Blogagem Coletiva
A Terra foi fundada muitos anos atrás, mas naquela época se chamava Água. Depois, alguns peixes dissidentes resolveram criar pernas, caminhar pela terra e ganhar o pequeno mundo feito de terra mais ou menos firme. Como castigo, perderam a capacidade de respirar na água, pois os peixes já previam que algo de ruim estava para acontecer. Os rebeldes rebatizaram o planeta com o nome de Terra, numa demonstração de que uma minoria arrogante poderia decidir os destinos do planeta. Por fim, aprenderam a dominar o fogo, inventaram a roda, o telefone celular, a esbórnia aos sábados e o churrasco na ressaca dos domingos.
No início os aerantas se alimentavam só de bananas. [Aeranta é o nome de uma orquídea, que, como se sabe, é uma bonita epífita que necessita de pouco mais que água e ar e é, também, como os peixes chamam esses bizarros seres auto-destrutivos.] Com o tempo, desenvolveram a capacidade de comer qualquer coisa e produzir toneladas de resíduos que levam séculos para se decompor. Como a disponibilidade de comida se alastrou através das redes de supermercados e dos mac donald’s da vida, a alimentação deixou de ser um problema e, como acontece com as demais espécies em fases de abundância alimentar, perdeu o poder sobre o controle da natalidade. A procriação em grande escala provocou a explosão demográfica dos aerantas, que se viram obrigados a destruir florestas para construir cidades e plantar soja. De quebra, exterminaram diversas espécies e vão continuar exterminando enquanto houver outras espécies.
O futuro dos aerantas é se tornarem bárbaros. Bárbaros inteligentes que dominarão bárbaros menos inteligentes, mas sempre bárbaros. Analisando a evolução das espécies, os peixes acreditam que os futuros aerantas mudarão de forma, com cabeças minúsculas dotadas de grandes bocas. O resto do corpo deverá ser composto de uma enorme barriga com órgãos genitais gigantescos. As pernas provavelmente serão substituídas por algum aparato locomotor movido pelos próprios gases produzidos. Os aerantas aprenderão a flutuar, utilizando os mesmos gases produzidos nas imensas barrigas que lhes servirão de combustíveis. Tocar a terra será impossível e perigoso. Uma massa homogênea e esburacada de resíduos tóxicos fundidos e ferozes ratos venenosos serão a grande ameaça aos aerantas.
Em memória dos bons tempos, quando ainda tocavam a terra e se divertiam atropelando pedestres distraídos e jogando bitucas de cigarros no chão, usarão um avatar holográfico para cobrir a decadente aparência. Bilhões de brad pits e angelinas jolies infestarão as camadas mais baixas da atmosfera, onde uma opaca luz do sol mal conseguirá atravessar a barreira formada pelo lixo espacial e pelas nuvens tóxicas. Olhares se cruzarão até que o cortejamento tenha sido concluído e então começarão a copular, excitando os demais em uma orgia que durará dias. Saciados e esfomeados, começará a seção de canibalismo coletivo, uma vez que os próprios aerantas serão a única fonte de alimento. A bárbara ceia só terminará quando um deles perderá o gás e cairá no chão antes de ser devorado pelos demais. Os ratos gigantes assustarão a todos com seus urros agudos e o barulho de ossos sendo triturados. A rotina de flutuar e trocar olhares continuará até que a próxima orgia recomece todo o ciclo.
Quando esse dia chegar, um rato venenoso certamente estará rindo com a cabeça fora do buraco, lendo o último capítulo do livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias”. Ele saberá que não será necessário eliminar o planeta, pois todos os aerantas terão sido esterilizados pelo ar contaminado. Bastará esperar alguns milhares de anos para que novas bactérias sejam capazes de dissolver a massa tóxica e o planeta será belo como o fora uma vez. Sem o menor registro dos aerantas.
Os ratos, apenas ratos normais, apostarão todas as fichas nas baleias, enquanto observam o planeta renascer. O planeta que se chamará para sempre Água.
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20 comments:
wow QUE TEXTO!
A-d-o-r-e-i!!!!
Complimenti :)
Texto maravilhoso, Allan! Muito bom MESMO.
Quanta criatividade! Parabéns!
Allan, é importante a reflexão a que nos leva este post-denúncia-desabafo. E é assim mesmo que a humanidade tem traçado seu caminho. Sinistro.
abraço, garoto
Allan,
Bem legal o seu texto.
Elvira
Allan
Belo conto de terror futurista, mas a mensagem foi muito bem passada e de forma extremamente criativa.
E vamos sempre em frente em um único coro em defesa de nosso Planeta.
Bjs,
Denise BC
Oi, já bloguei a minha participação:
http://crispassinato.wordpress.com/
ou
http://crispassinato.wordpress.com/blogagem-coletiva-2/
Bravo Bravo bravo...mas que da' medo, isso da'.
Bjs
Este texto foi "direto no estômago"! É isto mesmo que nos espera se não tomarmos medidas radicais para reverter a situação.
Parabéns!
Abraços.
Pavoroso. Amei.
Postei também.
Beijos,
Clarisse
Seu texto tá ótimo. Eu também já dei minha blogadinha coletiva. Passa lá: http://brancoleone.wordpress.com/2008/04/22/dia-da-terra/
Abraço
Alan:
Parabéns pelo texto.
Abraço
Maravilhoso o texto. Pena que é quase verdade...
(Só arruma ali: orquídeas não são parasitas, são epífitas.)
Gostei da intensidade do texto, será que as pessoas são realmente tão desatentas que não percebem o que estão fazendo com o nosso planeta? Hoje em dia há interesse em tudo, é o eterno jogo de poder. Guerras, quem ganha mais, que pode mais e o planeta fica ao acaso dos nossos atos impensados.
Abraços
Blog. Acqua
Excelente, Allan! Da minha parte, missão cumprida. Abraço.
Perfeito, Allan! Pena não poder participar, mas não tenho mais tempo para nada além de posts "meia-boca" e trabalho, trabalho, trabalho... Saco!!!!! rrsrsrsrsrs
Beijos
Allan, querido, parabéns pelo belissimo texto. Eu não pude participar, não que não quisesse, mas tive um problema e fiquei empacada (literalmente).
Mas tudo bem, no fim das contas.
Beijos
caramba, meu. esse é O post.
Allan,
Parabéns por este texto...Impressionante.
Abraço
Leila
Texto surreal, mas verdadeiro, esse sim me fez pensar e querer mudar um monte de atitudes desastrosas.
Auguroni.
Desculpe pela demora, é so falta de tempo mesmo.
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