Caros e Caras,
Paz e saúde!
Sabe aquela feira de bairro que acontece uma, duas vezes por semana, onde se pode comprar frutas e verduras frescas e onde se fala mal da vida dos outros? Pois é, aqui não tem! Não que o italiano não fale mal da vida dos outros, mas a feira da região onde moramos não vende alimentos. Vende de tudo, menos frutas e verduras. E se chama “mercato ”. “Il Mercato ”. Todas as quartas e sábados as barracas lotam o centro da cidade e oferecem boas e más oportunidades. Ocupando a Piazza Cavalli e a Piazza Duomo, as duas principais praças da cidade, interligadas por uma rua comercial exclusiva aos pedestres, a feira acolhe uma infinidade de pequenos comerciantes, na maioria, italianos.
Noutro dia um policial pediu-me para descer da bicicleta: no meio da feira é proibido o trânsito de qualquer veículo. Tive mais sorte que muitos. Descobri, através de uma edição histórica do jornal Libertà, comemorativa aos seus cento e vinte anos, que um sujeito foi julgado e multado em duas mil liras por transitar de bicicleta em alta velocidade no centro da cidade, em fins do século dezenove. Menos que um outro, multado por chicotear forte demais o cavalo que puxava a sua carroça: três mil liras. Parece que as bicicletas têm longa tradição na sociedade piacentina. Assim como as multas…
A chinesa nos atende sorrindo, apesar de termos ido solicitar a troca de um agasalho esportivo, curto demais para uma menina em infinita fase de crescimento. Ela sabe que dentro de dois meses tornaremos para um outro agasalho. O preço? Um quinto do valor na loja de artigos esportivos.
Sapatos, bolsas, bijuterias, panelas, ferramentas, perfumes, roupas e todo tipo de quinquilharia produzida na China ou em Nápoles (uma espécie de Paraguai local). Em geral, mercadoria descartável, mas tem, também, mercadoria boa com preços realmente de ocasião. O vendedor de sapatos esclarece: “Esse tênis é igual aquele famoso lançado nesta semana. Cópia idêntica! Só a marca e o preço são diferentes.” Barracas, mesmo, são poucas. Os caminhões ou furgões chegam às quatro e meia, cinco da manhã. Abre-se a lateral do veículo que se transforma em estantes, prateleiras e balcão. O único trabalho é arrumar a mercadoria. Não faltam nem mesmo as bancas de artesanato, montadas pelos remanescentes dos hippyes.
Nos dias de feira, boa parte do comércio da zona fecha, exceto aos sábados, dia de grande movimento. Nas outras áreas o comércio fecha às tardes de quinta-feira, para poder funcionar aos sábados à tarde sem ferir a carga horária semanal dos empregados. A Pizzaria D’Orologio (a minha preferida) na Piazza Duomo, não abre para almoço às quartas-feiras. Deve estar perdendo uma ótima oportunidade, pois não há opções. O labirinto de barracas, chineses e bugigangas costuma separar famílias. E não existe nenhum lugar aberto onde se possa comemorar o reencontro.
No aniversário das cidades e vilarejos, ou no dia do padroeiro, costumava-se fazer uma feira com exposição de tratores, algum artesanato e comida local. Mas isso não era suficiente para atrair um público que compensasse todas as despesas das prefeituras. Aos poucos, abriu-se a oportunidade da participação de pequenos comerciantes da província. Pronto! Adeus festa caipira! Os tratores continuam lá, mas são os únicos representantes de um tempo que se foi. As feiras são todas iguais. Muda somente a sua dimensão, pelo fato da “festa” ser mais ou menos tradicional. A feira de Santo Antonino, em Piacenza, é muito famosa e ocupa todo o Passeggio Publico, uma longa rua fartamente arborizada, destinada aos pedestres. As ruas adjacentes começam a ser ocupadas pelas barracas que aumentam a cada ano. É impossível visitá-la inteira e estar vivo ao final do dia. Dura somente o dia 4 de junho.
A senhora, dona de uma elegância discreta, caminha silenciosa entre malas e bolsas expostas; duas jovens escolhem, animadas, a mochila com a cor da roupa; o dono da barraca de casacos de pele, dispensa às baixinhas equatorianas um tratamento de rainhas: elas são as suas melhores clientes. Um casal de anciães já comprou peças de fogão, tênis para criança, um xale, um colete e estão negociando a compra de um cobertor; um rapaz espera o vendedor terminar o embrulho para presente de um vidro de perfume; Dom Anselmo, o pároco da catedral, passa indiferente.
A desenvoltura das pessoas em pechinchar, comprar e levar para casa as mercadorias em sacos plásticos reaproveitados, cria um tipo de solidariedade silenciosa. São as mesmas pessoas que frequentam as lojas caras das ruas chiques. Ocasionalmente, se ouvem desculpas improvisadas, quando dois conhecidos se encontram no meio da feira: “Estou programando pintar a casa…”
Dia de feira, folga de camelô. Como não têm licença, os africanos desaparecem com medo do maior controle da polícia e das denúncias dos feirantes. Só os vendedores de castanha assada circulam livremente. Isso, de meados de setembro até o dia de finados, que, como manda a tradição, marca o fim do período da castanha no Norte.
Ao meio-dia a mercadoria começa a ser recolhida. Às quatro da tarde a limpeza pública já deixou tudo como no dia anterior. Resta apenas a certeza da transitoriedade das coisas. E a impressão de que também nós somos descartáveis.
