— Seu Zé, quantos quilômetros tem esse rio?
— O Panema? Num sei.
— O nome não é Paranapanema?
— É, mas aqui nós chama ele de Panema, mesmo.
— E como é que o senhor não sabe quantos quilômetros
tem?
— Nunca midí. Eu sô pescadô, não agrimensô.
— Mas a quantos anos o senhor pesca nele?
— Ah, tem tempo. Nós vem pescá aqui desde que eu era
muleque.
— E nunca teve a curiosidade de saber o quanto é
grande?
— Eu venho pra pescá, num é pra tê curiosidade, não.
— Pescar o quê, se nós quase nunca levamos peixe pra
casa?
— Você, que eu sempre pesco arguma coisinha.
— Eu teria vergonha de levar esses dois barbadinhos
pra casa e dizer fui pescar.
— Tá certo, quem vai levá sou eu. Cê num pescou nada,
até agora.
— Mas é isso, Seu Zé. Nós vimos sempre no mesmo lugar
e aqui não tem peixe. Será que mais pra baixo ou mais pra cima é tudo igual?
— Nossa, como cê tá gastano português hoje! “Nós
vimos” fez duê azureia. Né mais fácil dizer “a gente vem, nós vem”? Quando o
rancho foi construído tinha muito pêxe aqui. Foi as barrage que acabaram cos
pêxe.
— ‘Bora virar esse barco e descobrir o quanto ele é
longo?
— Quando chegá nas barrage nós tem que carregá o bote
nas costa.
— E qual é o problema?
— O problema é que o bote é leve, mas o motor, não.
Come umas laranja. Laranja é a melhor coisa pra pescadô. Engana a fome e a
sede. Vai vê, cê tá cum fome.
— Tô com fome, não, Seu Zé. Tô só curioso pra saber o
comprimento desse rio.
— Acho bão cê cumê. Cê deve tá cum fome, sim. Vamu
subí o rio, não.
— Mas eu só quero saber quanto mede o Panema. E nós
comemos um churrasco agorinha, não tô com fome, não. Depois, que pescador é
esse que traz carne e cozinheiro pra pescaria?
— Pescadô é pescadô, cozinhêiro é cozinhêiro. E se nós
num traz o cozinhêro vamu tê que cumê estalazói.
— “Estalazói”?
— O pão cum mortandela, que é a única coisa que tem no
bar do Jão. Aquele pão muxibento que istica qui nem elástico quando a gente
morde.
— Aliás, não entendi por que nós viemos em cinco e só
nós dois saímos pra pescar.
— O cozinhêro vem pra cozinhar; o Miguel e o Júlio
pesca também, mas eles prefere pescá na margem. O Júlio às veiz vem no barco,
mas só de salva-vida, que o bote virou com ele, uma vez.
— E se ele caísse aqui e só conseguisse sair no fim do
Panema, quantos quilômetros iria nadar?
— Num sei. Mas acho que ele afogava antes. Depois, o
Panema num acaba, ele só deságua no rio Paraná.
— Que o senhor não sabe quanto é longe.
— Não.
— Lembra quando levei o senhor pra pescar no Trebbia?
— Foi bão demais! Ô, rapaz!
— Lembra quantas trutas pescamos?
— E cumé que eu ia esquecê? Dizoito trutas.
— E a mulheres ficaram fulas da vida quando viram
tanto peixe.
— S’isqueceram que truta num tem escama e acharam que
elas que teria que limpar.
— Mas bem que gostaram de comer.
— Passa uma laranja pra mim.
— Péra, Seu Zé! Fisgou um aqui.
— Dá linha pra ele! ...Aperta um pouco a carritilha
pra cansá o bicho, mas dêxa ele puxar. ...Vai! Isso, devagar. Quando ele vié
pra cá, carretilha pra linha num bambiá. ...Passa pro lado de cá, vem! Vai
carritilhando devagarinho. Isso!
— Olha, Seu Zé! Uma baita duma piracanjuba.
— Té quinfim, né? Viu que num precisa pesca em ôtro
lugá?
— Seu Zé, deve ter uns dois quilos.
— Mais ou menos.
— Aproveita que o senhor levantou de cima da
geladeirinha e me dá uma cerveja.
— Ah, agora cê tá falando a minha língua.
— Mil quilômetros?
— O quê?
— O Panema. Deve ter uns mil quilômetros?
— Faz uma coisa, na próxima vez cê fica em casa
pesquisando no computadô e depois conta tudo pras mulheres.
— E pro senhor?
— Num sei, num quero saber e tenho raiva de quem sabe.
— Dá outra cerveja aí, Seu Zé.
(Seu Zé no Rio Trebbia)
No comments:
Post a Comment