Alguém lamentou que sou repetitivo. Sentido, afoguei minha mágoa em um copo de barolo. Quando ela morreu (a mágoa) tratei de arranjar outra, pois a garrafa estava praticamente cheia. Aproveitei para pensar sobre o assunto e descobri que recordo muito pouco das cartas anteriores e que é provável, sim, que eu me repita. Não lembro sequer do número do meu celular e faço contas quando me perguntam a idade. Mas parte da culpa é da história, que continua a repetir-se. As estações do ano também são sempre as mesmas, assim como os chatos e os políticos.
Uma pessoa que entrasse em coma na Itália no dia 15 de Janeiro de 1995 e acordasse, digamos, domingo 14 de setembro de 2008, mais de 13 anos depois, teria a impressão de que deu apenas uma cochilada. Silvio Berlusconi é o primeiro-ministro italiano; Umberto Bossi ameaça separar o norte do resto da Itália; os diversos partidos de esquerda estão engalfinhando-se por maior destaque na oposição; o povo reclama do custo de vida e diz que a Itália tem a carga tributária mais alta do mundo; o planeta está em guerra… Nada mudou. O cidadão do coma (decidi que seria um homem) só estranharia: “mas o mandato do Bush não terminou há dois anos…?”
Quando criança, descobri os dias da semana e fiquei fascinado: domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado. Achava uma maravilha dar um nome para cada dia e fiquei muito curioso em saber o que viria depois. No sábado perguntei: “mãe, que dia é amanhã?” Fiquei frustrado ao descobrir que os dias se repetiriam. Ainda não sabia que se chamava criatividade, mas concluí que quem inventou os nomes dos dias não a possuía. Mas acredito já ter contado isso em outra carta.
…E Setembro chegou. Fim do verão, das férias coletivas, das cidades vazias, dos preços astronômicos cobrados por encanadores e fim dos vazamentos. Início do campeonato de futebol, do ano escolar, dos aumentos de luz, gás e telefone, do trabalho parlamentar e da atividade industrial. É como o nosso Fevereiro, depois do Carnaval. Só falta o Carnaval, mas ninguém se dá conta.
As questões pendentes de antes das férias voltarão a ser debatidas agora. Como a proposta de registrar as impressões digitais dos ciganos de passagem ou residentes na Itália, que fez Bruxelas espernear. De nada adiantou inventar, depois, que seriam recolhidas os dados datiloscópicos de todos os habitantes da península. Curiosamente, parece ter morrido o projeto para recolher as impressões digitais dos parlamentares, o que permitiria criar um sistema para evitar “pianistas” nas duas casas – Câmara e Senado. Parece que irão proibir a prostituição – sem risos, por favor! – e se comprometeram transferir do papel à prática a reforma tributária, a judiciária e a do ensino, já que reforma política tem a cada semestre. Uma nova lei ampliando a imunidade parlamentar será muito criticada e aprovada. E o outono promete frio.
É um ano novo. Mas nem parece.
.
16 comments:
Pois é, Allan, o interessante, ou seria repugnante, é que as mudanças favorecem os poderosos e acabam com a vida dos cidadãos.
Você não é repetitivo, esta roda da vida é que não nos oferece alternativas mais inovadoras.
ótimo domingo
abraço, garoto
Happy New Year :-)
eu ainda estranho muito o ano começar em setembro...carioca que sou, em setembro já começo a pensar o que será feito no Ano Novo e no carnaval. Pra mim setembro ainda é o fim, e não o começo.
Mas a gente se acostuma, né? Ou não!
Não se preocupe com as repetições. Nós, que o lemos, também não lembramos muito bem de todas as cartas...
Nem me incomoda tanto a repetição dos dias. O que me incomoda e muito é a velocidade com que eles deram pra passar, ultimamente ;)
abração
Allan, o colunista Ancelmo Góis do jornal O Globo sempre escreve uma frase quando acontece algum fato no exterior que merece crítica. Ele diz: "Deve ser horrível morar em um país que ...". Só que esse "que..." e o que mais temos neste nosso Brasil.
Hoje lendo o seu post, me lembrei do Ancelmo e digo para você que deve ser horrível morar em um país com um presidente panaca como esse, rsrsrs.
Convido você a ler o meu post onde faço declaração de amor à minha filhota. Apareça.
Beijocas
Yvonne
Ops, presidente não e sim primeiro-ministro. Ato falho, rsrsrs.
