncer ou formações de colesterol que entopem artérias. Mas há consenso quanto a outras aplicações em medicina, como drogas menos tóxicas e mais eficazes.
Nos primeiros anos deste século, a nanotecnologia gera tanto receios e suspeitas quanto entusiasmo. Uma das mais alarmantes advertências proveio da demonstração teórica de que certas nano-estruturas podem ser dotadas da capacidade de produzir cópias de si mesma. Isto é, de multiplicar-se como micróbios. O astrofísico britânico Martin Rees avalia como cientificamente plausível a possibilidade dessa reprodução exponencial de certas nanopartículas: uma construiria duas iguais, que construiriam quatro etc. Outro pesadelo é o de nano-robôs. (Nanomáquinas simples já são realidade.) Se dotados da propriedade de desestruturar moléculas orgânicas como as de proteínas ou amino-ácidos, esses nanomicróbios poderiam transformar toda a biosfera numa gosma cinzenta. (A idéia inspirou uma versão hollywoodiana de infecção de nano-robôs no filme Eu, Robô e em outras obras de ficção científica.)
Quem propôs originalmente a teoria da gosma cinzenta foi o mais conhecido dos especialistas nesse campo, Eric Drexler, no livro Motores de Criação (1986). Já em 2004, talvez intimidado pelos cortes de verba e outras precauções que as pesquisas do campo passaram a sofrer, ele tem dito que não é bem assim, muito pelo contrário. Mas, ao mesmo tempo, reafirma em murmúrio, como Galileu, que a possibilidade, sim, existe.
Muitos de seus colegas contestam e desdenham tal hipótese, embora admitam vários outros riscos. Uma comissão de especialistas britânicos formada por membros da Real Sociedade de Engenheiros e da Sociedade Real (academia de ciências) divulgou em meados de 2004 um relatório que recomenda o enquadramento da fabricação e do comércio de nano-substâncias em legislação especial, que leve em conta a nocividade potencial desses materiais. Isto porque qualquer substância pode apresentar propriedades muito diferentes quando reduzida a nanopartículas.
Tamanho, por si, já preocupa. Sanitaristas ponderam que quaisquer pós finos, mesmo quando bem maiores que nanopartículas, constituem risco de saúde pública. Por exemplo, fumaça de motores diesel formada por hidrocarbonetos e metais pode lesar as cavidades mais finas dos pulmões. E o amianto de telhas onduladas, tardiamente proscrito no Brasil, continua causando câncer pulmonar e decorrente morte de milhares de pessoas por ano.
Nanopartículas liberadas no ambiente como resíduos poderiam ser absorvidas pela boca e pela pele para acumular-se nocivamente em órgãos internos. Lesões pulmonares e cerebrais já foram induzidas por inalação de nanopartículas em ratos e cães. Diluídas em água, elas também causaram lesões cerebrais em peixes. Além disso, ao passo que os seres humanos já desenvolveram certa imunidade contra muitas das substâncias naturais do ambiente, ninguém sabe como reagiriam às propriedades de nanomateriais até agora inexistentes na natureza."
(The Scientist)
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