Saturday, June 12, 2004

O ocaso da dinastia italiana

Caros e Caras,
Paz e saúde!

A família Agneli está para a Itália assim como… Bem, assim como a família Agneli está para a Itália. É difícil uma comparação, neste caso. Poderia dizer “assim como os Kenedy para os Estados Unidos”, mas seria minimizar o poder político da família italiana. Poderia, ainda, compará-la à família real brasileira, mas seria forçar um glamour que nunca tivemos. Muito do que a Itália é hoje, deve aos Agneli. Assim como Chatô fazia aprovar leis no Brasil que o beneficiavam, os irmãos Gianni e Umberto Agneli contaram com o auxílio do Congresso Italiano cada vez que a empresa fundada por Edoardo Agneli (pai de ambos) necessitou. A morte de Umberto há quinze dias, dezesseis meses após a morte do grande líder da Fiat, o irmão Giovanni, encerra a saga da mais importante e influente família italiana contemporânea. As irmãs, filhos sobreviventes e sobrinhos não têm força para manter a hegemonia herdada. Os irmãos Agneli transformaram a empresa de família no maior e mais importante grupo industrial do país. O vazio deixado pela perda de Umberto provocou uma enorme dúvida quanto a condução da empresa, já cambaleante, minimizada, em parte, com a escolha relâmpago de Luca Cordero de Montezemolo como novo presidente. Montezemolo, além de eterno presidente da Ferrari, acabara de ser eleito presidente da Federação Industrial Italiana. Mas a saída de cena do último Agneli abalou de forma definitiva o ânimo da nação italiana.

Outro fator que tem contribuído para a sensação de fim de festa que vem enfrentando a Itália é a atual penúria econômica causada pela valorização do euro. Aqui se diz: “Nevou? Governo ladrão!” Não se pode creditar a queda das exportações italianas somente aos erros do Governo, mas é mais divertido aproveitar a oportunidade para criticá-lo. Neste momento o primeiro-ministro Silvio Berlusconi parece indefeso como um sapo levando pauladas: buscando uma brecha para escapar, nem se lembra de criticar os hábitos de consumo da população. O italiano gosta de afirmar que consome alimentos genuinamente italianos, mas todo o resto deve ser produto estrangeiro. Americano, de preferência.

Além disso, é difícil levar a sério um país onde haja leis que permitam o falimento de times de futebol. Principalmente em se tratando do país que inventou a filosofia do “pão e circo”. O time da Fiorentina faliu e o nome oficial não pode ser utilizado pelo time que se formou a partir do seu espólio. O time do Napoli acaba de depositar um pedido de auto-falência. E para meter o dedo na ferida, gostaria de lembrar que os grandes craques do futebol italiano ainda são os estrangeiros. Os jovens talentos italianos têm muito pouco espaço para crescer no mar de estrelas de outras nacionalidades. Além da avalanche dos kakás brasileiros que continuam chegando, outros sul-americanos e estrangeiros de toda a parte vêm jogar aqui. Saadi Kadafi, o filho do coronel líbio, joga no Perugia (“joga” é bondade da minha parte).

O último escândalo do futebol nem chega a ser novidade: Jogadores, dirigentes e até um árbitro estão sendo investigados pela temível Guardia di Finanza por manipulação de resultados em algumas partidas. O medo da Finanza se justifica quando se sabe que ela só entra em ação após ter recolhido provas do delito. A investigação é mera formalidade. A lembrança da Copa de 82 vem à tona, com Paolo Rossi que tornava aos campos após dois anos impedido de jogar por ter participado numa maracutaia idêntica, à época. Jornais e televisão aproveitam o atual caso como treino para o verão, quando a diversão será flagrar jogadores e outros vips em locais badalados em companhia de outros(as) vips ou candidatos(as), em situações comprometedoras. O corre-corre dos jornalistas só será menor que o corre-corre dos vips que terão pouco tempo para serem flagrados.

O último grande ídolo do futebol italiano aproveita para engrossar o caldo que entristece o prato do quotidiano italiano: Roberto Baggio garante que desta vez é adeus. A participação dele num amistoso entre a seleção italiana e a da Espanha serviu como cenário para a sua despedida, anunciada ao fim de cada campeonato nos últimos anos. A certeza de que não seria convocado para o Campeonato Europeu, que começou nesta semana, nem chegou a influenciar a sua decisão. Há muito o treinador é obrigado a trabalhar com os jogadores escolhidos pelos patrocinadores, numa prática muito conhecida por nós, brasileiros. E ele, Baggio, sabe ter se distanciado do perfil traçado pelos grandes anunciantes.

Outro grande ídolo do esporte italiano já havia se despedido de forma mais trágica: o ciclista Marco Pantani (o Pirata) morreu sozinho em um flat na cidade de Rimini no início do ano, em condições suspeitas, após ter abandonado carro e celular em Milão. A indiscrição de agentes que investigavam o caso deixou escapar que um pó branco teria sido encontrado próximo ao atleta. Tentou-se abafar o caso, procurou-se um culpado e a mãe recusou-se a falar com a imprensa. Especulou-se sobre suas viagens à Cuba, tentativas de desintoxicar-se, a perda da auto-estima e a sua fuga dos amigos que tentavam ajudá-lo. A imprensa sempre procurou informar de forma dúbia, oferecendo uma oportunidade de resgate da imagem do ex-campeão. Até mesmo a Guardia di Finanza (sempre ela!) contribuiu para melhorar a imagem desgastada do ídolo, não encontrando nada na blitz anual no Giro d’Italia deste ano. Tudo em vão. Cristina, a ex-namorada suíça de Pantani, por quem ele tinha enorme devoção, declarou numa entrevista recente (coagida sob sabe-se lá quais argumentos) que distanciou-se do ídolo quando, após três meses consumindo drogas ao lado dele, deu-se conta do tamanho do abismo em que caía. Declarou: “Eu usava droga com a euforia dos novatos. Marco as consumia em doses industriais.” Pobre Pirata…

Os Agneli eram os verdadeiros reis da Itália, muito mais que aqueles da Casa Savoia. Berlusconi pretende sê-lo. Paolo Rossi e Pantani ocuparam o trono por breves períodos. Hoje, o rei é Kaká. Ex-atleta de Cristo brasileiro, bem dentro dos padrões do marketing das multi. Aos Agneli, resta o glamour.



Ciao.

1 comment:

Anonymous said...

Tudo bem, Allan?

Vim agradecer sua visita e encontrei um verdadeiro recorte de ambiente na Itália... Muito bom! Por aqui, recebemos poucas notícias (o máximo que li a respeito foram boas referências a Luca di Montezemolo ao citá-lo como novo comandante da Fiat).

Em tempo: sabia sim que o dia de São Valentim, o "dia dos namorados" em praticamente todo o mundo, cai no dia 14 de fevereiro. Sei também que, ao contrário do nacional, é possível felicitar não apenas o namorado, mas sim qualquer pessoa que estima.

Por isso detesto o nosso 12 de junho... :-P

Grande abraço!

Marmota
www.marmota.org/blog