Wednesday, February 07, 2007

Provincianismos

A Itália não tem um dia da independência, tem o dia da unificação.

Os muçulmanos, séculos atrás, invadiram a Sicília e a usaram como centro para a expansão árabe. Depois, foi a vez dos franceses, espanhóis e do império austro-húngaro tentarem ampliar os seus territórios pelo continente. A Igreja, com seus exércitos, também procurou proteger o seu quinhão e abençoava qualquer novo senhor que a ajudasse a se defender.

No norte do país fala-se alemão e ladino, além do italiano. A Sardenha era habitada por pastores de ovelhas quando o mar ainda cobria parte do país. O povo sardo tem cultura e línguas próprias. A Ligúria pertencia aos franceses até ser trocada pela Córsega e muitos juram ter acontecido depois do nascimento de Napoleão. O resultado de tanta gente passando por um pedaço de terra tão pequeno é uma verdadeira colcha de retalhos de culturas diferentes, dialetos que misturam línguas diversas, costumes e orgulhos próprios.

No livro “Il re di Girgenti” Andrea Camilleri fantasia livremente sobre a biografia de um certo Zozimo, que teria sido o rei de Agrigento por um curto período. Divertido e movimentado, o livro conta com uma característica típica do autor: é escrito numa mistura de italiano e dialeto siciliano. E Camilleri não abre mão disso. Poderia parecer anti-marketing, mas Camilleri vende e vende muito. O curioso foi descobrir que em momento algum o italiano foi oficializado como a língua do país (e precisa?).

À época de Dante os textos eram publicados em latim. Foi ele quem decidiu publicar seus escritos em dialeto florentino, incentivando outros nomes célebres de Florença a fazer o mesmo. E como Florença era um importante pólo comercial e cultural, logo outros escritores de outras cidades começaram a publicar os próprios textos em dialeto florentino. Com o tempo o dialeto foi sendo difundido até se tornar a língua de toda a península.

Nos dias atuais, os mais idosos insistem em usar o dialeto local, num protesto passivo contra a morte da própria cultura. Mas os mais jovens se interessam por coisas bem diferentes e buscam se integrar num mundo cada vez mais uniforme, apesar das muitas divergências. E os costumes locais vão cedendo espaço às novidades, que incluem internet e mp3, televisores e máquinas de lavar que duram pouco, ou peças de reposição que custam mais que o produto inteiro.

Ninguém discute mais se Napoleão era italiano ou francês, ou se os habitantes do norte deveriam ser obrigados a adotar o italiano como língua oficial. A atenção hoje está voltada para o início da miscigenação que ocorre de forma cadenciada e constante; para o medo de uma nova cultura religiosa que invade os domínios da península; para as incertezas provocadas pelas decisões dos poderosos; a busca de uma energia alternativa limpa; um novo modelo de televisor que dure mais e que não precise de manual de instrução. E para o novo livro do mestre Camilleri, que sairá por estes dias.

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16 comments:

Yvonne said...

Allan, eu acho a Itália uma país nota mil. Não é para qualquer um ter Da Vinci, Dante, Florença, Veneza, Verdi, Renascimento, Miquelangelo, dentre tantas outras maravilhas. Beijocas mortas de inveja de você.

Anonymous said...

Olá Allan,

Segunda-feira estarei embarcando para conhecer um cadinho dessa fabulosa península. Espero que não me decepcione em nada e que consiga aprender bem o Italiano...

Abraços

Claudia Souza said...

Vamos trocando nossas aprendizagens de viver (aqui na Italia ou onde quer que seja).
Nao consigo pronunciar o dialeto tarantino (terra do meu marido), mas entendo perfeitamente.Dizem por la que as damas nao devem mesmo falar tarantino er er So i cozzari. Mas as mulheres devem ter os ouvidos bem abertos, saber entender... pra descobrir os segredos. To indo bem hihihi Abraço!!

Anonymous said...

Interessante como quase toda a europa é assim... abs

Anonymous said...

Allan, obrigada por dividir conosco a maravilha do seu post.

Abracos

Claudio Costa said...

"Unificação", porém, respeitando-se as diferenças: eis o grande desafio da atualidade, pois a ideologia globalizante tenta aplainar as diferenças, provocar os mesmos sonhos e vender o mesmo produto (desde gadgets a divertimentos (pseudo-culturais). Abraços.

