Monday, March 07, 2011

A Quaresma mais longa da minha vida

Em Piacenza também comemora-se o Carnaval: com “chiacchiere”. Doce típico desta época (mas também sinônimo de "conversa fiada"), trata-se de massa de pastel frita em tirinhas com açúcar por cima. Algumas poucas crianças se fantasiam de índio, pirata ou super-heroi e fazem uma pequena guerra de confete pelas praças da cidade. Em outras cidades italianas, como em Cento, até acontecem desfiles de carros alegóricos, mas nada que se possa comparar a qualquer desfile brasileiro. o Carnaval de Veneza tem a sua tradição. Mesmo ali, apesar dos bailes dedicados aos amantes do Carnaval gelado, a coisa é muito contemplativa, o que não combina comigo, minha origem carioca e minha alma soteropolitana.

Se você é alguém que prefere a tranquilidade nesse período, não falamos a mesma língua, apesar do meu exílio do reinado de Momo. Nunca fui o tipo de folião das beiradas. Nada de circuito Barra-Ondina, meu negócio sempre foi a Avenida 7, Carlos Gomes e A Praça (assim tudo em maiúsculo, que é como os locais conhecem a praça Castro Alves), que eu, carinhosamente, chamo de “coração do inferno”. Da minha amada e violenta cidade, no Sambódromo se for pelo azul e branco da querida Portela. E as bandasFerreira, do Leme e de Ipanema. Descubro que estou por fora das novidades, lembrando de carnavais que talvez não mais existam.

Páginas e mais páginas abertas na Internet servem para me atualizar sobre a festa brasileira, num exercício masoquista no frio polar destes dias por aqui. Tenho dificuldade em lembrar da letra inteira do samba-enredo da Portela de 1975: “…Ci em forma de estrela/a Macunaíma dá/um talismã que ele perde e sai a vagar. /Canta o uirapuru e encanta/liberta as mágoas do seu triste coração…” É o frio, penso eu. Quer coisa mais monótona que o belo canto do uirapuru? Venha passar o Carnaval na neve.

Nem feriado é. Algumas escolas fecham na terça-feira ou na segunda e terça, mas é tudo. Em Salvador o Carnaval começava na quarta-feira e não vou me espantar se descobrir que agora começa um mês antes. Aliás, em Salvador o Carnaval não acaba nunca, com os diversosensaios” das bandas, o Pelô, as festas de largo e as muitas lavagens de shopping centers, bares, barracas de praia (as que sobraram) ou qualquer outra desculpa para festejar. Isso sem falar nas micaretas pelo interior do estado. Haja acarajé e cerveja!

Mas o vento frio da janela aberta me traz à realidade piacentina. Segunda-feira é “dia de branco” e não posso me espalhar. Terça e quarta, também. Um branco diferente daquele do Bonfim, que permeia roupas e espíritos. Um branco que obriga a concordar com a baiana que disse “todo mundo quer ser baiano”. Nem acarajé, nem samba-enredo. Somente um punhado de chiacchiere. Definitivamente, essa cidade não é d’Oxum.
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8 comments:

myra said...

sim meu querido Allan, o carnaval, que eu tbem conhecia , ja nao existe mais!!! pena...
um gde abraço!

Menina no Sotão said...

Nossa, eu não conheço nada de carnaval. O máximo que eu me lembro dessas festas é as máscaras que faziamos no colégio e isso já tem tempo. Gênova tinha um bloco organizado por um brasileiro. kkkkkkkkkkkkkkk
Mas nunca me senti animada para essas festividades que pra mim sempre foram algo próprio da cultura brasileira. Minha tia fazia parte da Vai Vai e passava dias só falando disso. Nem preciso dizer que ela era brasileira, não é? Ela se casou com o Gigio (irmão do mio babo) e tentou durante anos torná-lo um brasileiro, mas ele estava mais para a tarantela e os chiacchere.
Aqui em São Paulo há silêncio no meu canto e samba por aí. Quando morei na Mooca tinha blocos e o barulho me desanimava. Uma mistura de cores e idiomas. Aquela multidão fantasiada, com copos em mãos. E eu na janela esperando pelo outono.
Agora esse ano eu não entendi nada. Carnaval em março? aff O ano demorou bem mais para começar por aqui... E o pior, ainda nem começou, porque temos que esperar pela apuração das escolas de samba, o desfile das campeãs e ainda tem a tal da quarta-feira de cinzas. hahahahahahaha
bacio

Luciana Nepomuceno said...

