Diário de um mundo novo – dia 113
Não existe uma segunda onda de covid. A primeira nunca terminou. As medidas continuam sendo necessárias.
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Lembro que o governo suspendeu todas as loterias para evitar que os desesperados saíssem para jogar. A Itália é o país das loterias. Você nem imagina a quantidade de raspadinha que existe nessa terra. Sem falar nas loterias, que também são muitas. MUITAS. Tem uma que tem extração a cada cinco minutos e, se o apostador preferir, tem a aposta instantânea. Não sei se faz sucesso, mas só de imaginar a possibilidade de o infeliz continuar apostando na esperança de recuperar o dinheiro, dá dor de cabeça.
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Perdi um evento no qual gostaria de ter sido testemunha. A manifestação “novax” em Roma. Pelo que ouvi no rádio, foi muito divertido. Bill Gates, Rockefeller e “compagnia bella” foram chamados em causa. Estariam chefiando o movimento para domesticar a humanidade com 5G, microship e vacina. Estacionei o carro não tanto para ouvir o que dizia uma das organizadoras da aglomeração sem máscaras, mas porque não conseguia guiar o carro e gargalhar ao mesmo tempo. Terraplanistas, tremei.
Diário de um mundo novo – dia 114
Faltou dizer, ontem, que o governo italiano arrecada cerca de nove bilhões de euros com impostos sobre as diversas loterias, valor que deve crescer a partir de 2021, quando os novos percentuais, sem o efeito covid, entrarão no caixa do tesouro. Ou seja, a Itália abriu mão de pouco mais de dois meses de uma arrecadação muito gorda.
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Entre as diversas medidas econômicas, o bônus para reformas que melhorem a eficiência energética de todas as construções (residenciais, comerciais e industriais) chega a 110%. Sim, o estado vai descontar dos impostos 110% dos valores gastos. Aquecedores mais eficientes, painéis solares e qualquer item que ajude a economizar energia vai ser deduzível dos impostos a pagar. 110%. Isso sem contar os quinhentos euros para a compra de bicicletas, bicicletas e patinetes elétricos. Existe, ainda, o bônus para a troca de automóveis, bancada parte pelo governo e parte pelas montadoras e concessionárias. E nisso a Itália pecou, pois oferece o bônus para veículos novos de qualquer tipo. Sim, são menos poluentes, mas a Alemanha, por exemplo, atrelou o bônus à substituição de carros elétricos ou que utilizem combustível renovável, enquanto a Itália está desovando carros já produzidos. A maioria, gasolina e diesel. O primeiro resultado já está nas ruas: muitas bicicletas e patinetes elétricos passeiam pela cidade.
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Enquanto isso, ouriços passeiam pela cidade nas madrugadas.
Diário de um mundo novo – dia 115
Hoje foi um dia em que tudo deu certo. Saí com ela pra tomar uma cerveja. Mais de uma. Não foram só pequenas vitórias ou conquistas, teve coisa importante acontecendo também. Se bem que estou comemorando até respirar corretamente. Sempre caçando justificativa pra cervejinha. E isso é importante: dar importância (foi de propósito) mesmo às alegrias menores. Tenho um amigo que comemora quando consegue fritar ovo com a gema sem estourar. No caso dele, trata-se de uma grande conquista. O que você tem pra comemorar hoje?
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Nossa Biba chegou aos vinte e oito anos hoje. Quem diria que aquela merdinha endiabrada cresceria tanto e se tornaria a delícia que é? Feliz aniversário, Bi!
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Já a Luiza comprou a passagem de volta a Londres pro dia vinte. Quem diria que aquela delícia merdinha se tornaria a endiabrada que é? Bicho do mato!
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Diário de um mundo novo – dia 116
Não Foi Só Um Dia, É Uma Temporada De Coisas Boas Acontecendo.
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Shivinha está um amor. Pode se candidatar para o lugar do dragão guardião do inferno.
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Eu não sei por que eu não sei as coisas que eu gostaria de saber.
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Vou começar uma coleção de diamantes. Se tiver algum que não usa nunca, aceito de presente.
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Como iremos viver num mundo sem papel?
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A temporada de cerveja gelada continua. Já dura uns quarenta anos.
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A propósito de Shivinha, tenho mordido mais ele do que ele a mim.