Beijocas
Allan, quanto aos dias da semana tive reacao parecida com a sua.
Depois de bordar lindos panos de pratos para minha mae. Sete no total, perguntei a ela o que viria depois;(
A fase da adolescência batendo à porta onde nenhuma das respostas preenchiam o vazio que eu sentia e a raiva de um mundo repetitivo: escola, casa, ajudar minha mae e escola, segunda...terca...domingo.
Uma bola de neve muito chata. Adorei quando essa fase passou e nos mudamos também daquele bairro e ai um novo mundo se abriu;)
O Daniel, já tudo sozinho no blog dele. Desde o login, a procurar figuras no google e a procurar os textos para se informar sobre os animais que ele quer colocar no blog. Ensinamos a ele uma vez e ele faz todo o resto. Linka quem ele quer e por ai vai. Outros tempos meu amigo;)
Abracos
Foi Nieztche que falava do "eterno retorno"? E o Freud, com a tal "compulsão à repetição"? Agora o Allan, com "ciclo setembrino"... Tudo igual, mas tudo diferente. Ou vice-versa.
Oi Allan, gostaria que as tuas repetições fossem repetidas com mais assiduidade. Na verdade repetidas mesmo são as visitas que faço neste blog para procurar novos (e ótimos) textos. Um brinde à essa tua repetição tão inédita na blogosfera...Repetidos abraços e muito obrigado pelo repetido prazer de degustar teus textos. Vinícius.
Sabe meu caro, quando decidi que não iria seguir o ciclo fizeram-me caras feias. Não lembro do nome dos dias. Adoro o dia da lua e não me lembro dos outros dias. Não sigo o curso natural das coisas e sou feliz assim. Assisto filmes que me fazem sorrir ou chorar. Leio o mundo em páginas de livros e blogs. Ouço Abba e companhia e me dedico a coisas antigas.
Ah! O Bush ainda está lá? E o Berlusconi também? E disseram-me há pouco que um banco quebrou e levou as bolsas ao caos. E o meu mundo continua colorido com pequenos frutos verdes nas árvores, ventos e nuvens a circular. No mais, sigo ouvindo Abba.
Abraços meus
Eu esqueço o número do meu celular porque pouco ligo para mim e tampouco me preocupo com a idade, acho que devemos começar a nos preocupar quando passarmos a esquecer o ano em que nascemos.
Políticos e chatos? Ervas daninhas difíceis de se livrar. Quando pensa que está livre de um, logo aparecem outros.
Se pensar no lado prático da vida, concordo que seja repetitiva. Mas a rotina por outro lado, da convivência diária, ela pode ser benéfica quando reforça os laços.
Mas engraçado, se faz frio queremos calor, se está calor queremos frio, mas ninguém reclama quando o sol se põe. Talvez porque essa é a hora em que fazemos planos.
Amanhã vou adotar um gato, vou tomar suco de cajá e tocar violão na varanda. Ah, tah! Nunca vou à varanda.
Boa semana! Beijus
Caro Vinícius,
Não costumo responder comentários aqui (na caixa de comentários), mas como prefiro não deixar mensagens pessoais em sites profissionais, abro a exceção e lhe agradeço pelas palavras elogiosas.
A realidade é que rotinas me chateiam muito, mas a vida é cheia delas.
:)
Caro Allan, descobri seu blog há pouco tempo e quando entro leio a do dia e uma mais antiguinha (ja estou em 2005) e ainda não esbarrei em nenhum assunto repetido, mas se acontecer, faço coro com o Vinicius: será um repetido prazer rele-lo. Abraços.
Allan, engraçado pensar em inícios agora em setembro...eu já estou em clima de fim de ano!;0)
Um grande beijo e bom setembro.
O mundo é assim mesmo, um eterno vai e vém. Difícil não repetir algo. A própria natureza é assim, com suas quatro estações. Por quê seremos diferentes?...Ah, e o que é barolo?...Carlos Medeiros...http://grandeonda.blogspot.com
Jà não te falei umas duzentas vezes que voce é repetitivo? Vou ter que falar mais quantas?
A proposito, vamos repetir um churrasquinho por esses dias?
Eu não me canso de te ler mesmo que às vezes pareça repetitivo para alguns. Eu adoro Lispector e a leio repetidas vezes por dia, mesmo quando tais textos são repetitivos. Simples assim. Bacio grosso.
Post a Comment