A lembrança mais antiga é a do sonho intrauterino que me seguiu pelos primeiros cinco ou seis anos. Fogareiro Jacaré em Copacabana, onde o Sol refletia nos meus cabelos brancos, o que me rendeu um dos tantos apelidos: alemão. O alemão que gostava de Mariola Lula, das pernas tortas do Garrincha driblando no Canal 100 e que gostou do sabor do camarão cru que o tio usava para pescar. Aprendi a pescar traíra em Itaquira, descalço e riscado pelo mato com cheiro de bosta de vaca. Mas andar descalço é perigoso, e a avó, sábia, vermifugava com sementes de mamão e chá de hortelã por um dia inteiro. Não sei o que era pior: o vermífugo ou a sensação de estômago vazio no dia seguinte, quando a convulsão estomacal me fazia vomitar o nada.
Kiko, o nosso Boxer, morreu envenenado; tinha
uma cabra que vivia no morro dentro do quintal, na casa no bairro do Cremerí,
em Petrópolis; a tartaruga que enterrávamos e que o Kiko ia desenterrar; a vaca
vermelha que meu irmão driblava quando íamos buscar leite, em Itaquira; Cambaxirra,
a égua que eu montava nos finais de semana; a gata Catina arranhou meu nariz.
A vizinha Nádia Pacheco me ensinou a ler aos
três anos, como presente por ter aprendido a ver as horas com meu pai; a Denise
foi a primeira namorada, com lugar cativo ao meu lado na Kombi do jardim da
infância; o Casquinha era o amigo que sempre levávamos ao Quitandinha; a voz do
Antônio Maria.
O cheiro do Andriodermol líquido que meu irmão
usou por um bom tempo; a desidratação quase me levou, mas sobreviví e passei as
férias em Itacuruçá tomando aquele sôro de gosto horrível; emulsão Scott; perfume
de hortências do Valparaíso; gosto de ingá, marmelo, abóbora com carne seca da
casa da vó e o café ralo que ela fazia.
De broa de milho com semente de erva-doce eu
nuca aprendi a gostar; angu da Dona Petronilha; paçoca de gergelim da tia
Carmélia, socada no pilão; pudim de coco; maria-mole; pé de moleque; carambola,
pitanga e goiaba no pé;
Empinar papagaio; jogar pião, figurinha, bolinha
de gude e stoc; castelos na areia da praia; torrar castanha de caju e
desenterrar sapotí; pular do telhado; futebol de prego, futebol de botão,
patinete e bola Pelé; jogar boliche e cair na pista de gelo do Quitandinha.
Sabores, perfumes, sensações e lembranças
sempre presentes, como a língua que procura o dente que estava para cair. E que
caiu faz tempo.
*
7 comments:
Que lindas recordações daqueles tempinhos da infância e várias delas senti, como tu, mas uma que não posso deixar de confirmar é essa ao final, quando a língua passava e repassava, empurrando pra frente e pra trás, o dentinho que iria cair... Lindo e bom te ler! abraços, chica
Chica me convidou a apreciar essas deliciosas memórias! Quanta coisa boa vivida, mesmo os vermífugos, tem lá sua poesia!
Parabéns pela forma de escrever. Beijo!
Que interessante, Allan.
Tem pessoas que dizem não se lembrar de absolutamente nada.
O mais longe que consigo ir é aos meus 3 anos.
Um pouco antes um pouco depois, tenho algumas lembranças.
A partir de 4 anos lembro mais.
Acho muito importante fazer esta varredura dentro da gente,
é fazer a mente trabalhar.
Beijinhos
Uau, que texto bacana! Fez me viajar de volta à infância e tentar relembrar as aventuras e desventuras. É sempre bom vir aqui. Obrigada por esses belos textos.
abraço , garoto
Lindo tudo isso!
Memórias
Parte indelével de quem fomos e somos
tio,
eu também nasci em copacabana, mas acho que oi muito depois
pedro luis
Post a Comment