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Este diário de hoje homenageia a querida Marina Castro Ciuffi, leitora assídua das besteiras que escrevo, amiga de cinquenta anos e que nos deixou recentemente. Foi morar dentro do amigo Wanderlei Ciuffi.
Diário de um mundo novo – dia 117
Comecei o fim de tarde com uma Ichnusa não filtrada e um charuto “cazadores” Jose L. Piedra (cubano). A Eloá pediu à Luiza – bartender inglês de alto gabarito – pra fazer spritz pra nós. Secamos duas garrafas de prossecco e uma de Aperol. E dois charutos. O Shiva nos fez companhia. Jantou carnes com verduras, destruiu duas caixas de charutos vazias e latiu pras gralhas. Cada garrafa de prossecco rende seis doses. Receita de spritz da Lu: Uma dose de Aperol, uma de água com gás, duas de prossecco e gelo. Considere 50 ml cada dose. Tome e agradeça à Luiza. Fume e agradeça a mim.
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Temos como vizinhos duas famílias de neocatecúmenos. Com todo o respeito, num período como o que vivemos, vai gostar de fazer filho assim lá em Madrid! Respeito, sim. Qualquer que seja o caminho religioso, filosófico ou espiritual escolhido, todo mundo é livre para viver a própria vida como bem escolher. Até e, principalmente, quem escolhe não ter nenhum. Os filhos nascidos e criados dentro do caminho religioso, filosófico ou espiritual, porém, não tiveram a liberdade de escolha. E eles têm muitos filhos.
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Os sobreviventes daqui saúdam os sobreviventes e as vítimas daí. Tá feia a coisa.
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Dias 20 e 21 próximos teremos o referendo para escolher se reduzimos ou não o número de parlamentares. O campeonato de futebol da temporada 2020/2021 começa dia 19. O que você acha que dará ibope? São os dois únicos assuntos do momento.
Diário de um mundo novo – dia 118
Se você não está cansado de ouvir bate-boca de políticos é porque você não mora na Itália. Para poder aparecer todos os dias na mídia é preciso criar uma polêmica de manhã e outra de tarde. O pior é que tudo o que se discute é morto frio, notícia velha. Como no próximo fim de semana haverá um referendo e eleições em algumas regiões, o clima de eterna campanha aumenta. E diminui a paciência.
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Tenho uma implicância de meio século com a palavra “asterisco”. Quando moleque, achava que deveria se chamar “asterístico”. Continuo achando.
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Com essa história de pandemia, existem coisas que fazia sem pensar e que, agora, nem pensar!
Usar corrimão
Usar telefone dos outros (“explica pra ele aí”)
Abrir portas com as mãos sem ter com o que desinfetar depois
Aceitar ou emprestar canetas
Oferecer ou receber balas
Cumprimentar com apertos de mão
Empurrar carrinho de supermercado sem medo e sem desinfetante
... continue você
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Acabei de inventar a expressão “morto vivo” sem perceber.
Diário de um mundo novo – dia 119
Amanhã reabrem as escolas por aqui. Bancos separados, temperaturas medidas, máscaras e máscaras sobressalentes, distância social – menos no recreio. Os pais fizeram uma petição que foi acatada e os céus solicitaram voluntários do inferno para formar gigantescos corais. Juntos, cantarão hinos e louvores nas entradas das escolas, assim que as crianças entrarem pelos portões. Isso mesmo, voluntários do inferno. Como se sabe, no céu habitam somente duzentas e dezoito almas, não daria pra cobrir todos os institutos. Depois dos contágios durante o verão, vem aí o da volta às aulas.
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Se tem uma coisa que me incomoda é a exposição de animais feridos ou mal tratados. Mas como não publicar nas redes sociais se elas se tornaram os novos veículos de informação?
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O Encapetado acordou com a corda toda. Depois do passeio matinal, queria brincar e brincar. Lutamos, fizemos cabo-de-guerra com o kong em forma de osso, me mordeu e foi mordido. Não satisfeito, foi morder a Eloá até ela acordar e descobrir onde queria o carinho. Pensa que cansou? Sabe de nada, inocente.
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Praticamente o último domingo de verão, independentemente do calendário (volta às aulas...). Nem pensar em ir ao Trebbia ou a Nure, os rios balneáveis da província. Além do trânsito coalhado, multidões e ausência de máscaras.
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Minha mãe ligou ontem à noite (tenho falado com ela constantemente) pra dizer que o calor no Embu está insuportável.
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