Hum…
Acho que uma barraca de pastel seria um bom negócio.
Ciao.
10 comments:
Allan, eu moro no centro de Milao e aqui tem feira sim! Dos dois tipos. Quinta-feira e' dia de frutas, verduras, flores, peixe, etc. Eu demorei para descobrir e olha que fica a uns 150 metros de casa.
E no sabado e' dia do mercado que voce descreveu, e que eu adoro.
Abracos,
Simone.
http://lalonge.blogspot.com
Allan,
Adorei sua descrição do "il mercato". Cada vez que leio seu blog me dá mais vontade de conhecer a Itália. Está de parabéns pelo texto que nos transporta até estes lugares maravilhosamente exóticos, pintando suas cores e delineando as formas, reinventando os odores.
Aqui em Belo Horizonte temos uma feira enorme, a "Feira de Artesanato de Av. Afonso Pena" (vulgarmente chamada de "Feira Hippie"), não sei se já ouviu falar. Ocorre todos os domingos, sem exceção, e fecha-se uma das principais avenidas de Belo Horizonte, cerca de 3 quarteirões. Vende de tudo que vc pode imaginar: de móveis a sapatos, quadros, bijouterias, roupas de adulto, criança e bebês, acessórios, comidas de todas as regiões do país, etc. Esta feira atrai gente de todas as partes do Brasil, bem como turistas de outros cantos do mundo, e é a maior feira do gênero da América Latina! É fantástica! Tem coisas de excelente qualidade, que vc encontra nas caríssimas boutiques da savassi e shoppings. Convido a todos a virem em BH e desfrutarem desta miscelânea criativa... Ah! E não vai faltar aquela barraquinha de pastel!!!
Abraços
Ana Letícia
Oiee Allan.
Eu adoro o seu blogger, muito legal.
Eu ja morei um ano ai na Italia, em Merano e no Lago di Garda, amei, amei, amei. Estou com planos de voltar em junho de 2006.
Gostaria muito de entrar em contato com vc, sera q vc poderia me escrever. Meu e mail eh: cinthyamit@yahoo.it
Vou esperar pelo seu contato.
Obrigada
Tudo de bom.
Cinthya
Descobri "el mercadillo" espanhol um dia desses. Adoro futucar nas barracas e descobrir verdadeiras pechinchas!
Estou me tornando experta!
Allan,
Eu assisti a final de esgrima com o Carlo ao meu lado, italiano de Parma e, como bom italiano, louco por futebol. Quando ele viu a bandeira com o prefixo, me disse imediatamente que era uma forma de homenagear o seu time, o Livorno. Nao sei se isso e' uma pratica comum ou se ele teve essa ideia na hora. Nao me parece, pois alguns dias depois vi o Aldo Montano no programa de fim de noite da RAI discutindo, junto com Paolo Bettini e o que ganhou a medalha no tiro, adivinha o que? Futebol, claro :-) E ele falava da sua paixao pelo Livorno, segurando a tal bandeira.
Bem, e a gentileza e' sua de ter criado um blog delicioso.
Ciao,
Simone.
Allan,
Eu assisti a final de esgrima com o Carlo ao meu lado, italiano de Parma e, como bom italiano, louco por futebol. Quando ele viu a bandeira com o prefixo, me disse imediatamente que era uma forma de homenagear o seu time, o Livorno. Nao sei se isso e' uma pratica comum ou se ele teve essa ideia na hora. Nao me parece, pois alguns dias depois vi o Aldo Montano no programa de fim de noite da RAI discutindo, junto com Paolo Bettini e o que ganhou a medalha no tiro, adivinha o que? Futebol, claro :-) E ele falava da sua paixao pelo Livorno, segurando a tal bandeira.
Bem, e a gentileza e' sua de ter criado um blog delicioso.
Ciao,
Simone.
Allan,
Eu assisti a final de esgrima com o Carlo ao meu lado, italiano de Parma e, como bom italiano, louco por futebol. Quando ele viu a bandeira com o prefixo, me disse imediatamente que era uma forma de homenagear o seu time, o Livorno. Nao sei se isso e' uma pratica comum ou se ele teve essa ideia na hora. Nao me parece, pois alguns dias depois vi o Aldo Montano no programa de fim de noite da RAI discutindo, junto com Paolo Bettini e o que ganhou a medalha no tiro, adivinha o que? Futebol, claro :-) E ele falava da sua paixao pelo Livorno, segurando a tal bandeira.
Bem, e a gentileza e' sua de ter criado um blog delicioso.
Ciao,
Simone.
Realmente as feiras da Itália estão perdendo as barracas de futas e verduras, que formavam um verdadeiro espetáculo de cores e perfumes. Para compensar, os chineses estão tomando conta de tudo, você reparou?
Abraços, Diogo
Da coluna do Ancelmo Góis de hoje:
"Ontem, às 13h30m, a viatura da PM n 542159 (placa LOT 5113) passou em frente ao Museu da República, no Catete, tocando a sirene para chamar a atenção dos camelôs.
Um policial gritou de dentro do carro: 'A Guarda Municipal está vindo aí, se arranca.' "
Oi Allan. Eu e minhas leituras atrasadas do seu blog. Estou adorando. Suas crônicas me transportam para aí. Adorei sua descrição do mercato (e aprendi que se escreve com um t só) Abçs. Anamaria.
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