Anonymous said...

Eu conheço pouco a História italiana, mas ao ler o post me lembrei da complicada "unificação" espanhola. Sempre me intrigou ver os fãs do piloto de Fórmula 1 Fernando Alonso levarem para os autódromos uma bandeira azul com um desenho amarelo. Pensei que fossem as cores da escuderia Reanult. Que nada! É a bandeira do Principado de Astúrias. Ele é asturiano, antes de ser espanhol. Gaudí é catalão, fulano é andaluz.

Anonymous said...

Acredito que deva ser dificil, para os próprios italianos, assim como outras nações européias, viver essa dualidade de culturas e crenças. Para nós, brasileiros e que vivemos aqui, é uma diversão. Para vocês, que moram no meio do tumulto, deve ser difícil.
Mas é uma experiência única.

Beijos

Denise Arcoverde said...

Interessantíssimo, Allan! uma aula que me deu uma vontade danada de morar aí, entre você e o Flavio! com todo respeito às patroas! Beijos!

Luma Rosa said...

Na realidade, não importa em que lugar você esteja no mundo para assumir a sua essência. Os italianos podem internamente se diferenciar entre os do sul e do norte e os mais jovens podem procurar por novidades, mas quando é para mostrar 'bairrismo'(?), não fogem. O autor com charme e histórias engraçadas conseguiu popularidade, até entre os seus.

Bom fim de semana! Beijus

Paulo Nunes Jr said...

O dialeto piemontes e muito engraçado. E uma mistura de italiano com um frances falado com sutaque mineiro. hehe

Allan, acho que agora e' o novo desafio, nao mais unificaçao e sim INTEGRACAO.

Abraços.

Anonymous said...

Allan, a aprender uma língua diferente da materna pra mim é um sacrifício. E daí que me esbaldo no Brasil majoritariamente português...

O que vale é essa riqueza multicultural de um país, porém.

Um abraço.

Paulo Nunes Jr said...

Allan, leia por favor essa cronica escrita no La Repubblica... e depois tente contar aos seus amigos brasileiros...haha


DICA? DICO
L'ironia pungente di Messina si abbatte sui DICO

Nel corridoio dell´anagrafe di Roma, il primo giorno di entrata in vigore della nuova legge. Usciere: «Dica». Signora: «Dico». «Dica, dica». «Gliel´ho detto: Dico». «Che, fa la spiritosa? Io sto a lavora´, signora. Che deve fare?». «La dichiarazione di convivenza». «Ah, il Pacs». «Dico». «Dica». «Dico, non Pacs: si chiama Dico». «Ah, pensa te. Eccole il modulo». «E dopo che l´ho compilato?». «Vediamo... Ecco: articolo 3, deve darne comunicazione all´altro convivente». «E cosa gli comunico, scusi? Che conviviamo?». «Signora cara, e mica l´ho fatta io la legge. Qui c´è scritto che glielo deve comunicare. Legga: "mediante raccomandata con avviso di ricevimento"». «Cioè io devo andare alla posta e spedire una raccomandata a casa mia». «Sì, al suo convivente». «E se lui non c´è, quando viene il postino?». «Beh, lei è la convivente, no?». «Certo». «E allora può firmare lei la ricevuta». «Cioè dichiaro di ricevere una lettera spedita da me. Non le pare assurdo?». «Signora bella, quello che pare a me non conta niente». «E la ricevuta?». «Se la riprende il postino. Poi gliela spediscono». «E se non arriva?». «Può fare reclamo. Intanto compili il modulo, che la fila è lunga. Avanti il prossimo. Dica, signore». «Dico». «Aridaje...».

Anonymous said...

Allan, interessante a lealdade dos velhos às tradições e a curiosidade dos jovens pelas inovações. Ainda bem que existe a História, se não, o que seriam das tradições.
beijo, menino

Anonymous said...

Gostei do que li e aprendi.
Também quero o novo de Camilleri.
Beijos e boa semana! (será que neva?)

Anonymous said...

Fazem bem os italianos, pra que fechar em uma com tantas línguas assim, passeando para lá e para cá. E que venham os anglicismos. Os selos estão ficando raros e o mundo carece de lambidas. Viajemos.