Sunday, September 05, 2004

Nos passos de Napoleão

Caros e Caras,
Paz e saúde!

Giuseppe Verdi nasceu em 1813 aqui perto, na província de Parma. Oferecer uma obra sua como fundo musical para a chegada de Napoleão em Piacenza, alguns anos antes, seria improvável. Mas, imaginem o segundo ato da cena dois da ópera Aida (Marcia trionfale e Coro) ecoando dentro da Igreja de Santo Agostinho. Uma igreja imponente e austera, com três enormes arcanjos de pedra sobre o teto da igreja anunciando aos homens de fé cristã, a própria fé. O conquistador abre as imensas portas e entra a cavalo com o alto comando de suas tropas, transformando a igreja em quartel-general da operação militar em Piacenza. Esse foi o motivo da dessacralização da igreja.

A duzentos metros de casa, a igreja de Santo Agostinho abriga, hoje, diversas exposições e mostras. Feiras de decoração, relógios, antiguidades e, vez ou outra, exposição das obras de algum famoso. A história continua viva nas suas paredes. Mas com tanta história espalhada por tantas paredes neste país, a igreja acaba sendo uma construção a mais, que se abre de vez em quando para algum evento.

Mudo a música. Verdi é pouco adequado para umas férias na praia. Menos ainda para um casal com duas filhas de doze e nove anos, ávidos por reviver um clima usufruído por anos em Salvador. Falta o acarajé, a simpatia e cordialidade da gente, a geografia conhecida e uma cerveja estupidamente gelada, mas a brisa e o sal na água são idênticos.

Viajar pela Toscana é uma experiência marcante. Mistura de montanha e campo (roça mesmo!). Túneis curtos e menos curtos. Vinhedos que se misturam com pequenos vilarejos e restaurantes a serem descobertos. Estradas que cortam os Apeninos tosco-emiliano. Estradas sem retorno, que obrigam a um planejamento antecipado do percurso, ou a mudança do roteiro das férias no meio do caminho.

Os sardos são pastores famosos. Pastores de ovelhas. Quando devem reunir os animais, esquecem a tradicional passividade e movem os braços com energia, girando em torno do rebanho emitindo gritos característicos (aiôô…). A balsa que nos leva à Ilha d’Elba é de uma empresa sarda, assim como todos os funcionários que nela trabalham. Para acomodar o universo de carros nos três andares da embarcação, os sardos gritam, pastoreando os motoristas dentro dos corredores. Aiôô…! Uêuê...!

Em 1814, após a derrota pela retirada da desastrosa campanha na Rússia, foi assinado um acordo entre Napoleão, a Rússia, a Prússia e a Áustria, no qual o imperador abdicava ao trono francês e aceitava o exílio em Isola D’Elba. À época dos etruscos, a ilha fornecia o ferro das suas minas abundantes. Depois passou a produzir, também, azeite e vinho de qualidade. Hoje, as minas estão fechadas, a produção de azeite diminuiu, mas o vinho mantém a boa qualidade.

Na ilha, a chamada “Costa dos Etruscos” tem como ponto principal a localidade de Porto Azzurro, que obriga visitantes e moradores em movimento pela ilha, a um percurso de cinema, com a estrada nas encostas dos morros e rochas, provocando vertigens ao olhar o vizinho mar. Marina di Campo é a parte mais aconchegante da ilha. Restaurantes, bares, lojas e adegas. Próximo à sede da empresa elbana Locman (aquela dos relógios coloridos) descobrimos um quarto. Um quarto mesmo! Bem no centro, em frente à Locman, há um imóvel (com número e tudo!) que se resume a um quarto com banheiro, beliche em alvenaria e uma mesa. Tudo em uma área de uns seis metros quadrados.

Porto Ferraio é o maior centro urbano da ilha, além de ponto de chegada e partida das balsas. Do alto do Forte dos Médicis é possível ter uma visão de todo o golfo onde se situa Porto Ferraio. Uma visita ao centro e aos vilarejos que circundam a cidade é um surpreendente programa de horas. Ou anos. Marciana Marina conclui o roteiro das maiores cidades visitadas, do lado oposto à Marina di Campo.

