Dia 1 – Cinco e meia da manhã e a grama está congelada. Verde, mas congelada. Em breve sucumbirá à neve, mas só para renascer com o primeiro espreguiçar dos ouriços. Alguns melros imóveis observam a nossa presença. Eles não migram, se adaptam e sobrevivem nesse frio de zero grau. Não voam a essa hora para não gastar a energia que ainda não repuseram, cada passo deve ser comedido. O cão não acha graça em correr atrás de pássaros inertes no chão. Pelo sim, pelo não, caminho em outra direção. O imenso jardim está vazio. Uns cacos de garrafas de cerveja brilham sob a luz dos postes instalados mês passado. Já haviam retirado os bancos, vítimas do vandalismo juvenil. A iluminação, contudo, não inibe a necessidade de extravasar dessa geração com menos horizontes que seus avós. As roseiras plantadas para criar um túnel florido não vingaram. Crescem metro e meio, dois metros, sem conseguir fechar os espaços com aquelas outras, nas bases oposta dos arcos de metal. O extrato de terra é raso, caminhamos sobre um estacionamento subterrâneo.
Dia 2 – Uma fina camada de neve cobre a grama, os
telhados, os carros estacionados lá no fundo. Teias de aranha congeladas na
grade que separa o imenso jardim do prédio do Arquivo de Estado, que fazia
parte do complexo onde hoje é o jardim. Isso aqui era um seminário que foi
transformado em quartel. Acho que da época em que as tropas de Napoleão
ocuparam a cidade. O frio, dizem, é muito mais antigo. O cão ignora quem foi Napoleão
e mija na grama que um dia foi dele. Os melros bicam as raras áreas de grama livres
da neve.
Dia 3 – Botas de neve, camisa, malha, colete, casaco e
capa de chuva para proteger do frio. Boné. Capote quentinho para o cão. Dez
centímetros de neve macia e escorregadia. Brisa gelada. A partir de agora,
minha vida depende da velocidade com que eu fecho o ultimo centímetro do
casaco. Melros? E quem é besta?
Dia 4 – A neblina aqui – era só o que faltava! – é de
lascar. Somente o primeiro poste é visível. O próximo – espero – deve estar
logo à frente. O outro lado da rua está lá, eu sei. Apenas não é visível. O
Tratado de Genebra me garante o direito de não atravessar a rua para verificar.
A neve congelou e o passeio fica crocante. Um vulto enorme e indecifrável aparece
a um metro de distância. Um ser enorme me fixa, parado. Dou outro passo lento e
descubro que é um parquímetro. Parquímetro? Lascou! Onde fomos parar? Será possível
que atravessamos uma dobra temporal do Universo e... Ah, lembrei! Instalaram
isso semana passada. Ele mija no parquímetro e o passeio continua, lentamente.
Tateamos na neblina em busca de aventuras. Se conseguirmos voltar para casa,
festejaremos. Torçam por nós.
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