Esse período do ano na Itália tem um cheiro característico de pólen. Com a primavera, as plantas iniciam a corrida desesperada pela reprodução. Todas ao mesmo tempo. Mal de primavera e problemas respiratórios fazem parte do cotidiano da estação, apesar de eu não saber exatamente o que significavam, até este ano. De repente passei a sofrer do tal mal-estar, que passou, mas que deixou como lembrança uma rinite alérgica, também pela primeira vez na vida. Vou lembrar para sempre desse período.
O ar do Rio também ter um quê característico, mas que não sei explicar. Algo além do perfume de mar, do ruído abafado dos elevadores que se ouvia nos apartamentos, ou do cheiro do gás usado nos chuveiros da zona sul (ainda se usa?). Não, há algo que não se esclarece com palavras, nem através de sons e odores. É algo que se sente e não se esquece, que faz parte da minha endocultura e do meu DNA. Em nenhum outro lugar reconheci aquela sensação misteriosa que me faz identificar o Rio.
A lembrança mais antiga é da praia de Copacabana, acho que do tempo em que morávamos na 5 de Julho, pertinho da Constante Ramos onde nasci. Depois, as lembranças de outros mares se misturam. Longos passeios noturnos; rodas de amigos e as risadas abafadas pelas ondas quebrando nos pés; pescarias; até churrasco na praia já fiz, de noite. A barraca montada sobre a areia e a tampa da lata de leite Ninho voando para avisar que o siri, cozido com água do mar dentro da lata, estava pronto. Lembro que pesquei tucunaré (juro!) na foz de um riacho em Arembepe e que nadávamos de noite com medo das arraias. Porque é que o Cacau esperava sempre a sexta-feira para pisar nos ouriços-do-mar em Ilhabela? Que trabalheira que me dava.
É estranho considerar a praia como a meta preferida das férias, mas sei que voltarei à beira do mar, onde me sinto parte da silhueta topográfica, com os – poucos – cabelos ao vento e os pés na água. Imagino as filhas crescidas, tendo descoberto novas amizades em outras paisagens. Eu, vou voltar para o mar, de onde saí com má vontade e prévio arrependimento, com a certeza de que, cedo ou tarde, receberei um telefonema delas pedindo uma receita qualquer, das muitas que invento. Vou inventar uma na hora como resposta e rir. Vou comer peixe com as mãos.
Quer saber? Já estou com saudades do futuro.
11 comments:
Vc me arrancou lágrimas, Allan. Lindo seu texto.
Allan, tb estou aqui emocionada. Lindo demais teu texto.
Um beijo com gostinho de sal da praia de Copacabana pra vc,
Alline
Lindo seu texto, cheio de suadades e com cheiro de mar. Para homenagear o Oceano, fiz uma sopa deliciosa de peixe, com Curry, noz moscada, oregano, cravo e muitos legumes.
Eu cozinhei na praia na lata de leite linho Tatui, já comeu?
Uma delícia, rs.
Boa semana
Aqui em casa todo mundo gosta do mar.
Lembranças assim ficam gravados no DNA, como você disse. Muito emocionante teu texto!
Abraços.
Lindíssima a sua história!!!
Sempre ótimo vir aqui!
Celebrou muito bem esse 8 de junho!!!
Alguns lugares tem mesmo um ar inconfundível.
Ainda se usa o gás sim e alguns lugares.
que lindo texto,
http://felinodamadrugada1.blogspot.com/participando com uma viagem pelo mar.
aguardo tua visita,adorei teu blog
boas energias
muito melhor do que ter saudades do passado! O futuro a gente pode mudar!
Num dia desses, em que estiver com saudades do que ainda nem foi, inventa uma receita de soja decente pra mim, vai?! Não sou filha, mas posso pedir, né?
Allan, interessante a sua comparaçao do mar e os "cheiros". como vc sabe moro no litoral, mas nao curto o mar, nem areia, etc..mas sinto uma diferença entre o cheiro do mar aqui e o mar do litroal paulista, talvez porque no Brasil se trata de um grande oceano e na Italia um pequeno Mar mediterraneo.
Bjs
Meire
Muito bacana o seu texto. Eu também tenho memória olfativa aguçadada. Viajo com as lembranças dos aromas familiares.
Mesmo sem te conhecer pessoalmente, diria que você tem jeito de quem ama o mar. :-)
O "cheiro" do Rio de Janeiro e o "barulho surdo" dos elevadores + carros sobre o asfalto: você conseguiu colocar em palavras o que já vivi e registrei "na vida de minhas retinas tão fatigadas".
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