Em San Benedetto del Tronto fala-se checo, além do italiano, nos restaurantes, hotéis e lojas. Na Ilha d’Elba a prefeitura oferece cursos de alemão. Graças à facilidade de comunicação e a um eficiente trabalho junto às agências de turismo na Alemanha, a ilha se enche de alemães de junho a setembro. Mas, também holandeses, suecos, poloneses e outros europeus do norte.

Os alemães, com seus quilos a mais e suas enormes sandálias, provocam pegadas na areia que parecem difíceis de desaparecer sob as ondas. Os escandinavos são discretos e elegantes. Os poloneses, ruidosos. E os holandeses simpáticos e divertidos, colorindo as praias com suas camisetas e bonés cor laranja. No meio dessa confusão de línguas e culturas, os italianos vão estendendo toalhas e esteiras no espaço entre os banhistas que encontram. Apesar do pequeno congestionamento, uma semana em Isola D’Elba, com suas areias de diversas texturas, suas águas cristalinas, a geografia que se alterna em (quase) montanha, campo e mar, a brisa constante e um vinho de qualidade, nos faz relaxar e nos dá a energia para recomeçar.

Se Napoleão tivesse vencido sua última batalha, creio que os três arcanjos sobre a igreja de Santo Agostinho estariam anunciando outra coisa, e não os eventos culturais da cidade. Provavelmente ele teria voltado para as férias de verão na ilha e não seriam os sardos a conduzir as balsas. Mas creio que ele teria dificuldades para entender o alemão que se fala por lá. Aiôô…

Ciao.

7 comments:

Anonymous said...

A passagem de Napoleão pela Espanha foi catastrófica.Em cada cidade que visito encontro marcas do saqueio de obras de arte e lendas de suas passagens pelas igrejas transformadas em quarteis.
Mas fiquei realmente louca para conhecer a Toscana...
Beijo
ps. As amigas do restaurante estavam só esperando o cafezinho para abrir o coração.Nada mais gostoso que colo de amiga.
Nora Borges

Claudio Costa said...

Sempre "enxerguei" as peripécias de Napoleão, utilizando minha capacidade de imaginar, sonhar acordado, viver através das gravuras dos livros e dos filmes. Entretanto, sua descrição acurada da região da Sardenha, parece feita por uma testemunha ocular. Quase escutei Verdi e juro que "vi" os arcanjos evoluindo mansamente sob a cúpula do templo: um vôo leve, sutil, por sobre a fumaçã dos turíbulos, fumegando de incenso. Foi isso mesmo?

Anonymous said...

Allan,
Napoleão foi um daqueles conquistadores que deixaram sempre uma marca na sua passagem. Invariavelmente, essas marcas podem até ter sido positivas para os franceses, mas sempre são vistas de forma negativa pelos países que sofreram sua invasão.
Mas, como você diz, "se" Napoleão tivesse vencido sua última batalha...
Se...

Frank & Gaia

Anonymous said...

Allan,
Acredito que o mundo está cada vez menos interessado nos fatos históricos e na cultura. Viver onde ocorreram importantes fatos históricos só tem algum valor a quem conhece o valor de tais fatos. Como você escreveu, a Itália é um país com tanta história que eu acredito que poucos italianos vivam o próprio país como você.
Abração,
Lenine

Anonymous said...

Napoleão foi um grande general. Os franceses têm muito orgulho das conquistas dele. Napoleão foi é muito arrogante e fez muita merda! Menos mal que o museu "a Casa de Napoleão" na Isola D'Elba é desconhecido e pouco visitado. Mesmo assim, a ilha não merecia aquele mausoléu de péssimo gosto. Parce piada de francês!
Abração,
Diogo

Anonymous said...

Napoleão foi um grande general. Os franceses têm muito orgulho das conquistas dele. Napoleão foi é muito arrogante e fez muita merda! Menos mal que o museu "a Casa de Napoleão" na Isola D'Elba é desconhecido e pouco visitado. Mesmo assim, a ilha não merecia aquele mausoléu de péssimo gosto. Parce piada de francês!
Abração,
Diogo

Anonymous said...

As marcas que Napoleão deixou para trás foram apenas da lama dos cascos de seu cavalo. E o vazio nas paredes. Adorei os pastores de carros, prá mim o ponto alto deste passeio. Abraços.
Reginaldo Siqueira mblog.com/singrando