Friday, April 18, 2008

Aprendendo a ler


















Vivendo há alguns anos na Itália, fica difícil analisar a atual situação do analfabetismo no Brasil. Apesar disso, tenho a impressão de que as coisas não são muito diferentes da época em que ainda morávamos lá (ou, aí), pois é um nosso hábito gastar muito tempo debatendo detalhadamente os grandes problemas nacionais, empurrando as possíveis soluções para um futuro que não chega nunca. As boas intenções se transformam em projetos; os projetos, em propostas parlamentares; as propostas parlamentares passam anos sendo distorcidas por comissões que buscam tirar algum proveito e no fim se descobre que a verba foi utilizada em viagens de turismo de alguns parlamentares.

Na Itália a educação é obrigatória até os 16 anos, mesmo para quem não tem residência fixa, como os ciganos. Há um progeto de lei transitando no Congresso Italiano para aumentar esse limite para 18 anos, mas congresso é tudo igual. Mesmo assim é possível encontrar analfabetos por aqui, normalmente entre os anciãos. O problema é maior quando se trata de estrangeiros, muitas vezes alfabetizados nos países de origens mas absolutamente analfabetos na língua italiana.

Sou do tempo do Mobral. Uma multidão de voluntários que ensinavam a ler e escrever, mas poucos alunos saíam de lá com capacidade de compreender e interpretar textos de uso cotidiano. Produzir um texto escrito, então, nem se fala.

Pouco antes da Bianca nascer, li uma matéria sobre um certo Dr. Glenn Doman e comprei um livro chamado “Como Ensinar Seu Bebê A Ler”. A primeira parte do livro esclarece que o médico operava recém-nascidos com problemas no cérebro e a experiência dele com o mundo dos bebês, esclarecendo que aprender a ler é mais fácil que aprrender a falar. A segunda parte é o método desenvolvido por ele, que usei seja com a Bianca que com a Luiza, que nasceu dois anos e meio depois. O resultado é que tenho duas filhas solares, comunicativas e extrovertidas, que vivem a idade que têm e são absolutamente normais e diferentes entre si. A Luiza chega a ler cinco livros por mês, mas pode passar até dois meses sem ler nada além de sms e revistas juvenis. Já a Bianca lê até três livros por dia, mas também tem seus períodos de recesso, ainda que mais breves que os da irmã.

Temos um casal de amigos com um filho de cinco anos. O garoto possui uma inteligência acima da média. O pai é nigeriano, a mãe, italiana. Até pouco tempo atrás, antes de começar a frequentar a pré-escola, o menino respondia ao pai em inglês, à mãe em italiano e aos avós maternos em dialeto piacentino, que não se parece com nada que eu consiga entender. Depois que começou o período da pré-escola, ele reponde sempre em italiano, apesar do pai continuar falnado-lhe em inglês. Só abriu mão do italiano quando a avó paterna veio passar um mês com eles e viu-se obrigado a responder a avó em ibu, a única língua conhecida por ela.

Em contra-partida, conheço pessoas (muitas, infelizmente) que, apesar do diploma na parede, possuem a mesma capacidade cognitiva de alguns ex-alunos do Mobral. Moral da história: não basta saber ler e escrever para considerar-se alfabetizado. Mas como podemos ajudar a resolver o problema sem esperar pelo governo? Daqui da Itália é possível praticar a adoção à distância. Funciona assim: com um mínimo de 60 euros por mês o cidadão adota uma criança pobre que viva com os pais (ou com um deles) e os missionários se ocupam em pagar parte das contas daquela família, desde que a criança frequente regularmente a escola e não trabalhe. A criança que recebe um auxílio escreve uma cartinha de agradecimento, manda fotos e recebe cartões no Natal. Todos os 60 euros são gastos com aquela família. Há algum tempo fiz um levantamento e descobri que 3% dos italianos que conheço pratica a adoção à distância e que 18% participa de algum serviço voluntário, oferecendo umas poucas horas por semana a alguma causa assistencial. Imaginem se no Brasil existisse um serviço voluntário para combater o analfabetismo? O método do Dr. Glenn Doman poderia ser mais difundido [desaconselho a leitura do livro às mulheres grávida], mas como fazer se os pais são analfabetos ou semi-alfabetizados? O trabalho voluntário é a única saída. E voluntário não significa necessariamente participar de uma ONG ou associação, mas precisa ser organizado, metódico e responsável. É possível obter maiores informações no site Alfabetização Voluntária.