Eu estava no sul da Itália no Carnaval passado e achei bem fofo o desfile das crianças na rua...mas um tantinho sem sal, confesso.Não provei o doce, que pena, se tivesse lido antes este post (uma impossibilidade lógica, já que ele não existia) teria procurado, com certeza.
Eu admiro a Portela, mas meu coração batuca pela Mangueira. Ontem chorei quatro vezes durante o desfile, acredita?
Lamento pelo seus desterro caranavalístico, é injusto, especialmente quando leio tanta gente reclamando da festa.

Seu post me tocou, fiquei ouvindo a Gal cantar : é d'oxum, toda cidade é d'oxum e deu vontade de sair requebrando. Vou lá. Bjs

Lili Detoni said...

Querido amigo, saiba que suas palavras me enterneceram ao saber que o frio e o chiacchere são constantes em sua semana de Carnaval... Eu estou aqui, assistindo tudo pela televisão e,contagiada pelo samba, dançando uns passinhos junto com minha mãe no tapete da sala! (kkkkk!). Não participo do Carnaval diretamente desde minha adolescência, onde eu fazia uma fantasia para cada noite para o baile do clube. Hoje não existe mais o carnaval de salão, o confete esparramado no assoalho de casa (de tanto que eu e outras tantas crianças os catávamos do chão o tempo todo na matinê animada pela bandinha. Realmente, esse carnaval não existe mais... Mas, a Sapucaí é linda, imensa e está brilhando de tanta beleza!
Bom carnaval, Allan! (adoraria experimentar esse seu doce de massinha...)

maray said...

em 72 eu fui pela primeira vez a Salvador. Chegamos, de carro ( um fusquinha que sabe deus como aguentou a viagem!) em plena sexta feira de carnaval sem reserva de hotel. A genta não tinha idéia do que era (já era) Salvador nessa época. Resultado, deus existe, é baiano e arranjamos um quarto de solteiro onde dormimos no chão pra ficarmos em plena avenida sete! E foi lá que pela primeira vez ouvi uma guitarra no carnaval, no trio do Osmar e do Dodô! Nossa, aquele ano não esquecerei nunca mais! Do cheiro de xixi pelas ruas, das mortalhas coloridas ( ainda não era abadá)e de mim mesma, na praça Castro Alves, sem achar espaço pra por o pé no chão. Mas afinal, quem precisa de chão em Salvador no carnaval, né não??

bjs

PS: hoje, tantos anos passados, também passei meu carnaval dançando!
Tango. ;)

Ana Maria said...

Eu já não consigo ouvir samba, então prefiro o Carnaval de qualquer outro lugar. Uso a Internet para fugir o máximo possível de tudo isso!!!!

peri s.c. said...

A vertente vêneta aqui da famiglia chamava esses chiacchiere de " crustulli ". Além de açucar, com canela .

La Nostra Italia said...

Já nem ligo mais para Carnaval. Parece que perdeu a graça.
Passei todos os meus carnavais em meio aos foliões de uma pequena cidade do sul de Minas Gerais. Quando eu era criança, achava o evento mais legal do ano, único momento para desfilar com minhas mirabolantes fantasias. Depois de crescida, tinha ano que gostava, outros detestava. Não só por causa da chuva ou da hit parade. Era uma época de grandes desilusões sentimentais e a desculpa era sempre a mesma: "É Carnaval, vamos aproveitar porque tudo é válido". E a Quarta-Feira de Cinzas vinha para apagar tudo até o próximo Carnaval.
Ainda bem que já passei dessa fase, agora Carnaval é só desfiles pela televisão. Pena não ter um feriado prolongado aqui como no Brasil.
Um abraço afetuoso