Tuesday, July 03, 2012

Ainda sobre o SAL


Quando decidi escrever sobre o sal como índice de preços tinha a certeza de ao menos uma reação. Pois bem, um amigo de muitos anos e leitor atento, daqueles que tem sempre um puxão de orelhas pronto para qualquer deslizecomo eu esperava – se fez presente:

Meu caro Allan

Não vou perder esta chance de lhe mostrar como sou chato, mas o sal nunca servirá como moeda ou índice econômico em âmbito universal.

Sim, é indispensável à vida humana, e portanto uma das commodities mais inelásticas (consumo relativamente imune a variação de preço). Mas o valor do sal está sujeito, sim, a variações advindas de muito fatores.

Para começar, a maior parte do sal produzido não é consumida na alimentação, e nem mesmo na de animais (boi come sal direto do cocho, como se fosse ração). E é verdade que, como alimento, o sal é consumido não apenas como tempero, mas também conservante: pense nos queijos, na salmoura das azeitonas, no bacalhau e outros peixes secos, por afora.

O maior consumo de sal, porém, está na indústria, como matéria-prima de cloro (universal no tratamento de água), de soda cáustica (sabões para tanque e chuveiro) e outras substâncias alcalinas. Ao todo, dizem, uns 14 mil usos não culinários, cada qual com seu regime tributário.

Você pode imaginar, então, quantas variáveis influem na equação dos preços do sal. Portanto, ao contrário do que você espera, a relação salários/sal que você menciona (sem trocadilho) pode variar, como de fato varia, até mesmo dentro de um país.

Aceite este palpite cum grano salis e um abraço.
AP

Infelizmente, não é tão simples.


O querido amigo Aldo Pereira tem razão e eu havia considerado o quanto é pequeno o volume de sal destinado ao consumo humano, se comparado com os diversos usos do produto. No primeiro ano de Itália, por exemplo, calculei que o sal espalhado pela rua onde moramos – somente naquele Invernoera muito superior a todo o sal de cozinha que a minha família consumiria em toda a vida.

Considerando que o sal é a matéria prima para a obtenção do cloro, da soda cáustica, ácido clorídrico, bicarbonato de sódio, além de ser usado em uma infinidade de processos produtivos como na indústria de tinta, fertilizantes, papel e celulose, cosméticos, tratamento de água, produtos de higiene, PVC, etc., etc., etc., descobrimos que o sal de cozinha representa apenas uma pequena parte do mercado do sal.

Uma curiosidade sobre o sal é a sua extração. Se nos países tropicais (onde o clima é quente) obtemos o sal marinho graças a evaporação intensa, nos países mais frios é comum a extração do sal-gema encontrado em jazidas no subsolo. Quando escrevi sobre o Parmigiano Reggiano, contei que os produtores se beneficiam da proximidade de Salsomaggiore, na província de Parma, grande produtora de sal. Ainda hoje existem minas de sal produzindo e mantendo vivos os pequenos lugarejos da região.

Apesar da correta observação do caro amigo Aldo, continuo acreditando no sal como índice económico, exatamente por ser o sal uma das commodities mais inelásticas que possuímos e por estar presente na maioria das casas. Não estou levando a sério demais a questão do sal como índice de preços, mas que ajuda, ajuda. Para ter uma ideia das discrepâncias verificadas com o índice SAL, o salário médio de um operário italiano é de 1200 euros, o que corresponde a oito toneladas de sal (que custa € 0,15 euros por quilo); enquanto o salário médio de um operário angolano é de 30000 kwanzas; com o sal em Luanda custando 140 kwanzas, o salário do operário angolano corresponde a apenas 214 quilos de sal. Como os preços de Angola estão na mesma linha do sal, a população operária angolana é penalizada duas vezes: com os baixos salários e com os preços assustadoramente altos.

Existe em italiano uma expressão utilizada para exprimir a importância ou a diferença que algo provoca no cotidiano: “Il sale della vita”. “O sal da vida” é uma imagem poética como em “o otimismo é o sal da vida.” Nesses tempos salgados, os angolanos precisam de muito otimismo para equilibrar salários com o preço do sal. Ou terão apenas isso para lamber: sal. Marinho, suponho.
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13 comments:

myra said...

complicado mas sempre se aprende algo aqui com voce!
abraços

Thais Miguele said...

Ah! Eu sabia que ia aparecer Angola em algum momento. :)

Milena F. said...

Atualmente sim, o sal é menos usado para a alimentação do que para outros fins. Mas eu fiz uma visita recentemente a um local cosntruído no século XV, e lá nos explicaram que o imposto que mais oprimia a população era o do sal! Ainda restava todos os medidores do imposto, as pessoas passavam seu sal no utensilho que "calculava" a parte retira como imposto. O guia lembrou que o sal era fundamental para a população para a conversação dos alimentos. E seria de lá a expressão de uma conta "salgada" para dizer que é cara!
Adoro descobrir essas curiosidades!

Milena F. said...

Atualmente sim, o sal é menos usado para a alimentação do que para outros fins. Mas eu fiz uma visita recentemente a um local cosntruído no século XV, e lá nos explicaram que o imposto que mais oprimia a população era o do sal! Ainda restava todos os medidores do imposto, as pessoas passavam seu sal no utensilho que "calculava" a parte retira como imposto. O guia lembrou que o sal era fundamental para a população para a conversação dos alimentos. E seria de lá a expressão de uma conta "salgada" para dizer que é cara!
Adoro descobrir essas curiosidades!

Amantikir said...

Eu também sempre aprendo alguma coisa interessante nos seus posts.
gosto de ler,refletir,le os comentários e assim tentar formar uma opinião.Tenha uma boa semana!Inté!

smsedi said...

Em todo o país e no mundo, as pessoas desenvolvem seus métodos de acordo com aquilo que acreditam e defendem suas ideias. Não importa o que o João ou Aldo vai dizer, o importante é que você defenda sua ideia com bons argumentos e com base em exemplos interessantes. Até breve!;)

Anonymous said...

tio, acabou o sal? o aldo usou o sal pra fazer outra coisa? o q vc quer com o sal?misplica, tio?

pedroluis

O Salto da Bota said...

Apesar de preferir um salzinho, porque nao falamos um pouco do açucar? Minha pressao ja ta alta demais.

: )

BLOGZOOM said...

Allan, muito interessante seu artigo, alias, o sal realmente é mais usado na industria do que na cozinha. Como ele é utilizado em outros segmentos, provavelmente o preço é o resultado dos diversos destinos.

Bjs

Anonymous said...

Em Latim salariu (origem da palavra salário) quer dizer "ração de sal", "soldo".
Manoel Carlos

Anonymous said...

Então vc foi a Angola? E como é?

Mayra

Nennafalchi said...

Melhor registrar essa ideia. Quer apostar que vai pegar? :)

Luma Rosa said...

Uma prova de que as coisas acontecem debaixo do nosso nariz e não prestamos atenção. Quem diria... o sal! A vida não é doce, é salgada!! Bom fim de semana! Beijus,