Lembro do programa Vila Sésamo – sesamo, em italiano, é gergelim. “Abre-te gergelim!” – que estimulava o aprendizado da leitura. Infelizmente a TV de hoje está cada vez mais preocupada em índices de audiência, que atraem patrocinadores para sustentar os altos custos operativos. Mas ainda acho que parte da programação deveria ser dedicada a uma educação lúdica, voltada à infância. O problema da educação – e aí entra a alfabetização – está na base. Professores sub pagados, mal treinados e desatualizados acabam se desestimulando. Os pais, cada vez mais empenhados em garantir a sobrevivência, muitas vezes de formas indignas, têm cada vez menos tempo e paciência para a educação dos filhos e a TV só ajuda a piorar o que já é ruim. Talvez se enviássemos um projeto de lei ao Congresso Brasileiro…
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17 comments:

Maria Augusta said...

Allan, legal este teu post, pois você deu pistas para a solução do problema, como a adoção de uma criança ou o projeto para um programa de televisão educativo. É verdade também que o voluntariado quando organizado é mais eficaz.
Belo post, parabéns!
Um abraço.

Anonymous said...

Allan eu nao conhecia este livro.

Achei otima a sugestao da adoçao a distancia, depois quero falar com voce sobre isso.
Um beijo
Meire

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ said...

Allan, que filhas devoradoras de livros que você tem, rs.
Mas tem mesmo que ser assim.

O Daniel, já está aprendendo a terceira língua. A falar e a escrever. É trabalho. Mas compensa.

Obrigada pela idéias aqui apresentadas. Na Alemanha temos o
"Padrinho" e funciona da mesma forma.

A idéia de um programa educativo como a Vila Sésamo, eu também me lembro e consegui alguns videos em alemao para as criancas. Aqui tb nao existe mais.
O que será que anda fazendo a nossa TV Educativa?

Grande texto.

Obrigada, valeu!!!

Adri said...

Bom dia, estou visitando os blogs que estão confirmados na blogagem contra o analfabetismo... Parabéns pelo seu post e por abraçar a causa...Bju ;)

Fábio Mayer said...

Grande verdade, o Brasil discute muito os problemas macroeconômicos e nada os problemas comezinhos, reais, cuja solução as vezes depende apenas de boa vontade.

Eu sempre digo que para fazer uma criança gostar de ler, é preciso gostar de ler também. Eu sempre gostei de ler, porque meu pai jamais passou um dia sem buscar o jornal e ler, ele foi exemplo, e quando o exemplo vem dos pais, é mais forte.

Luma Rosa said...

O Brasil tem ótimos programas de educação, assim como tem ótimas leis, mas cadê a aplicação. Pelo estatuto da criança, todas têm o direito a educação e agora o governo federal adotou um sistema similar ao do bolsa família, uma pequena "mesada" para manter o aluno na escola. Isto vale para alunos filhos de pais que já participam do bolsa família. Neste site você adota um alunohttps://www.alfabetizacao.org.br/aapas%5Fsite/adoteAluno_c.asp - e o acompanha durante a vida escolar.
Como vê o Brasil como o nosso presidente diz, tem solução para tudo. Mas só de longe!
Beijus

Anonymous said...

Allan, bom dia.
Alfabetizar alguém que esteja próximo a nós, na convivência diária, e que realmente queira aprender as primeiras letras, os primeiros algarismos, já um primeiro passo muito importante. É a arrancada inicial, um "empurrão" eu diria, cabendo àquele a quem ensinamos prosseguir aprendendo de acordo com a sua vontade. Por isso a importância da alfabetização, ainda que apenas ensinando a ler, escrever e contar.
No Brasil houve um movimento muito importante que se chamou MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), infelizmente boicotado e ridicularizado por aqueles que combatiam e combatem pessoas e não ideias.
Grande abraço.

Suelly Marquêz said...

Allan, muito positivo a sua forma de introduzir os filhos a buscar o saber, livros é indiscutivelmente o melhor presente, e tambem percebo nas entrelinha de todos um novo olhar pra o anafabetismo, pois cada um de nós pode fazer uma pequena parte, mas acredito que se as familias conscientizarem e manifestar aos filhos que o elemento base da vida é a leitura e a escrita fica mais rapida a erradicação, vejamos no caso das vacins, os pais é que são os responsaveis, .
JÁ POSTEI, PASSEPOR LÁ, E DEIXA EU LHE DIZER OS RESENTE QUE NOSSA FAMILIA MASI DEU FORAM OS LIVROS, O QUE AGUÇOU A MINHA vontade de que todos á nossa volta soubesse que letras marilhosas eram aquelas que mudvam nossas vidas,
suelly marquêz
http://aniscomcanela.blogspot.com.

marcelo said...

Bela reflexão.

Espero ensinar o gosto pela leitura para a minha menina, que nasce em breve.

abraço!

Lulu on the sky said...

Alan,
Vim conhecer seu blog através da blogagem coletiva da Georgia ao qual tb participo.
Infelizmente no Brasil, o professor não tem o valor q merece. Antigamente as pessoas abraçavam o magistério por vocação, diferente de hj em dia.
Big Beijos

Anonymous said...

Oi Allan.

Que bom ter duas filhas leitoras ... Isso é reflexo também no incentivo e no espelho que elas provavelmente tiveram em casa. Por mais que a escola incentive, se as crianças não tiverem um exemplo em casa, tudo não passará de mais uma obrigação escolar.

Não adianta trabalhar o hábito da leitura só com as crianças. Temos que incluir a familia também.

Bjs.
Elvira

marcelo said...

Marina é o nome dela.

Vou seguir tua dica, então.

abraço!

Claudio Costa said...

É isso! Vou fazer algo, vou sim! Em tempo: postei hoje sobre o Dia da Terra, conforme você me falou, Allan. Abração.

Anonymous said...

Aqui no Brasil também tem estes esquema de adotar uma criança à distância. Não sei se funciona.

Acho que pouca coisa mudou na educação do nosso país. Hoje as crianças vão para a escola, passam de ano e continuam sem saber interpretar textos, porém com o diploma na mão. Porém, acho que as pessoas, no geral, estão mais interessadas em aprender e mesmo sem ajuda do governo estão lutando para melhorar.

Super Beijo
Cris

Scliar said...

As idéias são otimas - alguns programs existem no Brasil, coordenados por várias instituiçoes. Mas é um país gigantesco, uma populaçao enorme: para as gotinhas no oceano fazerem diferença, é preciso um ataque em massa ao problema! um abraço, ethel sc

meucantinho said...

Eu alfabetizo meu filho pelo método Doman ha 4 meses e tenho obtidos ótimos resultados. Para quem nao conhece, sugiro que acessem essa comunidade no orkut de maes profissionais que aplicam o método e compartem dicas, tristezas e alegrias.

Bem vindos

http://www.orkut.com.br/Community.aspx?cmm=35027141

@deniserangel said...

Pois é, Allan,
Com minha filha, usei os métodos que conhecia, já que era professora primária, na época. Com a Princesinha, esperava que minha filha fizesse o mesmo. Mas ela preferiu que passasse pelas escolas regularmente.
Cansei de esperar e não ver resultados, e decidi, eu mesma, alfabetizá-la.
Está provado que, se a criança não for estimulada, ela não lerá.
Espero ter progressos em breve.
Parabéns pelas devoradoras de livro.
abraço, garoto